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    Executivos do petróleo presos são moeda de troca em impasse entre EUA e Venezuela

    Grupo chamado "CITGO 6" inclui os cidadãos norte-americanos nascidos na Venezuela Gustavo Cárdenas, José Luis Zambrano, Tomeu Vadell e Alirio José Zambran, assim como José Ángel Pereira, que tem residência permanente nos Estados Unidos

    O grupo chamado CITGO6
    O grupo chamado CITGO6 Governo venezuelano

    Vasco CotovioIsa SoaresTim Listerda CNN*

    A ligação da cela de uma prisão venezuelana para Houston, no Texas, picota e falha.

    Jorge Toledo parece cansado. Ele está preso há quatro anos, após ser condenado por corrupção juntamente com outros cinco ex-executivos da refinaria CITGO, com sede na Venezuela.

    Os sons da vida na prisão ecoam enquanto ele fala com sua esposa, Carmen.

    Hola mi vida. Queria falar um pouco com você”, ele diz.

    Essas ligações são sua única conexão com o mundo exterior e sua família nos Estados Unidos.

    Além de Toledo, o grupo chamado “CITGO 6” inclui os cidadãos norte-americanos nascidos na Venezuela Gustavo Cárdenas, José Luis Zambrano, Tomeu Vadell e Alirio José Zambran, assim como José Ángel Pereira, que tem residência permanente nos Estados Unidos.

    Eles se tornaram peões num confronto de longa data entre os Estados Unidos e o regime venezuelano do presidente Nicolás Maduro, conforme apurou investigação da CNN. Os esforços do governo e da iniciativa privada dos EUA para obter a libertação do grupo deram em nada, e agora eles se encaminham para um quinto ano de prisão.

    A saúde de Toledo foi prejudicada durante esses quatro anos de privação, de acordo com sua família e os advogados.

    “Quando ele saiu daqui, pesava 80 kg, era atleta e corria maratonas, mas chegou a pesar cerca de 55 kg nos primeiros 10 meses. Só a partir daí conseguimos começar a levar comida para ele”, conta seu filho Carlos Añez.

    “A primeira vez que o vi pela câmera, comecei a chorar”, lamenta Añez. “Tem sido muito difícil para todos. Não posso nem imaginar o que ele passou”.

    Foto de Carmen Toledo de seu marido, depois de uma corrida na Alemanha.
    Foto de Carmen Toledo de seu marido, depois de uma corrida na Alemanha / Família Toledo

    O pesadelo da família começou pouco antes do Dia de Ação de Graças em 2017.

    Toledo estava em sua casa em Houston num sábado à noite, quando recebeu uma mensagem urgente convocando-o para uma reunião em Caracas. Um jato particular da CITGO levaria o executivo e seus colegas para a Venezuela.

    O grupo de homens, que ficaria conhecido como “CITGO 6”, voou para Caracas no dia seguinte.

    Toledo mandou uma mensagem de texto para Carmen no terceiro dia de viagem. “Agora estamos indo para a PDVSA [a estatal de petróleo venezuelana] pois nos chamaram para uma nova reunião, e depois voltaremos para os Estados Unidos”.

    Poucas horas depois, todos os seis estavam sob custódia. Em uma coletiva de imprensa transmitida em rede nacional um dia depois, Maduro sugeriu que o destino deles já estava traçado.

    “Essas pessoas nasceram na Venezuela, são venezuelanos, e serão julgados como corruptos, ladrões e traidores da pátria”, afirmou.

    “Fico furioso quando penso neles, são desonestos, e todo o peso da lei deve recair sobre eles”.

    O grupo chamado CITGO6
    O grupo chamado CITGO6 / Governo venezuelano

    A limpeza de Maduro

    O general Manuel Christopher Figuera era membro do círculo de Maduro quando o CITGO 6 foi preso.

    Ele teve uma longa carreira nos serviços de segurança venezuelanos, tendo servido 12 anos sob o antecessor de Maduro, Hugo Chávez, antes de se tornar vice-diretor da contraespionagem militar (conhecida como DGCIM) em 2007, chefe do Centro Estratégico de Segurança e Proteção da Pátria, e depois diretor da agência de inteligência do país, a SEBIN, em 2018.

    O Departamento do Tesouro dos Estados Unidos o impôs sanções a ele em fevereiro de 2019 por fazer parte do aparato de inteligência de Maduro, que alegadamente “suprimiu a democracia, inclusive por meio de tortura”. Mais tarde, porém, ele rompeu com Maduro e apoiou o líder da oposição, Juan Guiadó, em uma tentativa fracassada de derrubar o governo.

    Manuel Christopher Figuera
    Manuel Christopher Figuera foi um dos aliados mais próximos de Maduro até que apoiou uma tentativa de golpe / Governo venezuelano

    Christopher Figuera nega as acusações de ter cometido abusos, mas diz que se sente “culpado” pelo papel que desempenhou dentro do regime. Agora nos Estados Unidos, ele diz que a ordem de prisão do CITGO 6 veio direto de Maduro.

    “O general encarregado da investigação, Ramon Balza Liotta, me consultou sobre alguns assuntos para não cometer excessos”, disse Christopher Figuera à CNN.

    “Eu perguntei a ele várias vezes: onde está o mandado de prisão? Ele me disse que não existia nenhum mandado, que era uma ordem direta de Maduro”.

    Mas por que Maduro iria querer prender seis executivos da lucrativa subsidiária norte-americana da PDVSA, sua estatal de petróleo e indiscutivelmente sua empresa mais importante, e se arriscar a complicar ainda mais as relações com os EUA?

    O oficial militar que os prendeu, general Balza Liotta, disse que as autoridades venezuelanas receberam informações da inteligência dos Estados Unidos sobre supostos desfalques cometidos pelos executivos, segundo transcrições judiciais analisadas pela CNN. Nenhuma prova que sustente essa alegação foi apresentada no julgamento, de acordo com as transcrições e os advogados de defesa.

    O governo também alegou que os seis estavam envolvidos em um projeto ilícito para refinanciar as dívidas da CITGO. O próprio Maduro falou de “uma maneira ilegal, inconstitucional e criminosa de fazer negócios sem a devida autorização das mais altas autoridades da Venezuela”.

    No entanto, documentos obtidos pela CNN mostram que a diretoria da controladora da CITGO autorizou explicitamente as negociações. O então ministro das Relações Exteriores da Venezuela e atual vice-presidente, Delcy Rodriguez, estava entre os signatários dos documentos.

    Todos os membros do CITGO 6 se declararam inocentes das acusações no julgamento a portas fechadas que finalmente começou em agosto de 2020, quase três anos depois de terem sido detidos. Contudo, em 26 de novembro de 2020, cinco dos seis foram condenados a oito anos e dez meses de prisão. Jorge Pereira recebeu uma pena de 13 anos.

    Antigos membros do regime dizem que Maduro precisava de bodes expiatórios, pois a economia da Venezuela entrou em colapso, em uma onda de corrupção e má gestão da PDVSA e da indústria do petróleo. A prisão do grupo CITGO 6, além de outros executivos do petróleo, serviram de alvo para um regime que enfrentava uma escalada de protestos antigoverno em 2017.

    Em 19 de abril de 2017, no maior desses protestos, chamado de ‘a mãe de todas as marchas’, pelo menos três pessoas morreram.

    Maduro estava começando a sentir o peso, disse Christopher Figuera.

    “Havia muita pressão sobre Maduro em 2017”, contou à CNN.

    Os norte-americanos tornaram-se um alvo óbvio para o regime, especialmente depois que o então presidente dos EUA, Donald Trump, aumentou as sanções contra a PDVSA em 2017. A partir de então, a CITGO não conseguiu repatriar grande parte do capital resultante das vendas no mercado norte-americano, isolando a Venezuela de uma fonte essencial de receita.

    Rafael Ramirez, ex-diretor da PDVSA que também serviu como ministro das Relações Exteriores da Venezuela e como enviado especial da ONU, acredita que Maduro sempre se ressentiu por não ter a autoridade de seu antecessor, Chávez, apesar de ser seu herdeiro político escolhido a dedo.

    Maduro estripou a PDVSA de pessoas associadas a Chávez usando alegações de corrupção, destacou Ramirez. “Maduro exonerou ministros, algumas das grandes figuras do ‘chavismo’, e continuou a atacá-los, acusá-los, forçá-los ao exílio. Sua política de choque foi acusá-los de corrupção”, afirmou.

    Na época, o procurador-geral da Venezuela, William Saab, disse: “Eles estão dizendo que tudo isso faz parte de uma disputa interna. Que disputa interna? O nome disso é corrupção, corrupção do pior tipo possível”.

    A CNN entrou em contato com o governo venezuelano, mas não obteve resposta.

    De acordo com a ONG venezuelana Foro Penal, 15 funcionários da CITGO ou PDVSA foram presos por acusações de corrupção sem qualquer investigação real desde 2017. Foi um processo extenso de limpeza que alcançou os mais altos níveis.

    Nelson Martinez, que comandava a PDVSA, foi preso nove dias depois do grupo CITGO 6 e morreu na prisão um ano depois. O ex-ministro do petróleo, Eulogio del Pino, foi preso junto com Martinez. Dias antes de sua prisão, Del Pino havia sido substituído como ministro pelo general Manuel Quevedo, que não tinha experiência anterior nenhuma no setor petrolífero.

    Os CITGO 6 foram vítimas do mesmo processo de limpeza, disse Ramirez, que renunciou a seu cargo no governo uma semana após a prisão do grupo e fugiu para o exílio. “O mandado de prisão e a forma como tudo aconteceu é uma ordem de Maduro para semear o terror, para criar o medo”, afirmou.

    “O governo de Maduro é sustentado por um equilíbrio de forças internas”, explicou Ramirez. “Diante do fracasso de Maduro na gestão da PDVSA, houve pressão dos militares para assumir o controle da indústria”.

    Peões no meio de uma batalha muito maior

    Durante quatro anos, os CITGO 6 foram usados como moeda de troca pelo governo venezuelano, revelou uma investigação da CNN.

    Eles foram transferidos para a prisão domiciliar em dezembro de 2019, mas foram enviados de volta à prisão dois meses depois, depois de Trump receber Guaido, o líder da oposição, na Casa Branca.

    Eles passaram para prisão domiciliar uma segunda vez, em maio de 2021, o que o então ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza, chamou de um “gesto” de boa vontade direcionado ao novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

    Cinco meses depois, eles foram presos novamente, após a extradição do empresário colombiano e suposto coordenador financeiro de Maduro, Alex Saab, para os Estados Unidos.

    O ex-embaixador dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Bill Richardson, tem navegado neste campo minado político para garantir a liberdade dos CITGO 6, agindo, segundo ele próprio, como um intermediário informal entre Caracas e Washington.

    “Parece que eles foram usados como moeda de troca”, disse Richardson, depois de passar mais de um ano negociando com o governo de Maduro. “Eles merecem voltar para casa”.

    “Pelo que sei sobre esses homens, eles são pessoas boas”, acrescentou.

    Richardson acredita que existe uma pequena oportunidade para o governo Biden tentar negociar com o presidente venezuelano. Os EUA e a Venezuela estão em desacordo desde o governo Obama, quando sanções contra alguns integrantes do regime foram implementadas pela primeira vez. Foi a última vez que Washington teve um embaixador fisicamente em Caracas. O relacionamento se deteriorou ainda mais quando Trump implementou sanções contra Maduro e alguns de seus aliados mais próximos.

    “Maduro ficou muito insatisfeito com a política de sanções do governo Trump, então o clima durante minha primeira visita não foi nada bom, embora eu conheça Maduro há algum tempo”, contou Richardson. “Eles não querem mais sanções, querem que elas sejam suspensas”.

    Carmen Toledo e Carlos Añez recebendo uma ligação de Jorge Toledo, um dos CITGO6
    Carmen Toledo e Carlos Añez recebendo uma ligação de Jorge Toledo, um dos CITGO6 / Família Toledo

    A falta de relações diplomáticas oficiais entre os EUA e o regime de Maduro torna o progresso ainda mais difícil.

    “O que tentei convencer o governo de Maduro é de que a diplomacia branda, a diplomacia pessoal e os atos humanitários abrem caminho para o progresso político”, afirmou Richardson.

    “O relacionamento tem sido tão ruim nos últimos quatro a oito anos, que sou eu quem está falando com os homens e com o governo dos Estados Unidos”, acrescentou. “O governo dos EUA também não fala com eles”.

    As famílias de alguns integrantes do CITGO 6 acham que muito mais poderia ser feito, e que o governo Biden os decepcionou. Os próprios executivos presos lamentaram a paralisação das negociações, segundo seus familiares.

    “Foram muitas oportunidades perdidas, e precisamos da ajuda da liderança para entender o que está sendo feito”, disse Cristina Vadell, filha de Tomeu Vadell. “Tem sido uma política ambígua com o governo”.

    “Esse cabo de guerra é lamentável”, disse sua irmã Veronica.

    Añez, filho de Toledo, também está irritado com a falta de progresso.

    “Eles tiveram muito tempo para revisar a política externa, fazer mudanças, mas parece que a política externa e a política são mais importantes do que os norte-americanos para o governo”, comentou.

    “Até eles decidirem colocar as diferenças de lado e falar com o governo venezuelano, meu pai continuará na prisão”.

    O Departamento de Estado dos EUA disse que continua pressionando pela libertação.

    “Continuamos buscando a libertação incondicional de Jorge Toledo, Gustavo Cárdenas, José Pereira, Tomeu Vadell, José Luis Zambrano e Alirio Zambrano da prisão na Venezuela”, afirmou o Departamento de Estado. “Nicolás Maduro tem o poder de libertá-los, assim como a todos os cidadãos norte-americanos detidos injustamente na Venezuela. Pedimos que Maduro permita que eles voltem para suas famílias nos Estados Unidos”.

    A vida confortável e bem-sucedida de Jorge Toledo se transformou em uma luta pela sobrevivência.

    Ele e os outros executivos estão sendo mantidos em celas superlotadas e sem janelas, dizem seus advogados. As autoridades penitenciárias venezuelanas não fornecem quase nada, e são as famílias dos CITGO 6 que entregam comida, água, remédios e outros itens básicos de que precisam.

    Na última ligação, Toledo deixou um recado.

    “Uma coisa que queria pedir é que, no fim de semana, vou precisar de um sabonete”.

    Com colaboração de: Jennifer Hansler

    * (Texto traduzido. Clique aqui para ler o original).