EUA têm dúvida se Putin será influenciado pela opinião pública sobre a guerra
Há mais de duas décadas no poder, Putin reforça controle sobre a mídia, reprime protestos e endurece leis de liberdade de expressão
Autoridades da Inteligência dos Estados Unidos estão céticas de que qualquer mudança na opinião pública russa sobre a guerra na Ucrânia – mesmo que dramática – influencie o presidente russo, Vladimir Putin, a encerrar o conflito, de acordo com várias fontes.
Também foi levantada a dúvida de que a guerra, que muitos estrategistas acreditam ter sido um desastre absoluto para os militares russos, possa levar à remoção de Putin do poder, pelo menos no curto prazo.
Essa avaliação reflete até que ponto as autoridades acreditam que o chefe de Estado consolidou seu controle sobre a Rússia durante suas mais de duas décadas no poder.
Embora as autoridades da Inteligência acreditem que Putin é profundamente sensível a pequenas mudanças na opinião pública, sua capacidade de reprimir protestos e controlar a mídia ainda ajuda a isolá-lo contra qualquer revolta popular significativa – deixando-o livre para prosseguir com a guerra em seus próprios termos.
O presidente russo está intimamente envolvido na gestão cotidiana do conflito, de acordo com três fontes familiarizadas com a Inteligência americana e ocidental, que disseram à CNN que ele participa diretamente da tomada de decisões, o que, que na maioria dos exércitos ocidentais, seria reservado a oficiais de patentes mais baixas.
Uma fonte familiarizada com a Inteligência ocidental pontuou que Putin costuma tomar decisões sobre detalhes, como a localização das linhas de ataque e os objetivos operacionais do dia-a-dia.
“Ele claramente toma suas próprias decisões. Ele não parece confiar muito nem mesmo em especialistas dentro do governo ou do gabinete”, disse um funcionário do alto escalão da Otan. “Então é um pouco difícil imaginar que a opinião popular o influencie tanto”, complementou.
Isso levanta questões sobre a eficácia das sanções ocidentais projetadas, em parte, para tornar a guerra impopular dentro da Rússia, infligindo amplo sofrimento econômico à população.
Os esforços para atingir os oligarcas russos levaram à apreensão de milhões de dólares em ativos, incluindo iates e propriedades de luxo em todo o mundo. Mas, dentro da Rússia, analistas dizem que Putin conseguiu evitar as repercussões econômicas mais imediatas, pelo menos por enquanto.
E embora tenha havido alguma inquietação entre as elites russas que estão sendo pressionadas pelas sanções, fontes avaliam que isso não leva a comunidade de Inteligência a acreditar que o presidente da Rússia será forçado a mudar de rumo – e certamente não o suficiente para removê-lo do poder.
De acordo com uma das fontes informadas sobre a inteligência dos EUA, há uma “ampla gama de opiniões”. “Na minha opinião, estamos muito longe de ele correr o risco de ser removido”, analisou.
Guerra popular na Rússia
A opinião pública russa sobre a guerra continua boa, apesar das pesadas perdas que as forças do país sofreram, de acordo com analistas externos e fontes familiarizadas com a inteligência dos Estados Unidos.
As autoridades são rápidas em notar que a maioria dos russos não compreende totalmente a realidade do conflito, graças ao ambiente de mídia profundamente repressivo dentro da Rússia. Putin endureceu as leis de liberdade de expressão em torno da guerra e efetivamente fechou os poucos veículos de imprensa independentes restantes.
A dissidência pública também foi rapidamente esmagada. Protestos generalizados nos primeiros dias da invasão foram recebidos com prisões em massa. Mesmo que a desaprovação esteja fervendo sob a superfície de pesquisas públicas mais otimistas, o medo de represálias pode manter essa desaprovação enterrada e ineficaz.
“Todos serão contra (a guerra), mas terão medo de fazer qualquer coisa”, disse a Dra. Natalia Savelyeva, socióloga do Centro de Análise de Políticas Europeias especializada no conflito na Ucrânia. Ela complementou que esta é “uma espécie de situação duradoura, estável e horrível”.
Autoridades de inteligência dos EUA estão monitorando intensamente as opiniões públicas sobre o conflito dentro da Rússia, em parte porque acreditam que a percepção de Putin sobre ela pode oferecer pistas sobre o que ele está pensando e de suas futuras tomadas de decisão, de acordo com uma fonte familiarizada com os últimos relatórios.
Mas, outras fontes dizem que se tornou cada vez mais difícil “medir” a opinião pública estando fora do país. Os Estados Unidos não confiam nos levantamentos disponíveis e a repressão do governo à dissidência deixou as agências de inteligência americanas sem uma imagem confiável das atitudes no país – e previsões ainda mais precárias de como essas atitudes podem mudar à medida que as sanções ocidentais começam a impactar a vida comum ou se Putin ordenará uma mobilização em massa em meio a crescentes baixas russas.
Os EUA não têm uma “percepção precisa após a invasão”, disse uma fonte. “A suposição agora é que Putin efetivamente isolou seu povo de informações e repercussões sobre o conflito. Por quanto tempo ele conseguirá fazer isso, ainda não sabemos”, adicionou.
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Soldado ucraniano na linha de frente no Donbass, região leste da Ucrânia. As tropas se preparam para "nova fase" da ofensiva russa na região; veja imagens • Wolfgang Schwan/Anadolu Agency via Getty Images
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De acordo com um especialista ouvido pela CNN, a batalha na região pode desencadear o maior conflito entre tropas desde a Segunda Guerra Mundial • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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“Agora podemos dizer que as forças russas iniciaram a batalha de Donbass, para a qual se prepararam há muito tempo”, disse Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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O exército da Ucrânia está se preparando para um novo ataque russo no lado leste do país desde que Moscou retirou suas forças de perto da capital Kiev e do norte ucraniano no final do mês passado • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, confirmou que Moscou está iniciando uma nova etapa do que chamam “operação militar especial”, e disse ter “certeza que este será um momento muito importante” do conflito. • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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Forças ucranianas disparam míssil GRAD contra tropas russas na região do Donbass, em 10 de abril de 2022 • Wolfgang Schwan/Anadolu Agency via Getty Images
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Soldado ucraniano com veículo de disparo de míssil GRAD contra tropas russas na região do Donbass; há grande expectativa pelo envio de armas por parte de aliados do Ocidente • Wolfgang Schwan/Anadolu Agency via Getty Images
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“Estamos preparados para usar qualquer tipo de equipamento, mas ele precisa ser entregue com muita rapidez. E temos a capacidade de aprender a usar novos equipamentos. Mas precisa ser rápido", disse Zelensky • Wolfgang Schwan/Anadolu Agency via Getty Images
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”A artilharia não chegou, e isso faz com que os ucranianos estejam ainda em condições inferiores nesse combate. Os russos têm apoio por terra, mar — Ucrânia não tem mais marinha — e tem duas pontes sob o Estreito de Kerch que ajudam na logística russa”, disse à CNN o professor do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF e pesquisador de Harvard, Vitelio Brustolin • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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O movimento russo pode também tentar “completar o cerco e tomar Odessa e Kherson”, localizadas no sul ucraniano, o que tiraria o acesso da Ucrânia ao mar. “90% dos países que não têm acesso ao mar são pobres”, observou Brustolin • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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Soldados ucranianos na linha de frente no Donbass em 11 de abril de 2022 • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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Soldados ucranianos na linha de frente no Donbass em 11 de abril de 2022 • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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“É por isso que é muito importante para nós não permitirmos que eles se mantenham firmes, porque esta batalha pode influenciar o curso de toda a guerra”, disse Zelensky sobre a batalha em Donbass • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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Soldados ucranianos na linha de frente no Donbass, leste da Ucrânia, em 12de abril de 2022, disparando um projétil de artilharia • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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Bunker ucraniano em Donbass • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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Soldados ucranianos na linha de frente no Donbass em 11 de abril de 2022 • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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Tanque na linha de frente no Donbass • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
Por enquanto, Putin parece ter sido bem sucedido em empurrar sua realidade alternativa através da mídia estatal, que tem continuado a relatar que a Rússia está lutando contra os nazistas na Ucrânia e que o Ocidente é o culpado pelo conflito.
Mesmo com a expectativa de que as sanções ocidentais reduzam o PIB da Rússia em pelo menos 10% no próximo ano, tanto especialistas externos quanto autoridades familiarizadas com as Inteligências americana e ocidental acreditam que Putin e a guerra são amplamente populares – e provavelmente continuarão assim, em grande parte devido à eficácia com que o presidente tem controlado a cobertura da mídia.
É extremamente improvável que haja uma mudança grande o suficiente nas atitudes domésticas para forjar uma revolta popular, de acordo com uma fonte familiarizada com as informações mais recentes, e apenas um pouco mais provável que as rachaduras no apoio popular a Putin e sua guerra encorajem as elites russas a um golpe.
Putin poderia simplesmente agir para reprimir qualquer oposição que surgisse, dizem essas fontes e analistas externos. O tempo também está do lado de Putin: o presidente russo não enfrenta a reeleição até 2024.
“De qualquer maneira, levaria muito tempo para que essa mudança acontecesse, dada a forma como a cultura de segurança da informação funciona lá”, disse uma fonte familiarizada com a Inteligência ocidental. “E isso não significa que ele não se tornará totalmente comunista – já existem pessoas reportando seus vizinhos.
“Uma cultura de medo pode viver por muito tempo, mesmo que você não seja tão popular”, acrescentou essa pessoa. “E ele é popular”.
Sinais de descontentamento
Apesar da perspectiva sombria, o governo Biden implementou uma série de medidas políticas destinadas, pelo menos em parte, a colocar os cidadãos russos contra a guerra. No início deste mês, a CIA – a agência de Inteligência dos EUA – publicou nas redes sociais instruções sobre como aqueles preocupados com a guerra podem entrar em contato com o órgão de forma segura.
O Departamento de Estado também adotou uma medida para ouvir os russos descontentes: iniciou um canal em russo no Telegram, uma das poucas plataformas de mídia social abertas que permanecem disponíveis para os russos.
Houve alguns sinais de descontentamento dentro da Rússia em diferentes pontos desde o início do conflito, e parece haver uma crescente conscientização, pelo menos nos centros urbanos e entre os russos mais jovens, de que o conflito não está indo muito bem.
Na segunda-feira (16), um ex-oficial do alto escalão russo alertou na televisão estatal que a situação vai piorar, em um raro caso de crítica pública à condução das operações militares da Rússia na Ucrânia – embora, dias depois, ele tenha parecido suavizar as críticas. Dentro da comunidade de Inteligência, há pouco otimismo de que as opiniões russas sobre a guerra estejam mudando.
“O que vemos é que a maioria do povo russo continua apoiando a operação militar especial”, disse o diretor de Inteligência Nacional, Avril Haines, aos legisladores no início deste mês, quando questionado diretamente sobre o impacto das sanções na resistência popular.
“Acho que é muito difícil, francamente, que as informações cheguem à Rússia para o povo. Eles têm uma perspectiva muito particular de que estão sendo alimentados pelo governo durante este período”, completou.
A opinião pública ainda é de “interesse incrível” para a comunidade de Inteligência, de acordo com outra fonte familiarizada com as últimas reportagens, porque as autoridades acreditam que o próprio Putin esteja observando de perto quaisquer rachaduras em seu apoio popular. Observar esse fator pode permitir que os órgãos especializados prevejam os próximos movimentos de Putin, apontou essa pessoa.
O presidente russo – há muito temeroso das chamadas “revoluções coloridas” democráticas – provavelmente será sensível a mudanças em sua popularidade, porque a capacidade de obter apoio esmagador é uma das chaves para manter seu controle do poder.
O sentimento popular pode influenciar a tomada de decisão de Putin de ordenar uma mobilização em massa, por exemplo, mesmo que seja improvável convencê-lo a parar a guerra, dizem analistas.
O diretor da CIA, William Burns, disse na semana passada que o líder russo está determinado a cumprir um senso de destino pessoal ao assumir o controle da Ucrânia por meio de um conflito armado, mas como suas forças continuam a operar abaixo das expectativas, ele provavelmente estará inclinado a ajustar seu pensamento estratégico sem desistir totalmente.
Analisando os cenários de uma Rússia pós-Putin
Uma ordem de mobilização em massa – que funcionários do alto escalão da inteligência dos EUA disseram publicamente que Putin precisaria implementar para alcançar muitos de seus objetivos de guerra – provavelmente também teria um impacto imediato na percepção pública da guerra, observam analistas.
“Só podemos tentar adivinhar”, analisa Savelyeva, do Centro de Análise de Políticas Europeias. “(Mas) isso é uma coisa muito diferente quando você apenas observa a guerra na TV e a apoia, do que quando seu filho ou você tem que ir lutar”, adiciona.
Alguns russos provavelmente também culparão os EUA e o Ocidente pelas sanções, continua Savelyeva, em concordância a outros analistas. Putin preparou a nação insistindo que o Ocidente teria imposto sanções contra a Rússia, independentemente da ação que tomasse na Ucrânia.
Várias autoridades americanas e especialistas externos disseram que a única opinião a que Putin é forçado a ser verdadeiramente receptivo é a opinião da elite de segurança e negócios da Rússia, que ajuda a mantê-lo no poder e a quem ele enriqueceu.
Ainda assim, a comunidade de Inteligência começou a fazer “análises exploratórias sérias” em um esforço para prever como será o fim da era Putin – eventualmente.
“Em muitas maneiras, isso parece que será super bagunçado”, disse essa pessoa.
Por enquanto, o governo Biden adotou uma abordagem de esperar para entender os próximos desdobramentos e, assim, alinhar suas ações.