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    Invasão do Capitólio completa um ano: relembre o ataque à democracia dos EUA

    Marco na história norte-americana desencadeou uma série de investigações sobre a participação do ex-presidente Donald Trump no ato e levou à prisão e indiciamento de centenas de pessoas

    Tiago Tortellada CNN*

    A invasão do Capitólio dos Estados Unidos, principal símbolo do poder político no país, na capital Washington, completa um ano nesta quinta-feira (6). Durante a sessão conjunta do Congresso que confirmaria a vitória de Joe Biden nas Eleições Presidenciais de 2020, em 6 de janeiro de 2021, centenas de apoiadores do então presidente, Donald Trump, marcharam para o prédio após meses alegando fraude nas votações, o que nunca foi comprovado e, pelo contrário, foi desmentido pelas principais autoridades dos EUA.

    No ataque, os agressores conseguiram superar momentaneamente a segurança do local, entrando no Capitólio, destruindo diversos objetos – muitos com significado histórico – e ameaçando de morte os congressistas.

    O vice-presidente à época, Mike Pence, que comandava a sessão, membros do Congresso e jornalistas tiveram que se retirar às pressas, enquanto uma multidão escalava as escadarias do prédio e invadia os salões principais. A audiência foi retomada apenas nas primeiras horas do dia 7 de janeiro, confirmando a vitória de Biden.

    Vídeos de câmeras de segurança mostram os invasores armados com barras de ferro e sprays químicos atacando policiais. Áudios também revelam o desespero dos agentes de segurança com o avanço dos agressores no prédio.

    Um comitê selecionado do Congresso dos EUA ainda investiga os acontecimentos daquele dia. Diversas testemunhas afirmam que Trump instigou seus apoiadores a atacar o Capitólio. Muitos deles reconhecem que infringiram a lei e dizem que foram enganados pelo presidente, mas outros alegam que apenas estavam utilizando o direito à liberdade de expressão.

    Deputados norte-americanos dizem que o então presidente foi advertido por alguns de seus principais aliados e até pelos seus filhos para que intervisse e pedisse aos apoiadores que parassem o ataque. Horas após o início da invasão, Trump apenas publicou um vídeo em suas redes sociais no qual ainda alegava que as eleições foram adulteradas e pedia para que as pessoas deixassem o Capitólio. Já era tarde.

    Pelo menos dois manifestantes e três policiais morreram nos dias seguintes ao ataque. Nos meses seguintes, outros quatro agentes de segurança que defenderam o Capitólio se suicidaram. Outros 140 policiais ficaram feridos.

    O Departamento de Justiça dos Estados Unidos já prendeu e indiciou mais de 725 pessoas em quase todos os 50 estados do país, mas muitos já foram soltos ou cumpriram penas menores. Outros ainda estão presos aguardando julgamento.

    Ao menos 225 indivíduos foram indiciados por agressão ou impedimento da aplicação da lei e 165 se confessaram culpados de crimes federais – dos quais 22 cometeram crimes graves, segundo informações oficiais do governo.

    Segundo a CNN Internacional, pelo menos 70 pessoas já foram sentenciadas a liberdade condicional, confinamento domiciliar ou prisão.

    A insurreição deixou profundas marcas na democracia americana até hoje, com mortes, prisões, um pedido de impeachment e uma investigação que ainda não terminou.

    A CNN conversou com o especialista e analista de política internacional Lourival Sant’Anna e com o especialista e editor de Internacional Renan de Souza sobre os desdobramentos do ataque e o que ele ainda pode acarretar na democracia americana.

    Símbolo do Poder

    O Capitólio dos Estados Unidos teve sua construção iniciada em 1793, na capital Washington, e é conhecido como “símbolo do poder” nos EUA. Em 1800, os primeiros congressistas se mudaram para o prédio. Lá está a sede do Congresso, onde acontece tradicionalmente a certificação dos votos dos colégios eleitorais.

    No prédio há obras de arte e esculturas de figuras emblemáticas e momentos marcantes na história dos Estados Unidos.

    O Capitólio já foi atingido por um incêndio, reconstruído e expandido, mas nada disso se assemelha à invasão do dia 6 de janeiro de 2021. Nunca houve uma tentativa de parar a certificação dos votos.

    Sant’Anna explica que, na democracia americana, os congressistas são a figura política mais próxima dos eleitores. O ataque ao Congresso e a ameaça de morte a eles –que ficaram próximos de ser capturados –, além da destruição ou danificação das esculturas e pinturas dentro do prédio, são também um marco simbólico do que o analista coloca como ponto máximo de “ruptura do tecido social”.

    Considerando que os Estados Unidos, junto à França e Reino Unido, são um grande player da democracia global, invadir um dos principais símbolos do poder político no país é um alerta para as democracias no mundo inteiro.

    Capitólio dos EUA em Washington / 6/12/2021 REUTERS/Elizabeth Frantz

    Segundo Sant’Anna, apenas o ataque ao Capitólio durante uma guerra entre Estados Unidos e Reino Unido, em 1814, na qual tropas britânicas incendiaram o prédio, se assemelha ao que foi a invasão de 6 de janeiro, mas que ainda assim a insurreição do ano passado é algo “inédito”.

    “Uma das coisas mais chocantes para os americanos foi ver mastros de bandeiras dos Estados Unidos serem utilizados para ferir policiais. Foi a materialização de uma distorção do que é a democracia, do que é o poder exercido pelo povo. Que é um poder representativo, com instituições, regras, processos e calendários”, afirma.

    Uma das divergências sobre o que aconteceu naquele dia, e que pode ter facilitado a invasão do Capitólio, é o reforço policial.

    O Federal Bureau of Investigation (FBI) diz que um boletim foi emitido pelo escritório da agência em Norfolk, Virgínia, em 5 de janeiro alertando sobre a possibilidade de escalada de violência nas manifestações.

    O ex-chefe da polícia do Capitólio Steven Sund afirma, porém, que não viu o relatório que teria sido enviado pelo FBI.

    “Nos planejamos apropriadamente para uma grande manifestação com possibilidade de violência”, disse Sund. “O que tivemos foi um ataque coordenado de maneira militar sobre os meus agentes e uma tomada violenta do prédio do Capitólio”, acrescentou.

    Os ex-sargentos das armas da Câmara dos Deputados e do Senado Paul Irving e Michael Stenger também prestaram depoimento dizendo que não viram o aviso do FBI.

    Mortes, prisões e impeachment

    Diversos grupos de extrema-direita e ligados a teorias de conspiração participaram do ataque ao Capitólio, como o Oath Keepers, o Proud Boys e o QAnon.

    Muitos dos invasores dizem hoje que estão arrependidos e que foram enganados por Donald Trump sobre a fraude nas eleições, mas alguns ainda defendem o que aconteceu em 6 de janeiro do ano passado.

    Mais de 140 agentes da polícia do Capitólio e da Polícia Metropolitana ficaram feridos e três morreram nos dias após o ataque. Outros quatro agentes de segurança que defenderam o prédio se suicidaram nos meses seguintes.

    Dois manifestantes também foram mortos. Um vídeo emblemático mostra uma mulher levando um tiro de um policial dentro do prédio enquanto tentava ultrapassar uma porta bloqueada.

    No dia 14 de dezembro de 2021, 31 membros dos Oath Keepers e dos Proud Boys foram processados pelo procurador-geral do distrito de Columbia. Líderes dessas duas organizações já haviam sido indiciados por membros do Congresso dos EUA.

    Porém, penas discrepantes marcam as investigações. Algumas pessoas receberam apenas meses de prisão ou liberdade condicional, enquanto outros terão de cumprir anos de cadeia. Até agora, ao menos 70 pessoas já foram sentenciadas a liberdade condicional, confinamento domiciliar ou prisão.

    Um dos invasores mais conhecidos, e que se tornou um “símbolo” da insurreição, Jacob Chansley, o “Xamã QAnon” foi condenado a 41 meses de detenção, por exemplo. Ele foi um dos 30 primeiros manifestantes a entrar no prédio.

    Chansley foi até ao palanque do Senado, desocupado às pressas pelo então vice-presidente Mike Pence, e deixou um bilhete que dizia: “é apenas uma questão de tempo. Justiça está chegando!”, de acordo com seus documentos de confissão.

    Esse ato exemplifica o que Sant’Anna aponta sobre o que aconteceu naquele dia. De acordo com o analista, a ruptura aconteceu porque os agressores tentaram fazer “justiça com as próprias mãos”.

    Outros personagens que ficaram conhecidos são o nadador e medalhista olímpico dos Jogos de Pequim, em 2008, e Atenas, em 2004, Klete Keller, que se declarou culpado, e Robert Scott Palmer, que, em 17 de dezembro, foi o primeiro condenado por “agressão a um policial com uma arma perigosa”.

    Ele pulverizou e atirou duas vezes um extintor de incêndio contra os agentes de segurança. Sua pena chega a cinco anos de detenção, e nos documentos de confissão Palmer afirma que entende agora que Trump mentiu para os apoiadores.

    Logo após o ataque, um processo de impeachment contra Donald Trump foi aberto no Congresso, o acusando de “incitação à insurreição”, tendo início em 9 de fevereiro do ano passado.

    Trump teve que juntar uma equipe jurídica às pressas, visto que cinco advogados não quiseram defender o caso do então presidente. Mesmo com um grupo tecnicamente fraco, Trump foi absolvido em 13 de fevereiro. Se ele fosse condenado, poderia se tornar inelegível para as eleições de 2024, por exemplo.

    Porém, de acordo com Sant’Anna, Trump nunca esteve realmente perto de sofrer um impeachment, visto a influência quase “messiânica” que ele exercia em membros do partido republicano.

    Comitê Selecionado do Congresso investiga insurreição

    Em 14 de maio de 2021, o presidente do Comitê de Segurança Interna do Congresso dos Estados Unidos, Bennie Thompson, e o líder republicano John Katko anunciaram um acordo para a criação de uma comissão para investigar o ataque e os eventos que levaram a ele.

    De acordo com o editor de Internacional da CNN Brasil Renan de Souza, essa é uma apuração paralela à do Departamento de Justiça.

    Muito do trabalho do comitê até o momento ocorreu a portas fechadas, e os deputados preparam um relatório final, que não tem previsão de conclusão. Até agora, 725 pessoas foram presas e indiciadas. Vale ressaltar que nem todas estão presas neste momento. Algumas já assinaram acordos de confissão, receberam penas que não incluem tempo de prisão ou já cumpriram período atrás das grades.

    Outros 250 suspeitos ainda são procurados pelas autoridades por atacar policiais naquele dia.

    Muitos dos presos e processados são pessoas que não tinham como negar os crimes aos quais são acusados. Eram pessoas “comuns”, de acordo com Sant’Anna.

    Porém, ex-membros do governo norte-americano e ex-assessores de Trump também foram intimados nos processos investigativos.

    Alguns dos nomes incluem Mark Meadows, ex-chefe de gabinete, Dan Scavino, ex-vice-chefe de gabinete, Steve Bannon, ex-conselheiro, Kash Patel, ex-chefe de gabinete do então secretário de Defesa em exercício e Christopher Miller, que também serviu como assessor do deputado republicano Devin Nunes.

    Thompson, que lidera a Comissão, disse que o painel ainda está trabalhando por meio de depoimentos e documentos de testemunhas sobre a improvisada “sala de guerra” no Willard Hotel, em Washington, administrada pelos aliados de Trump Rudy Giuliani e Steve Bannon no dia do ataque.

    Já foram pedidos diversos documentos às agências governamentais, como comunicações envolvendo conselheiros e familiares de Donald Trump e registros de comunicação da Casa Branca até 6 de janeiro.

    O painel também fez muitos pedidos de material aos departamentos de Defesa, Segurança Interna, Justiça, FBI, Centro Nacional de Contraterrorismo e Gabinete do Diretor de Inteligência Nacional.

    O ex-presidente já tentou bloquear duas vezes o acesso a documentos oficiais por parte do comitê selecionado, mas não obteve sucesso. O empresário também processou a comissão, alegando que os pedidos ferem o “privilégio executivo” que lhe é garantido na Constituição.

    Trump foi orientado a pedir que apoiadores deixassem o prédio

    A deputada do Wyoming, Liz Cheney, vice-presidente do comitê que investiga o motim, diz que há um testemunho de que a filha do ex-presidente, Ivanka Trump, pediu ao pai que parasse com a violência.

    A CNN Internacional relatou algumas dessas interações, descritas em livros escritos por jornalistas de outros veículos. Ivanka Trump teria falado três vezes com o pai naquela tarde.

    Cheney também já havia dito que outro filho do ex-presiente, Donald Trump Jr, também pediu ao pai que condenasse a violência do ato em mensagens com o chefe de gabinete da Casa Branca, Mark Meadows.

    Em uma mensagem, estaria escrito que “ele tem que condenar essa m… o mais rápido possível. O tweet da Polícia do Capitólio não é suficiente”.

    Cheney também revelou que, após Meadows responder que concordava, Trump Jr. escreveu: “precisamos de um pronunciamento do Salão Oval da Casa Branca. Ele tem que liderar agora. Foi longe demais e saiu do controle.”

    O comitê pediu aos Arquivos Nacionais, a agência dos Estados Unidos que abriga os registros da Casa Branca de Trump, que produzissem registros de visitantes, históricos telefônicos e comunicações por escrito entre seus conselheiros.

    O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em Washington
    O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em Washington / Foto: Yuri Gripas – 19.mai.2020 / Reuters

    O painel disse que precisa dos registros para entender qualquer papel que Trump possa ter desempenhado na incitação à violência.

    Lourival Sant’Anna e analistas da CNN Internacional concordam na análise de que o ex-presidente foi consciente nas ações anteriores ao 6 de janeiro de 2021 e também durante aquela tarde.

    “Foi uma invasão praticamente comandada pelo presidente para evitar a certificação da vitória eleitoral de seu oponente”, afirma Sant’Anna.

    De acordo com as investigações do comitê, testemunhas afirmam que Trump sabia o que estava acontecendo e assistiu ao ataque pela televisão.

    Um outro ponto é que ele afirmou em algumas oportunidades que o ex-vice-presidente Mike Pence não teria tido “força para fazer o que era necessário” – no caso, não certificar a vitória de Joe Biden -, ajudando a incitar os apoiadores contra o político.

    Agora, a presidência do comitê quer que Pence se apresente voluntariamente para testemunhar sobre o caso.

    Jamie Raskin, democrata que compõe a comissão e comandou o processo de impeachment contra Trump após o ataque ao Capitólio, elogiou a postura do colega de não recuar mesmo com as pressões de Trump, e o chamou de “herói nacional”, em entrevista à CNN Internacional.

    Qual o futuro das investigações?

    Segundo a CNN Internacional, pelo menos 250 suspeitos ainda são procurados pelas autoridades.

    O editor de Internacional da CNN Brasil Renan de Souza explica que a justiça dos Estados Unidos é diferente da brasileira.

    Vários acordos de confissão já foram assinados, o que faz com que muitas sentenças já tenham sido aplicadas. Aqueles que praticaram crimes mais leves podem fazer acordos e receber punições que, às vezes, não incluem tempo atrás das grades, abrindo espaço para que os promotores foquem na investigação de crimes mais graves no decorrer deste ano.

    Os casos, que podem demorar anos até serem resolvidos, são divididos em dois grupos básicos. No primeiro estão os amotinadores não violentos, que são apenas acusados de contravenções.

    No segundo ficam os casos de crimes envolvendo manifestantes que agrediram a polícia, invadiram o piso do Senado, destruíram propriedades ou conspiraram com grupos extremistas de extrema direita.

    De acordo com o advogado-geral dos Estados Unidos, Merrick Garland, o Departamento de Justiça continua comprometido a responsabilizar todas as pessoas responsáveis pelo ataque –sejam as que participaram efetivamente da invasão ou não.

    Para ajudar os juízes, os promotores criaram uma rubrica do que deve ser considerado na sentença.

    A lista inclui fatos de rotina, como condenações anteriores ou cooperação com investigadores, bem como fatos específicos de 6 de janeiro de 2021: o réu entrou no Capitólio? Como entrou? Quanto tempo ficou lá dentro? Ele ou ela incitou ou celebrou a violência? Ainda está justificando o ataque?

    Os promotores federais permitiram que dezenas de manifestantes não violentos se declarassem culpados de um delito de contravenção, o que limita seu potencial de prisão a seis meses.

    Como explicou Sant’Anna, não há uma data definida para o relatório do Comitê do Congresso ser finalizado, mas novos detalhes são revelados com frequência pelos membros do colegiado.

    O prédio do Capitólio em Washington / , EUA 16/11/2021 REUTERS/Elizabeth Frantz/File Photo

    Além do pedido de cooperação a Mike Pence, a investigação agora apura mensagens entre o âncora da Fox News Sean Hannity e Mark Meadows, ex-chefe de gabinete de Trump, nos dias anteriores ao ataque. Na conversa, Hannity disse que estaria preocupado com o que poderia acontecer nas 48 horas seguintes.

    Sant’Anna analisa que as investigações ainda devem ser comprometedoras para Donald Trump, mas que dificilmente uma punição será aplicada contra o ex-presidente.

    De acordo com o analista da CNN Brasil, o fato de assessores de Pence estarem colaborando com as investigações mostra, do ponto de vista político, que o ex-vice-presidente apoia a apuração e pode colaborar em um futuro próximo.

    Nesta quarta-feira (5), Garland disse em entrevista coletiva que as ações tomadas contra os invasores do Capitólio pelo Departamento de Justiça “não serão as últimas”.

    “Nossa resposta é, e continuará a ser, a mesma que daríamos com relação a qualquer investigação em andamento: enquanto for necessário e quanto for necessário para que a justiça seja feita –consistente com os fatos e a lei”, disse Garland.

    O presidente Joe Biden fez um discurso nesta quinta-feira (6) sobre o aniversário da insurreição no Capitólio e culpou o ex-presidente Trump.

    Donald Trump, por outro lado, cancelou a coletiva de impresa que estava marcada desde 21 de dezembro, dizendo que abordará muitos dos mesmo assuntos em um comício no Arizona, no dia 15 de janeiro.

    O que se sabe agora é que o Partido Republicano está divido quanto à volta de Trump para uma possível disputa presidencial em 2024, enquanto o ex-presidente continua a defender os atos de seus apoiadores em 6 de janeiro de 2021.

     

    *Com informações da CNN Internacional

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