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    Lockdowns da pandemia aliviam, mas não resolvem crise do clima no planeta

    Pesquisadores afirmam que o “experimento” pandêmico pode indicar caminhos; solução, porém, está no investimento em tecnologia e em mudanças estruturais

    Edison Veigacolaboração para a CNN

    Logo nos primeiros meses da pandemia de Covid-19, notou-se um efeito colateral positivo dos lockdowns, sobretudo em locais onde foram rígidos: a natureza reencontrando os espaços perdidos. Viralizaram imagens de animais em espaços urbanos, de córregos mais limpos e de plantas reencontrando brechas para se desenvolver.

    Em tempos de mudança climática na Terra e iminente colapso dos ecossistemas, a experiência forçada pela pandemia não poderia servir como solução? E se o mundo parasse de vez em quando, com a imposição de períodos de lockdowns como se fossem sabáticos planejados?

    A ciência começa a se debruçar sobre os resultados do isolamento forçado pelo qual a humanidade passou – em maior ou menor medida. Uma pesquisa publicada no fim de agosto pelo periódico Science Advances, desenvolvida sob a liderança de um grupo de cientistas da Academia Chinesa de Ciências, de Pequim, demonstrou que a primavera de 2020 ocorreu mais cedo e mais intensamente na China do que nos cinco anos anteriores.

    [cnn_galeria id_galeria=”489540″ title_galeria=”Cidades esvaziadas atraíram a presença de animais durante a pandemia”/]

    Enfatizando que ainda não estão claros os efeitos secundários dos lockdowns sobre o meio ambiente, como o impacto no crescimento da vegetação, os pesquisadores analisaram dados de satélite para rastrear os efeitos das restrições sobre a atividade humana durante os primeiros quatro meses de 2020.

    Identificaram mudanças de concentração de gases nocivos na atmosfera e um consequente aumento na área de cobertura florestal. Chegaram a um turning point: quando os deslocamentos humanos reduziram em 58% — exatamente no 18º dia do lockdown decretado na China, o ar chegou a um ponto de mais transparência, e isso fez com que mais luz solar chegasse até as plantas, favorecendo seu crescimento.

    O resultado foi visível na primavera: o desabrochar das flores chegou oito dias antes do que em anos anteriores e a vegetação chinesa chegou a um ápice há muito não visto: 17,45% mais verde do que nos últimos cinco anos.

    Efeito rebote

    Segundo pesquisadores ouvidos pela CNN, parar o planeta de forma planejada não funcionaria de forma sustentável. Melhor mesmo seria cada vez mais investir em tecnologia, para que ocorra de forma intensa a substituição dos combustíveis fósseis por fontes de menor impacto.

    “Muitas regiões do planeta sofreram benefícios ambientais com a redução de emissões e com os lockdowns. Animais começaram a ser vistos em áreas urbanas onde nunca mais apareciam, a vegetação floresceu onde já estava morrendo e assim por diante”, avalia o físico Paulo Artaxo, pesquisador na Universidade de São Paulo e referência na pesquisa de aquecimento global.

    “Há uma série de benefícios ambientais importantes associados aos lockdowns que foram feitos. Mas a questão é: reduzir emissões sem precisar fazer lockdowns. E isso é possível e desejável.”

    Uma interrupção planejada traria efeitos colaterais diretos. Naturalmente o sistema econômico compensaria o período parado com mais produção antes ou depois do lockdown. Um verdadeiro efeito rebote.

    “O alívio ambiental observado na pandemia é decorrente da causa [os lockdowns], mas à medida que os países puderam afrouxar as medidas mais restritivas, os níveis de poluição e de emissões basicamente retomaram o padrão anterior. Em alguns casos até pioraram”, comenta Natalie Unterstell, presidente do think thank Talanoa, dedicado à política climática, e mestre em políticas públicas pela Universidade de Harvard (EUA). “É o normal: depois que sai da crise, tenta-se acelerar, inclusive com pacotes de estímulo da retomada econômica.”

    “A ideia não é parar o planeta para reduzir emissões. É continuar o planeta rodando, a economia e o sistema socioeconômico, é reduzir emissões eventualmente chegando a [um saldo de] emissão líquida zero. Mas, obviamente, sem parar a economia do planeta, sem parar a produção de alimentos, sem parar a produção industrial”, complementa Artaxo. “Você pode fazer isso [parar tudo] por um mês, mas não pode fazer por um ano, por dez anos ou por um século.”

    Há ainda a questão da própria sustentabilidade do modelo utilizado para mitigar os danos ambientais. Pausas planejadas seriam como empurrar o problema com a barriga, já que a retomada inevitavelmente traria novamente a questão. Somente a substituição dos emissores de gases de efeito estufa faria o mundo funcionar corretamente, de modo equilibrado.

    “Não queremos uma parada violenta, com sacrifício e mortes. Essa associação é muito infeliz. Precisamos é fazer uma transição para zero emissão, como o próprio IPCC [o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, na sigla em inglês] vem demonstrando há muito tempo. Uma transição com saltos tecnológicos, isso daria uma solução permanente”, defende Natalie Unterstell.

    Outros estudos nos Estados Unidos, Europa e China mostraram que a redução da poluição por causa de quarentenas resultou em ar mais limpo e até redução de mortes associadas aos poluentes, enfatiza o engenheiro florestal Paulo Barreto, pesquisador no Instituto do Homem e Meio Ambiental da Amazônia (Imazon). “O ‘experimento’ resultante da pandemia mostrou o potencial de melhoria da qualidade de vida e de recuperação da natureza resultante da redução de poluição. Entretanto, esse tipo de parada forte forçada não parece viável como política ambiental.”

    Novos hábitos

    Pesquisador no Instituto Ambiental de Estocolmo, o biólogo Mairon Bastos Lima faz uma analogia que ilustra bem a situação evidenciada pelo estudo chinês. Imagine uma pessoa sedentária, com péssimos hábitos alimentares e um quadro crônico de sobrepeso. Pois bem, por conta de uma doença, esse indivíduo hipotético não consegue se alimentar bem durante um período. E emagrece, até chegar próximo do peso que lhe seria ideal.

    Não dá para dizer que isso foi bom, porque não houve uma mudança de hábitos. E nem uma melhora da saúde, de forma geral. Provavelmente, uma vez recuperado da doença, esse paciente voltará à obesidade. Foi mais ou menos o que ocorreu com o planeta, pontualmente, por conta da pandemia.

    O experimento forçado pela pandemia mostrou algumas atitudes que poderiam fazer a diferença se implementadas. Como no caso do paciente hipotético, o fundamental seria adotar “uma dieta e um estilo de vida saudáveis” para o planeta.

    “Uma solução estrutural que revise o porquê de o ‘normal’ estar causando problemas. Do contrário, essas pausas, que não acredito serem viáveis sem razões de força maior nem desejáveis à maioria da população, poderiam se tornar uma forma de não se refletir sobre os problemas no nosso dia a dia”, diz Lima.

    Do ponto de vista pessoal, algumas mudanças de hábito, somadas, podem fazer diferença. Por exemplo, reduzir os deslocamentos — seja porque muitas empresas devem continuar permitindo e até incentivando o modelo de home office, seja repensando a necessidade de ir presencialmente a alguns lugares.

    Outra dica é na hora da alimentação: preferir produtos que estejam dentro de uma produção mais preocupada com o meio ambiente. “É fundamental é criarmos economias sustentáveis para que não seja preciso pará-las”, afirma Lima.

    Barreto, do Imazon, ressalta que “uma redução sustentável das emissões requer uma transformação ampla das práticas de produção, investimento e consumo”. E concorda, sim, que a pandemia mostrou alguns caminhos, principalmente quanto a reduções de viagens para eventos e de deslocamento diário para o trabalho.

    “Aparentemente, parte dessa redução continuará. Alguns especialistas projetam uma redução de 20% das viagens de negócios e que o trabalho em escritórios será híbrido, com as pessoas trabalhando em casa de duas a três vezes por semana.”

    As transformações estruturais, contudo, dependem de investimentos baseados em ciência e com responsabilidade socioambiental. “Estados Unidos e a Europa estão criando programas de retomada da economia baseados em soluções climáticas”, exemplifica Barreto.

    “Se bem desenhados, eles podem promover as mudanças necessárias para mitigar e adaptar as mudanças climáticas, promovendo ganhos de bem-estar como os observados pela redução da poluição.”

    No caso brasileiro, por exemplo, a pandemia tem sido marcada por desmatamento e queimadas recordes. E lockdowns de fato foram muito pontuais. “É preciso observar que muitos impactos ambientais cresceram neste período [de pandemia]”, frisa Lima.

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