EUA se preparam para tratar sintomas da Covid-19 que se prolongam por meses
Médicos buscam formas de lidar com o crescente número de pacientes que relatam sintomas relacionados com a Covid-19 meses após a infecção pelo novo coronavírus
Do estado de Washington à Flórida, da Califórnia a Massachusetts, clínicas estão sendo abertas em várias partes dos Estados Unidos para atender ao número crescente de norte-americanos que sofrem de sintomas de Covid-19 muitos meses após o diagnóstico.
Após pouco mais de um ano de pandemia, não está claro quantos pacientes de Covid-19 desenvolvem a chamada “Covid longa” ou “Covid prolongada”.
Um estudo recente, que incluiu principalmente pessoas com apenas casos leves, descobriu que 30% relatavam sintomas até nove meses após contrair o vírus. Outros estudos encontraram uma porcentagem ainda mais alta.
Além disso, quase todos os dias médicos que trabalham com pacientes com o quadro prolongado da doença trazem novas revelações sobre a síndrome, que se manifesta em uma vasta gama de sintomas em pessoas de todas as idades e de todos os estados de saúde pré-Covid.
“Agora percebemos que vai muito além da síndrome pós-viral padrão”, afirmou o médico William Li, fundador da Angiogenesis Foundation, uma organização sem fins lucrativos que pesquisa o papel dos vasos sanguíneos nas doenças.
“Os sintomas podem durar nove meses”, disse Li, que pesquisa a Covid-19 há quase um ano.
Sintomas pós-Covid
Os sintomas relatados pelos pacientes já passam de uma centena. Incluem fadiga, dores de cabeça, confusão mental e perda de memória, problemas gastrointestinais, dores musculares e palpitações cardíacas. Alguns até desenvolveram diabetes.
“Estou muito surpresa com o que acontece diariamente”, disse Dayna McCarthy, que trata os casos de “Covid longa” no hospital Monte Sinai, em Nova York. Ela cita uma longa lista de sintomas, incluindo confusão mental, batimentos cardíacos acelerados e pressão arterial irregular.
O Mount Sinai foi o primeiro hospital no país a abrir uma clínica para os casos desse tipo ao lançar seu Centro de Atendimento Pós-Covid em maio. O centro já atendeu mais de 1,6 mil pacientes – é preciso esperar um mês pelas consultas, porque a demanda é muito alta.
A Clínica Piedmont de Recuperação Pulmonar da Covid-19, inaugurada em novembro em Atlanta, já teve cerca de 600 encaminhamentos, revelou o diretor médico Jermaine Jackson. “Estamos aprendendo mais sobre esse vírus a cada dia”, disse ele. “Costumo dizer que estamos construindo um avião ao mesmo tempo que o pilotamos.”
Não são apenas as pessoas gravemente doentes e internadas com o vírus que continuam sofrendo meses depois de adoecer. Sintomas novos ou prolongados podem ocorrer meses depois, independentemente da gravidade da infecção aguda de SARS-CoV-2”, explicou Alfonso Hernandez-Romieu, do CDC, em um webinário para médicos em janeiro.
Médicos e terapeutas dizem que estão tratando pessoas de todas as idades, incluindo algumas que eram extremamente saudáveis antes de adquirirem a Covid-19, como maratonistas, atletas e treinadores.
Covid prolongada
Um estudo em Wuhan, China – o local do primeiro surto – descobriu que 76% dos pacientes hospitalizados com Covid-19 ainda apresentavam sintomas seis meses após o início dos sintomas.
Os pesquisadores que estudaram pessoas infectadas com o coronavírus por até nove meses (o acompanhamento mais longo até hoje) descobriram que 30% ainda relatavam sintomas.
Uma parcela ainda maior se queixou da piora na qualidade de vida, de acordo com uma prévia da pesquisa publicada na sexta-feira (19). A grande maioria das pessoas pesquisadas (150 em 177) tinha doença “leve” e não havia sido hospitalizada.
Qualquer que seja a porcentagem definitiva no longo prazo, o grande número de pacientes de Covid longa pode significar uma segunda crise de saúde, segundo especialistas.
Com mais de 110 milhões de casos em todo o mundo (mais de 28 milhões deles nos Estados Unidos e mais de 10 milhões no Brasil), “esta pode ser considerada uma segunda pandemia, decorrente da primeira crise”, disse Li.
Os pesquisadores no estudo de acompanhamento de nove meses escreveram que “mesmo uma pequena incidência de deficiência de longo prazo pode ter enormes consequências na saúde e na economia”.
Tratando os sintomas pós-Covid
Ainda não há um tratamento específico para a Covid prolongada.
Por enquanto, os médicos se limitam a tratar cada sintoma da longa lista relatada pelos pacientes. Os diagnósticos correspondem aos sinais apresentados, como encefalomielite miálgica ou Síndrome da Fadiga Crônica, para uma das doenças mais comuns.
A clínica de Atlanta encaminha pacientes que apresentam sintomas fora de sua especialidade para outros especialistas, afirmou o médico Jermaine Jackson, que é pneumologista. É “um processo evolutivo”, afirmou.
Pelo menos os médicos agora sabem que a Covid longa é uma coisa real. A paciente Janet Kilkenny, por exemplo, conta que alguns médicos simplesmente descartaram seus sintomas no início, por não acreditarem no que ela dizia nos primeiros meses da pandemia.
Kilkenny, 62, trabalhava como terapeuta ocupacional em uma casa de repouso quando contraiu o vírus em abril.
Embora não tenha sido internada, ela foi acometida por falta de ar meses depois, o que a deixou incapaz de trabalhar uma semana inteira. “Eu tirava folga pelo menos um dia por semana e chorava ao chegar do trabalho nos outros dias”, lembrou.
Exames em junho mostraram que Kilkenny tinha pulmões com cicatrizes que estavam parcialmente colapsadas. Um cardiologista encontrou fluido em torno de seu coração. Em julho, ela saiu de licença por invalidez de curto prazo. Desde então, não trabalhou mais. Ela e o marido venderam a casa e foram morar com a filha.
Os centros de controle e prevenção de doenças (CDCs, na sigla em inglês) dos Estados Unidos realizaram no mês passado um webinário para ajudar os médicos a identificar os sinais da Covid-19 de longa duração e aprender como esses pacientes estão sendo tratados.
Suporte para Covid longa
Alguns pacientes dizem que os centros de atendimento para Covid longa, assim como os médicos que consultaram, não foram realmente benéficos.
“Na maioria das vezes, clínicos gerais, cardiologistas, neurologistas e até clínicas de recuperação instaladas em grandes centros médicos não foram úteis para mim. Só ajudaram a descartar danos a alguns órgãos”, disse Christine Jamieson à CNN em um e-mail. Ela foi diagnosticada com Covid-19 no final de junho.
“Oito meses depois, ainda não consigo voltar ao trabalho, porque sinto um grande cansaço”, lamentou Jamieson. “Tenho mais de 30 sintomas em vários sistemas do corpo que tornam a vida diária quase impossível. Eu já passei por mais de 20 médicos, fiz centenas de testes de laboratório e tentei mais de 50 medicamentos”, disse.
Jamieson reconhece que, apesar de tudo, tem a sorte de ter os recursos para ser tratada por um dos poucos especialistas de Síndrome de Fadiga Crônica nos Estados Unidos.
“Eu também estou vendo um fonoaudiólogo incrível que me ajuda a navegar pela vida com meus desafios cognitivos”, contou, referindo-se a uma sequela comum em pacientes de Covid-19 que o terapeuta comparou a pacientes com concussão.
Jamieson e outros também encontraram ajuda e apoio por meio de grupos online, como o Survivor Corps, fundado por Diana Berrent, que afirma ter contraído o vírus em março. O grupo agora tem mais de 150 mil membros.
A própria Berrent sofreu de Covid-19 por muito tempo, tendo uma “recaída sintomática completa durante o verão”, e foi ao Centro de Atendimento para Covid do Monte Sinai, a gastroenterologistas e “todos os tipos de neurologistas” por causa de terríveis dores de cabeça e profundas dores no ouvido interno.
Para o doutor Li, grupos como o Survivor Corps não são benéficos apenas para casos de longa duração, mas também para pesquisadores e médicos que ouvem seus membros.
Li conheceu Berrent quando os dois participaram do programa Cuomo Prime Time, da CNN americana, e começaram a trocar experiências. Berrent contou a ele que o Survivor Corps estava compartilhando a pesquisa que estavam fazendo. Então, Li ingressou no conselho consultivo médico do Survivor Corps para entender melhor a situação dos pacientes.
“Pela primeira vez na história da medicina, os pacientes estão trazendo seus sintomas de uma nova doença aos médicos para ensiná-los o que realmente acontece com essa nova moléstia”, disse Li. “Isso é muito importante, porque os pacientes podem se reunir e apresentar suas descobertas aos médicos”.
Nadia Kounang, da CNN, e o Dr. Sanjay Gupta contribuíram para esta reportagem.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).