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    Extrema-direita mira direitos das mulheres e pode dominar eleições na Espanha

    Partido Vox pretende usar a crescente influência para bloquear acesso ao aborto, revogar legislação sobre violência de gênero, fechar ministério da igualdade e reverter outros direitos conquistas pelas mulheres espanholas

    Jack Guyda CNN

    O partido Vox, de extrema-direita da Espanha, parece destinado a continuar sua ascensão meteórica nas eleições gerais deste domingo (23) e pretende usar sua crescente influência para reverter décadas de progresso nos direitos das mulheres, bloqueando o acesso ao aborto, revogando a legislação sobre violência de gênero e fechando o Ministério da Igualdade.

    O partido, formado há apenas uma década, pode se tornar um líder político e membro do próximo governo de coalizão da Espanha após a votação, de acordo com pesquisas de opinião.

    Ativistas feministas estão preocupadas com a possibilidade do retrocesso para uma época em que as mulheres espanholas tinham direitos muito limitados, com uma ativista dizendo à CNN que a entrada do Vox no governo nacional significaria “voltar no tempo 40 ou 50 anos de uma só vez”.

    Seguindo uma tendência que está ganhando força em toda a Europa, a Espanha deve balançar para a direita no domingo, após vários anos de governo de esquerda. Uma média das pesquisas de opinião finais compiladas pela Reuters em 17 de julho prevê que o conservador Partido Popular (PP) conquistará cerca de 140 das 350 cadeiras na legislatura e precisará formar uma coalizão para governar.

    Unir-se ao Vox, que deve receber 36 assentos, daria a uma coalizão de direita uma pequena maioria funcional.

    Como chegamos aqui

    O atual primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez, anunciou eleições parlamentares antecipadas depois que a coalizão governista de seu partido Socialista (PSOE) e seus parceiros de esquerda sofreram grandes reveses nas eleições regionais e locais de maio.

    O PP obteve enormes ganhos, derrotando membros da coalizão em exercício em vários governos regionais e municipais importantes, preparando o cenário e o tom para a eleição de domingo.

    Entrar em coalizão com o Vox seria controverso para o PP nominalmente de centro-direita. No entanto, o partido já fechou acordos para governar com o apoio do Vox em várias administrações regionais nos últimos anos, apesar das críticas de que estava ajudando a legitimar políticas de extrema-direita.

    O Vox foi fundado em 2013 e sua popularidade aumentou rapidamente. Em 2018, tornou-se o primeiro partido de extrema-direita a conquistar assentos em um governo regional desde a morte do ditador Francisco Franco em 1975. Em 2019, tornou-se o terceiro maior partido no Congresso Nacional dos Deputados da Espanha.

    As pesquisas indicam que o partido deve ganhar menos assentos nesta votação do que na última eleição, mas se chegar à coalizão governista, marcaria uma nova etapa na ascensão do Vox, passando de partido marginal a força política insurgente.

    Segundo Paloma Román Marugan, professora de ciência política da Universidade Complutense de Madri (UCM), a plataforma do partido se concentra em uma postura linha-dura em relação à imigração ilegal, no desejo de manter a integridade territorial da Espanha diante dos movimentos de independência de regiões como a Catalunha e na oposição ao que chama de ideologia de gênero.

    Primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez / 12/05/2023 REUTERS/Jonathan Ernst

    Promessas eleitorais

    Em seu manifesto, o Vox promete reduzir a autonomia regional, substituir as polícias regionais autônomas – como os Mossos d’Esquadra, na Catalunha – pela Guardia Civil nacional, e impor penas mais duras a estupradores e pedófilos, além de reverter uma lei que garantia a igualdade para pessoas LGBTQ, publicada apenas em março de 2023.

    O manifesto Vox também afirma que trabalhará pela “eliminação de toda a legislação de gênero”. Quer fechar o Ministério da Igualdade, que está sob ataque dos partidos de direita da Espanha desde que foi criado em 2008 para implementar políticas de igualdade de gênero, e que o líder partidário Santiago Abascal afirmou estar cheio de “psicopatas”.

    Em vez disso, o Vox quer substituir isso por um ministério da família, que seria responsável por promover taxas de natalidade mais altas e uma visão “tradicional” estreita da vida familiar.

    Seu manifesto também propõe a revogação de uma série de leis introduzidas nas últimas décadas que visam consagrar os direitos das mulheres, como o acesso ao aborto ou uma melhor proteção contra a violência de gênero. Por exemplo, o Vox quer se livrar da lei de violência de gênero e substituí-la por uma “que proteja todas as possíveis vítimas de violência em um ambiente doméstico”.

    Essa proposta reflete a negação do partido de que existe violência de gênero, disseram ativistas. Enquanto isso, mais de 1.200 mulheres espanholas foram mortas por atuais ou ex-companheiros desde 2003, segundo dados do Ministério da Igualdade. Manifestações pedindo melhor proteção para as mulheres atraíram milhares de pessoas nos últimos anos e os ativistas dizem que a mudança proposta pelo Vox na legislação só colocaria as mulheres em ainda mais perigo.

    Muitos também se perguntam sobre os efeitos de longo prazo do PP, um dos maiores partidos políticos históricos da Espanha, fazendo uma aliança com tal grupo.

    “O PP supostamente não compartilha dessas políticas, mas parece que está optando por sacrificar esses avanços de direitos para chegar ao poder”, disse Román. “É um pouco preocupante para o país que ele (o PP) seja capaz de dizer que para estar no governo está disposto a abrir mão de questões que realmente nem estavam em debate na sociedade espanhola, tínhamos virado essa página”.

    O Vox não respondeu ao pedido de comentário da CNN. O PP respondeu, mas apenas para se referir à CNN as entrevistas dadas pelo líder do partido, Alberto Núñez Feijóo, durante a campanha.

    Manifestante com máscara colorida na Espanha
    Manifestante em protesto com bandeira do arco-íris que representa comunidade LGTBQ, em Barcelona

    “Um confronto muito perigoso na sociedade espanhola”

    Laura Nuño Gómez, cientista política, ativista feminista e professora da Universidade Rei Juan Carlos, em Madri, explica que, embora esse tipo de reação adversa à redistribuição do poder na sociedade possa ser vista em muitos países, a situação na Espanha é agravada pelo ritmo de mudança desde o fim da ditadura de Franco, sob a qual os direitos das mulheres foram severamente limitados.

    Apenas 10 anos após o fim da ditadura, a Espanha ingressou na Comunidade Econômica Europeia, precursora da União Europeia, e teve que fazer mudanças profundas para atender às exigências da organização em termos de igualdade, disse Nuño.

    “À medida que o progresso foi mais rápido, a oposição às políticas de igualdade de gênero também foi mais intensa e animada”, disse ela.

    Essa reação é em parte explicada pela percepção de que essas políticas são desnecessárias, pois as mulheres já alcançaram a igualdade, e em parte devido a uma atitude persistente de que a desigualdade entre homens e mulheres é “parte de uma espécie de ordem natural da sociedade”, disse Nuño.

    “O Vox fala muito sobre ideologia de gênero, mas a verdadeira ideologia de gênero é deles, segundo a qual homens e mulheres são essencialmente diferentes e têm um propósito social diferente”, acrescentou.

    Propaganda do partido de extrema-direita espanhol Vox em Madri, Espanha / 20/5/2023 REUTERS/Violeta Santos Moura/Arquivo

    Se o partido chegasse ao governo, poderia impactar severamente a vida das mulheres espanholas, disse Nuño. “Temo que tentem implantar suas ideias sexistas e, em algumas áreas, como direitos e liberdades sexuais e reprodutivas, haja uma contrarreforma de proporções impensáveis”, disse ela.

    Izaskun Gutiérrez Vecilla, assistente social da Asociación Clara Campoamor, uma ONG feminista que trabalha para defender os direitos das mulheres, disse que se o Vox fizesse parte do governo nacional, isso poderia significar “voltar 40 ou 50 anos de uma vez, quando crimes de violência de gênero eram um assunto privado que deveria ficar a portas fechadas”.

    Vox e Abascal são claros quanto às suas intenções para o país, não deixando dúvidas para Gutiérrez sobre o que está em jogo no domingo. Dois termos resumem as políticas do Vox em relação às mulheres, disse ela: “Negação da violência de gênero e destruição de tudo o que as mulheres deste país conquistaram nas últimas décadas”.

    Embora a escala da influência do Vox em um futuro governo ainda não tenha sido decidida, o partido já mostrou do que é capaz, disse Gutiérrez. Nas administrações locais onde ganhou influência, o Vox conseguiu acabar com iniciativas de igualdade e censurar eventos culturais, disse ela.

    Os ativistas estão profundamente preocupados com o que o sucesso do partido e o resultado da eleição de domingo podem significar para o futuro da Espanha.

    “Pudemos ver que pretendem implementar uma série de políticas reacionárias que trazem mais sexismo, mais homofobia, mais racismo em nosso país, além de um confronto muito perigoso na sociedade espanhola”, disse Gutiérrez.

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