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    Jornalista da CNN detalha fuga desesperada de sua família para o sul de Gaza

    Eles estão entre as cerca de 500 mil pessoas que deixaram a Cidade de Gaza e o norte da faixa após avisos israelenses e se dirigiram para o sul em busca de refúgio

    Lauren Said-MoorhouseZahid Mahmoodda CNN* , Gaza e Londres

    Ibrahim Dahman e sua família entraram no quarto do hotel e olharam para o azul do Mar Mediterrâneo. Seus dois filhos pequenos ficaram entusiasmados ao verem uma piscina pela janela, mas não eram férias.

    “Mas eles não atacam… eles não atacam hotéis, certo?”, o filho de 11 anos de Dahman, Zaid, perguntou nervoso, enquanto a família descia de elevador pouco tempo depois.

    Trocando um olhar apreensivo com a esposa, Rasha, de 30 anos, Dahman respondeu: “Eles não atacam hotéis, não”. Uma mentira gentil de um pai que tentava tranquilizar seus filhos enquanto as explosões, antes distantes, pareciam agora estar se aproximando.

    Nascido e criado em Gaza, o jornalista da CNN de 36 anos habituou-se à guerra com Israel. Os palestinos assistiram aos ataques israelenses atingirem a faixa em diversas ocasiões nos anos desde que as forças israelenses se retiraram do território em 2005, muitas vezes em resposta ao lançamento de foguetes do Hamas. Frequentemente eclodem combates entre Israel e facções palestinas em Gaza, incluindo os grupos militantes Hamas e Jihad Islâmica.

    Mas para Dahman, desta vez parece diferente. Embora queira continuar o seu trabalho contando as histórias das pessoas em Gaza, ele agora enfrenta a realidade de manter a sua família segura ao mesmo tempo.

    Centenas de milhares de civis, incluindo Dahman e a sua família, foram pegos em meio à escalada da crise. Ao contrário do que acontece na fronteira com Israel, não há sirenes de alerta, abrigos antiaéreos ou sistema de defesa de alta tecnologia Domo de Ferro para interceptar projéteis em Gaza.

    Dahman não parou de trabalhar desde que foi acordado pelos “sons de disparos contínuos de foguetes” vindos de Gaza, quando o Hamas lançou seu ataque inicial, há pouco mais de uma semana, sinalizando o início do que o presidente dos EUA, Joe Biden, chamou de o maior massacre de judeus em um único dia desde o Holocausto.

    Depois de filmar os foguetes assobiando no céu acima de sua casa, ele foi imediatamente para o escritório da CNN.

    Situado no bairro de al-Rimal, na cidade de Gaza, o escritório tem sido uma espécie de refúgio seguro para Dahman. Foi nesta área que iniciou a sua carreira no jornalismo em 2005, quando cobriu a retirada israelense do enclave costeiro.

    O prédio de escritórios fica no que Dahman chamou de “bairro bonito e sofisticado, onde estão localizadas todas as assessorias de imprensa e instituições estrangeiras e internacionais”. O bairro era considerado uma das “áreas tranquilas”.

    Mas na segunda-feira, as coisas não estavam tão calmas.

    “Os ataques aéreos estavam se aproximando de nós. Pude ver e ouvir os sons de explosões e ver a fumaça do escritório”, explicou. Os jornalistas no edifício que a CNN compartilha com outros meios de comunicação ouviram dizer que o exército israelense pediu aos residentes nas proximidades para evacuarem.

    Correndo para sua casa, a poucos minutos de carro, Dahman esperava trabalhar remotamente de lá, mas, em mais um sinal de que esta situação era diferente dos combates anteriores, “a surpresa foi que a casa não tinha eletricidade, água ou internet”.

    Depois de se abrigar por algumas horas, ele começou a ver fumaça e poeira do lado de fora das janelas de seu apartamento, então jogou alguns itens essenciais – roupas, comida enlatada, lanches e garrafas de água – em malas e a família fez o curto trajeto até um hotel.

    “As horas da noite começaram com sons de ataques aéreos e bombardeios de barcos navais em direção à costa e às torres residenciais perto do hotel”, disse Dahman, acrescentando que, apesar do caos que o rodeava, ele “sentiu algum conforto devido à presença de famílias civis e alguns jornalistas”.

    Ele acrescentou: “Me senti um tanto seguro, mas existe perigo em toda a Faixa de Gaza. Não há segurança e não há área segura”.

    Entre segunda e quarta-feira, ele continuou cuidando de sua família enquanto relatava os últimos acontecimentos, exausto tanto mental quanto fisicamente, pois dormia apenas algumas horas por noite – se dormia.

    “Chegou quinta-feira e aqui começa o sofrimento”, lembrou.

    A administração do hotel pediu aos hóspedes que se mudassem para o porão do edifício devido a uma operação israelense em andamento a uma curta distância. “Parece que o exército israelense informou ao hotel que houve um bombardeio”, disse Dahman.

    Famílias amontoavam-se contra as paredes dos corredores do andar de baixo, com crianças pequenas dormindo ou buscando conforto no colo dos pais. Nas escadas, as pessoas se sentavam de pernas cruzadas no chão enquanto muitas digitavam ansiosamente em seus celulares, tentando entrar em contato com amigos e parentes.

    No andar de cima, estrondos fortes podiam ser ouvidos e nuvens de fumaça se aproximavam cada vez mais enquanto os aviões de guerra israelenses continuavam a bombardear o apertado enclave.

    Depois de testemunhar um ataque aéreo atingindo uma torre residencial em frente ao hotel, Dahman ficou chocado ao ver um de seus parentes sendo ajudado por transeuntes a entrar no saguão.

    O primo de seu pai morava no prédio ao lado da torre que havia sido atingida e ele e sua esposa foram apanhados no caos enquanto tentavam fugir. Seu parente estava claramente em estado de choque, coberto por uma camada de sujeira e poeira, com a camisa e a pele rasgadas pela explosão, mas ele estava vivo.

    Observando o desenrolar da cena, Dahman sabia que precisava tirar sua família de lá.

    “Os ataques aéreos nas torres residenciais foram muito violentos. Eu não esperava estar vivo”, explicou ele. “Foram momentos muito difíceis porque minha esposa está no segundo mês de gravidez e eu tinha medo que algo ruim acontecesse com ela”.

    Tão rapidamente quanto puderam, enfiaram os seus poucos pertences no carro – com os vidros traseiros quebrados pela explosão e uma das rodas agora danificada – e fugiram. “Segundos depois de sairmos do hotel, eles dispararam um foguete ou um barril (bomba) que danificou gravemente toda a área”, disse ele.

    A família passou a noite com a irmã de Dahman enquanto os ataques aéreos continuavam a se intensificar nas ruas ao seu redor.

    Na sexta-feira (13), Israel disse aos 1,1 milhão de pessoas que vivem no norte do enclave para deixarem suas casas e seguirem para o sul para evitar perigos, pois uma possível incursão terrestre se aproxima.

    Dahman e sua família usaram uma das chamadas rotas de evacuação designadas ao longo da rua Salah al-Deen para fazer a traiçoeira viagem de uma hora até a cidade de Khan Younis.

    No mesmo dia em que Dahman e a sua família se dirigiram a Khan Younis por esta rota, cenas de terror absoluto ocorreram na rua Salah al-Deen, após uma aparente explosão, com palestinos vistos fugindo pela rua em vídeos autenticados pela CNN.

    Vários corpos, incluindo de crianças, puderam ser vistos em um reboque que parecia ter sido usado para transportar pessoas para fora da Cidade de Gaza. Não ficou claro o que causou a explosão. Em uma entrevista à CNN no domingo (15), o porta-voz das Forças de Defesa de Israel, tenente-coronel Peter Lerner, negou qualquer envolvimento militar israelense no ataque contra um comboio de evacuados.

    A família de Dahman saiu ilesa. Embora não tenham escapado totalmente aos persistentes ataques aéreos, sentem-se mais seguros agora que chegaram à casa de quatro andares de um parente em Khan Younis, onde mais de 200 pessoas, incluindo mulheres, crianças e idosos, procuraram refúgio depois de deixarem para trás suas casas no norte.

    A situação humanitária tem se deteriorado rapidamente há dias. O sistema de saúde está à beira de colapsar e o cerco tornou impossível levar ajuda a um local onde há escassez de tudo.

    “O sistema de saúde sempre foi extremamente frágil e foi considerado (uma) emergência humanitária crônica por muitos, muitos anos e agora é uma catástrofe completa”, disse Avril Benoit, diretora executiva dos Médicos sem Fronteiras.

    Dahman nunca esperou se tornar parte de uma notícia, mas é agora um dos milhares de deslocados pelo conflito, forçado a fugir com a sua família para salvar as suas vidas, deixando a sua casa, entes queridos e a vida para trás. Acredita-se que aproximadamente 500 mil pessoas deixaram o norte de Gaza em direção ao sul após o alerta das FDI na sexta-feira, de acordo com as últimas estimativas de Israel.

    À medida que milhares de pessoas se deslocam para o sul de Gaza, a ONU alerta para “uma capacidade muito limitada” que os espera.

    “Não há abrigos disponíveis no sul em termos dos números que estão chegando. E porque nós mesmos não temos água. Comida, sim, há alguma comida nos locais de distribuição, mas não podemos chegar até eles por causa do bombardeio”, disse Lynn Hastings, coordenadora humanitária da ONU para o Território Palestino Ocupado.

    Dahman disse: “Esta guerra é mais dura e difícil do que todas as guerras anteriores, pois sinto um medo intenso. Estou preocupado comigo mesmo, com minha esposa e com meus filhos”.

    Ele acrescentou que embora a família tenha encontrado um abrigo temporário, eles sabem que é apenas uma questão de tempo até que precisem se mudar novamente.

    *Com informações de Larry Register, Abeer Salman, Manveena Suri, Kareem El Damanhoury e Julie Zink, da CNN.

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