Governo turbulento e sem lei de Trump terminará com 2º impeachment histórico
Momento decisivo para a história dos Estados Unidos será lembrado angustiante e trágico
O dia fatídico no qual a Câmara dos Representantes votará o impeachment do presidente Donald Trump pela segunda vez, a quarta-feira (13), estará entre os momentos decisivos da história dos Estados Unidos, que serão lembrados como dias angustiantes e trágicos por muito tempo.
Uma série de episódios desconcertantes – começando com a recusa de Trump em aceitar sua derrota eleitoral e abrangendo sua incitação a um ataque de uma turba ao Congresso – destruiu antigas suposições sobre a indisponibilidade do governo pelo povo e para o povo. Exceto pela quebra da união antes da Guerra Civil, no século 19, o sistema de freios e contrapesos políticos deste país nunca esteve sob o tipo de pressão imposta por um presidente autocrático desesperado para se agarrar ao poder.
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O senso histórico é ampliado pela crescente evidência de que os Estados Unidos estão lutando pela própria democracia em uma batalha que perdurará depois que Trump deixar o cargo, no mais tardar, na próxima semana. Novos alertas de violência por extremistas pró-Trump em 50 estados e milícias em marcha em direção a Washington estão instigando a sensação mais opressora e ameaçadora desde o 11 de setembro. Mas, desta vez, o perigo para a liberdade dos EUA não vem de um grupo terrorista estrangeiro, mas de norte-americanos radicalizados.
Em uma ruptura com os alinhamentos políticos de todo o mandato de Trump, vários republicanos, entretanto, dizem que se juntarão aos democratas da Câmara no impeachment de Trump. Também há os primeiros indícios de que a base de poder de Trump no Senado, representada pelo líder da maioria republicana, Mitch McConnell, está se desgastando, deixando o presidente mais vulnerável do que nunca na véspera do impeachment.
O único artigo de impeachment que a Câmara deve aprovar na quarta-feira, acusando Trump de crimes e contravenções graves, é condenatório. Sua simples clareza explica por que esse impeachment não é um mero ritual partidário fútil nos últimos dias da presidência mais aberrante da história.
“Donald John Trump, com tal conduta, demonstrou que continuará sendo uma ameaça à segurança nacional, à democracia e à Constituição se for autorizado a permanecer no cargo, e agiu de maneira totalmente incompatível com a autogovernança e o Estado de Direito”, diz o artigo.
É uma marca extraordinária de tempos turbulentos e um mandato sem lei que Trump se tornará o primeiro presidente a sofrer impeachment duas vezes. Apenas 13 meses atrás, a Câmara resolveu que seus abusos de poder mereciam ser destituídos do cargo, mas o Senado o absolveu.
Em uma reviravolta poética, a votação ocorrerá no mesmo plenário do qual os legisladores fugiram há uma semana temendo por suas vidas de uma multidão invasora que busca prejudicar o vice-presidente Mike Pence e a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e impedir a transição de poder para Presidente eleito Joe Biden.
Com o tempo, os eventos desta semana desorientadora tomarão seu lugar ao lado de marcos – incluindo a Declaração da Independência, a abolição da escravidão, Pearl Harbor e o assassinato do presidente John Kennedy – que compõem a narrativa maior dos Estados Unidos. Mas a história é vivida em retrospecto. Os eventos atuais são vividos em toda a sua intensidade alarmante e são assustadores porque ninguém sabe como eles vão terminar. E os nervos do país já estavam à flor da pele há quase um ano em uma pandemia que ocorre uma vez a cada século, que trouxe morte e doenças e aprofundou ainda mais as divisões políticas.
‘Combate armado’
A votação formal de impeachment na Câmara está longe de ser a única reviravolta quase inacreditável antes da posse de Biden, dentro de sete dias.
O horror dos eventos da semana passada e suas graves implicações estão se tornando ainda mais claros à medida que mais detalhes surgem sobre o dia em que um presidente incitou os partidários a atacar outra instância do poder no ato de finalizar sua derrota eleitoral.
A ideia de que a violência (na qual cinco pessoas morreram) foi apenas uma explosão política que saiu do controle foi desmascarada na terça-feira (12) pelo tom sério de uma entrevista coletiva realizada pelo procurador distrital em exercício em Washington.
“Acho que as pessoas ficarão chocadas com alguns dos contatos flagrantes que aconteceram no Capitólio”, disse Michael Sherwin, referindo-se a casos e acusações “surpreendentes”, incluindo sedição e conspiração. Ele disse que alguns dos acusados tinham histórico militar.
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Uma autoridade federal disse que os vídeos e outras informações recebidas pelos investigadores pintam um quadro assustador dos eventos dentro do Capitólio, enquanto a polícia e agentes federais lutavam para salvar legisladores e funcionários.
“O que aconteceu naquele prédio foi um combate armado”, disse.
Parte do endurecimento de opinião entre os legisladores contra Trump pode ser atribuído a comunicados sobre esses eventos e as ameaças pendentes para a posse,
Após ler um comunicado enviado aos senadores sobre a segurança na posse, o senador Chris Van Hollen levantou o espectro de uma “marcha de um milhão de milícias” em Washington.
“Não temos ideia de quantos virão. Precisamos estar preparados”, confessou o democrata de Maryland.
Um aviso para os militares
Em outro momento inacreditável na terça-feira (12), os líderes militares mais antigos dos EUA alertaram que não havia lugar para extremismo em suas fileiras e que os militares devem apoiar e defender a Constituição. A declaração foi notável em si mesma. Mas o fato de a Junta dos Chefes das Forças Armadas terem decidido que ela precisava ser emitida em primeiro lugar foi um dos eventos mais assustadores dos últimos dias.
Em um terremoto político simultâneo, McConnell, que amarrou sua agora destruída maioria republicana ao cavalo de batalha da presidência de Trump, deixou claro que estava feliz com o impeachment do presidente.
O movimento inesperado de McConnell, relatado pela primeira vez pelo jornal “The New York Times”, veio em meio à sua repulsa pelo ataque ao Capitólio por partidários de Trump e na crença de que outro impeachment ajudaria os republicanos a limpar a mancha desta presidência no partido.
McConnell não disse como votaria em um julgamento no Senado. Mas sua mudança mantém aberta a chance remota de que um número suficiente de republicanos possa se juntar a uma maioria de dois terços para garantir a primeira condenação em um impeachment presidencial.
Na Câmara, a deputada do Wyoming Liz Cheney, uma conservadora convicta, anunciou que votaria no impeachment de Trump, consagrando a divisão com seus colegas membros da liderança do Partido Republicano.
“Nunca houve uma traição maior por parte de um presidente dos Estados Unidos a seu cargo e seu juramento à Constituição”, afirmou Cheney.
Dois outros republicanos, os deputados Adam Kinzinger, de Illinois, e John Katko, de Nova York, também disseram que votariam pelo impeachment, com vários de seus colegas do Partido Republicano a seguirem o exemplo em uma votação que ecoará pela história, disseram fontes à CNN.
Em outro fato que exacerbou o sentimento de desenrolar da história em um ritmo vertiginoso, Pence escreveu à Câmara para se recusar formalmente a se juntar ao Gabinete ao invocar a 25ª Emenda para declarar Trump não mais capaz de cumprir os deveres de seu cargo.
“Não acredito que tal curso de ação seja no melhor interesse de nossa nação ou seja consistente com nossa Constituição”, escreveu Pence, após os líderes democratas advertirem que uma intervenção do vice-presidente seria o único passo que poderia adiar a votação de impeachment de quarta-feira.
Trump dá um aviso sinistro
A ação dentro do Capitólio veio no momento em forças de segurança se unem em Washington para garantir a posse de Biden. Já Trump visivelmente evitou uma oportunidade para esfriar as tensões.
Embora tenha dito que jamais tenha desejado a violência, o presidente aproveitou uma viagem ao seu muro de fronteira no Texas na terça-feira para reforçar as falsidades e a linguagem inflamatória que acabou levando ao seu segundo impeachment.
Ele classificou o processo de impeachment como “uma continuação da maior caça às bruxas da história da política” e advertiu que estava “causando uma raiva tremenda” e era “perigoso” para os Estados Unidos em um “momento muito delicado”.
Em comentários mais sinistros, Trump disse que falar em usar a 25ª Emenda para destituí-lo do cargo não representava perigo para ele, mas poderia voltar para assombrar Biden.
“Cuidado com o que deseja”, advertiu o presidente.
Trump também defendeu seus comentários na semana passada em um comício perto da Casa Branca que terminou com sua multidão marchando no Capitólio.
Com apenas sete dias restantes no cargo, a mente do presidente também está se voltando novamente para uma polêmica série de perdões que constituiria mais um abuso de poder.
Jamie Gangel, Pamela Brown e Kara Scannell, da CNN, relataram na terça-feira que o presidente segue discutindo perdões para si mesmo e seus filhos adultos. Uma fonte disse que tal movimento era considerado ainda mais provável desde os eventos da semana passada, embora houvesse preocupação entre alguns assessores e aliados sobre a percepção pública de indultos após a morte de cinco pessoas no motim.
Tal movimento do presidente seria visto nos Estados Unidos e em todo o mundo como mais um insulto à democracia. O dano histórico que Trump já infligiu à reputação do país nesse sentido é incalculável.
As apostas em torno da votação de quarta-feira e o que será uma luta prolongada durante o governo Biden para fortalecer as instituições políticas dos EUA já podem ser vistas em comentários vindos da Rússia autoritária, justamente o adversário norte-americano que interferiu nas eleições de 2016 em uma tentativa de ajudar Trump.
“Após os eventos que ocorreram após as eleições presidenciais, não faz mais sentido referir-se aos Estados Unidos como o exemplo de democracia”, declarou Vyacheslav Volodin, o presidente da Câmara dos Deputados do Parlamento russo e apoiador do presidente Vladimir Putin.
“Estamos prestes a reavaliar os padrões que estão sendo promovidos pelos Estados Unidos da América, que é exportar sua visão de democracia e sistemas políticos para todo o mundo. Aqueles em nosso país que gostam de citar seu exemplo como líderes também terão que reconsiderar seus pontos de vista”.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).