Homem negro é morto por policiais durante cumprimento de mandado nos EUA
Amir Locke tinha 22 anos; morte reacendeu o debate sobre as regras de expedição de mandados em Minneapolis, mesma cidade onde morreu George Floyd
Nas primeiras horas da manhã da última quarta-feira (2), policiais da cidade de Minneapolis, nos Estados Unidos, que cumpriam um mandado de segurança forçaram a porta e entraram em um apartamento gritando “Polícia! Mandado de busca!”. Em seguida, um homem negro chamado Amir Locke, de 22 anos, foi baleado e morto.
Amir aparentava estar dormindo quando os policiais chegaram, no entanto, após acordar, foi revelado que ele estava segurando uma arma.
O tiro, disparado por um policial da equipe da SWAT, na cidade que foi o marco zero para o movimento de reforma da polícia americana após a morte de George Floyd, levantou questionamentos sobre a política de mandados da cidade.
A polícia da cidade divulgou um vídeo de 14 segundos da operação, gravado pela câmera acoplada ao uniforme de um dos policias.
As autoridades de Minneapolis disseram que as circunstâncias que levaram o oficial a atirar em Locke estão sob investigação pelo Departamento de Apreensão Criminal do estado. Ainda não está claro o que dizia o mandado de busca.
A polícia disse que Locke não foi citado em nenhum mandado. Os advogados da família do homem dizem que ele estava em posse legal de sua arma de fogo.
Steve Linders, oficial de informações públicas do Departamento de Polícia de St. Paul, que está investigando o homicídio relacionado aos mandados, disse em comunicado que os mandados são expedidos para “proteger a integridade da investigação” e “até que o tribunal determine o contrário”.
Por conta da quantidade limitada de vídeos que a cidade divulgou, não está claro como os membros da SWAT de Minneapolis se aproximaram do apartamento ou como reagiram após o disparo.
De acordo com o jornal Star Tribune, a chefe de polícia de Minneapolis, Amelia Huffman, disse em uma entrevista coletiva na quinta-feira (3) que “um mandado de busca e apreensão foram expedidos” para três locais dentro do prédio onde o policial atirou no homem, no entanto, ela não deu mais detalhes.
As circunstâncias da morte de Locke coloca em discussão a política de mandados de segurança e coloca novamente em evidência um departamento de polícia que já foi alvo de muitas críticas. A cidade atraiu atenção da mídia nacional do país em novembro de 2020, quando anunciou que estava mudando sua política policial após prestar esclarecimentos sobre as diretrizes que causaram em parte o assassinato de George Floyd por um policial de Minneapolis e o tiro que matou Breonna Taylor durante o cumprimento de um mandado em Louisville.
A cidade não proibiu mandados de segurança, e a nova política deu a possibilidade aos supervisores para tomar decisões com base nas condições que encontram durante as operações, permitindo também mandados de segurança em determinadas situações.
O prefeito de Minneapolis, Jacob Frey, anunciou na noite de sexta-feira (4) que estava proibindo temporariamente a polícia de buscar e executar mandados de segurança, embora as diretrizes policiais ainda permitam os mandados em certas situações.
O procurador do condado de Hennepin, Mike Freeman, anunciou que pediu ao procurador-geral de Minnesota, Keith Ellison, para participar de uma revisão sobre os atos que levaram ao tiro.
“Trabalharemos com o Departamento de Apreensão Criminal de Minnesota para garantir uma avaliação completa e completa”, disse Freeman em comunicado. “Depois disso, decidiremos juntos, com base na lei e nas evidências, se as acusações criminais devem ser feitas.”
O procurador Keith Elisson, em um comunicado separado, prometeu conduzir uma investigação “justa e completa”, acrescentando: “A vida de Amir Locke importava. Ele tinha apenas 22 anos e tinha toda a vida pela frente. Sua família e amigos agora devem viver o resto. de suas vidas sem ele”.
O que diz a política de mandados de Minneapolis
A política da cidade permite a “entrada sem aviso prévio” em mandados de alto risco, que “autorizariam os oficiais a entrar sem precisar bater na porte ou anunciar sua presença ou propósito”. A permissão deve ser concedida por um juiz.
A equipe SWAT do Departamento de Polícia de Minneapolis geralmente deve ser usada para “mandados de alto risco”, conforme determinado por um formulário interno de avaliação de risco.
“O pessoal da SWAT deve ser usado em todas as outras situações em que uma entrada ‘pré-planejada’ em um prédio ou residência é necessária para prender um suspeito(s) que se acredita estar armado e/ou perigoso ou quando a entrada no local pode ser perigosa ou impedidos por causa de sistemas de alerta, portas reforçadas ou outros impedimentos”, de acordo com a política.
A política de mandados da cidade exige que os policiais, na maioria dos casos, anunciem “polícia” e “mandado de busca” antes de cruzar a soleira da porta de uma casa, mesmo com mandados de segurança. Mas um supervisor pode decidir se isso “criaria uma ameaça iminente de dano físico” e pode permitir que os policiais entrem sem aviso prévio.
Huffman disse que não está claro se Locke está ligado à investigação de homicídios de St. Paul.
“Esses eventos se desenrolam em segundos, mas o trauma é duradouro. Um jovem perdeu a vida e seus amigos e familiares estão de luto”, disse Huffman.
Funcionários do Departamento de Polícia de St. Paul disseram que nenhuma prisão foi feita na investigação de homicídio.
Governador diz que há “necessidade de mais reformas”
O governador de Minnesota, Tim Walz, do Partido Democrata, pediu por mudanças na forma como os mandados de busca são executados no estado. Já os pais de Locke descreveram o filho como um cidadão cumpridor da lei que respeitava a aplicação das regras. Líderes comunitários e um grupo a favor do desarmamento exigiram transparência e responsabilidade no caso.
O governador expressou suas condolências em um comunicado.
“Minnesota avançou no ano passado, aprovando restrições em todo o estado ao uso de mandados de segurança”, disse ele, pedindo “mudanças adicionais nas políticas e práticas policiais em relação à execução de mandados de busca”.
“Mas os eventos que levaram à morte de Amir Locke ilustram a necessidade de mais reformas”, disse o governador.
Em uma entrevista coletiva com o advogado de direitos civis Ben Crump, os pais de Locke disseram que o homem buscava ser uma importante seu figura da indústria da música e que queria ajudar os jovens.
“Uma mãe nunca deveria ver seu filho executado dessa maneira”, disse a mãe de Locke, Karen Wells.
Wells prometeu “lutar todos os dias” para garantir justiça para seu filho. Em uma entrevista coletiva, a mãe pediu que o policial que atirou em Locke fosse demitido e processado.
“Está claro para qualquer um que nenhum dono legal de armas poderia ter sobrevivido a essa situação”, disse o advogado da família, Jeff Storms.
“O departamento de polícia diz que eles anunciaram [sua presença] ao chegar no apartamento… mas todos vocês viram o vídeo, não há nenhum anúncio antes de entrar. Eles invadem antes de se identificarem e não dão tempo para Amir salvar a própria vida”, disse Storms.
O Grupo de Detentores de Armas de Minnesota disse, em comunicado, que a morte de Locke era “completamente evitável”.
“Locke fez o que muitos de nós poderíamos fazer nas mesmas circunstâncias confusas, ele procurou um meio legal de autodefesa enquanto tentava entender o que estava acontecendo”, disse Rob Doar, porta-voz do grupo.
Advogados da família dizem que mandado não tinha nome de Locke
Ativistas comunitários e advogados da família de Locke disseram que o tiro demonstrou o fracasso das reformas que aconteceram depois de mortes anteriores causadas pela polícia.
Em maio de 2020, policiais do Departamento de Polícia de Minneapolis que estiveram envolvidos no assassinato de George Floyd foram demitidos e acusados de sua morte. A indignação nacional motivada pelos assassinatos de Floyd e Breonna Taylor — que foi baleada pela polícia em Kentucky, que cumpria um mandado de segurança — levou a protestos e pedidos de reforma do policiamento.
A morte de Taylor levou outras cidades em todo o país a proibir ou diminuir a possibilidade de entradas forçadas.
À época, Minneapolis anunciou uma nova política de entradas em domicílios, com o objetivo de limitar a “probabilidade de resultados ruins”. As autoridades disseram que os oficiais seriam obrigados a anunciar sua presença e propósito antes de entrar, exceto em certas circunstâncias, como situações em que há reféns.
“A cidade de Minneapolis disse ao público que estava limitando o uso de mandados de segurança para ‘limitar a probabilidade de resultados ruins'”, disse Storms. “Menos de dois anos depois, Amir Locke e sua família sofreram desnecessariamente o pior resultado possível. Nossa cidade tem que fazer melhor”, concluiu.
De acordo com a polícia de Minneapolis, os policiais estavam cumprindo um mandado vinculado a uma investigação de homicídio nas proximidades da cidade St. Paul.
Vídeo em uniforme de policial mostra o momento do disparo
De acordo com o que mostram as imagens da câmera corporal de um policial, depois que a polícia entrou no apartamento, os agentes rapidamente identificaram um homem.
“Mãos! Mãos! Mãos!” um oficial grita enquanto outros gritam “Vá para a p… do chão!” enquanto caminham em direção ao encosto de um sofá, onde um homem é visto enrolado em cobertores às 6h48, de acordo com a filmagem. Um policial chuta o encosto do sofá, parecendo acordar o homem, que olha para cima e vê os policiais ao seu redor.
Ao tentar levantar, ainda enrolado nos cobertores, ele e é visto segurando uma arma. Em seguida três tiros dos policiais podem ser ouvidos.
Uma captura de tela do vídeo mostra a arma com mais clareza.
Com base no pequeno vídeo e na imagem que foi fornecida, a CNN não pode confirmar de forma independente para onde a arma de Locke estava apontando, mas solicitou o vídeo da câmera corporal dos outros policiais envolvidos.
O vídeo foi divulgado em várias velocidades – uma versão em tempo real e outras duas desaceleradas editadas pela cidade. No total, o vídeo registra a ação por 14 segundos.
“À medida que se aproximavam, você pode ver, junto com um indivíduo saindo de debaixo do cobertor, o cano de uma arma, que sai do meio das cobertas”, disse a chefe de polícia de Minneapolis, Amelia Huffman.
“O policial teve que tomar uma decisão em frações de segundo para avaliar as circunstâncias e determinar se ele sentia que havia uma ameaça, se a ameaça era de dano iminente de grande dano corporal ou morte. Ele teve que então tomar uma decisão para proteger a si mesmo e seus parceiros.”
Em um comunicado, as autoridades disseram que “os policiais encontraram um homem armado com uma arma apontada na direção dos agentes”.
O policial da cidade de Minneapolis Mark Hanneman foi o autor do disparo que atingiu Locke. O departamento de polícia disse que uma equipe de paramédicos foi acionada imediatamente depois que os policiais levaram o homem para o saguão .
Segundo a polícia, Locke foi levado para o Centro Médico do Condado de Hennepin, onde teve a morte confirmada.
De acordo com o médico legista do condade, o óbito foi em decorrência de vários ferimentos de bala e a forma da morte é homicídio.
Com diz a política da polícia, Hanneman foi colocado em licença administrativa para aguardar a investigação em andamento. A CNN tentou entrar em contato com o policial e também entrou em contato com a Federação de Polícia de Minneapolis para comentar, mas não recebeu nenhuma resposta.
“O Departamento de Apreensão Criminal de Minnesota foi notificado imediatamente e está liderando a investigação criminal”, disse Huffman na última quarta-feira (2).
Um porta-voz do Departamento de Polícia de St. Paul confirmou à CNN que a investigação de homicídio, motivo do mandado, ainda está em andamento.
De acordo com a polícia, uma arma foi apreendida no apartamento.
O advogado de direitos civis Ben Crump disse em um comunicado: “Locke, que não tinha nenhum histórico criminal, possuía legalmente uma arma de fogo no momento de sua morte”.
“Como o caso de Breonna Taylor, o trágico assassinato de Amir Locke mostra um padrão de mandados de segurança com consequências mortais para os negros americanos”, disse o advogado.