EUA: o que o gabinete diverso de Biden significa para um país dividido
50% dos indicados para cargos de gabinete e cargos em nível de gabinete são pessoas não brancas
Quando o presidente eleito Joe Biden tomar posse em 20 de janeiro, herdará uma nação dividida.
Os norte-americanos estão exigindo que os líderes tomem uma atitude em relação às forças da supremacia branca que motivaram uma multidão a invadir o Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro – os invasores se recusavam a aceitar a derrota do presidente Donald Trump. Além disso, as pessoas não brancas, apesar de seu crescente poder político, estão entre as comunidades mais atingidas pela pandemia da Covid-19 e outras disparidades.
Biden alcançou um feito histórico que os observadores esperam que ajude a iniciar o processo de reparação de um país destruído. O presidente eleito tem o gabinete presidencial mais racialmente diverso da história dos Estados Unidos. Uma análise da CNN apontou que 50% dos indicados para cargos de gabinete e cargos em nível de gabinete são pessoas não brancas. Os cargos incluem a vice-presidente eleita Kamala Harris, que será a primeira pessoa negra e do sul da Ásia e a primeira mulher a ocupar o cargo. O ex-presidente Barack Obama estabeleceu o recorde anterior de diversidade com um gabinete de 42% de não brancos.
Os líderes dos direitos civis elogiaram Biden por manter sua promessa de criar um Gabinete que reflita melhor as mudanças demográficas do país. No entanto, este é apenas o primeiro passo e eles estão cautelosamente otimistas.
Espera-se que o governo Biden promova políticas que levem a mudanças substanciais para as comunidades diversas. O Gabinete será julgado sobre
sua capacidade de acabar com a pandemia de Covid-19 e garantir o acesso à vacina para comunidades carentes, apoiar a legislação de direitos de voto, reviver a economia, promover uma reforma policial que aborde o fato de que os negros são mortos pela polícia em taxas mais altas, e reverter as políticas antiimigração de Trump. Ativistas de direitos civis também procurarão Biden para considerar pessoas não brancas para outros cargos no Gabinete, bem como juízes e procuradores no país.
“Acreditamos que as nomeações para o Gabinete de Biden são apenas o ponto de partida para uma lista de demandas que os negros e outras pessoas não brancas têm”, disse Arisha Hatch, vice-presidente da Color of Change. “Para nós, a diversidade é apenas uma aposta na mesa. É o básico que precisa acontecer”.
Diversidade em um “novo nível”
Biden irá mudar a maré de um governo, o de Trump, com maioria de homens e brancos e apenas 16% de pessoas não brancas. Trump recebeu críticas pela falta de diversidade em seu gabinete e sua incapacidade de abordar questões de interesse para as comunidades diversas. Durante sua presidência, ele usou retórica ofensiva para atingir muçulmanos, mexicanos, refugiados sírios, africanos, congressistas negros e atletas negros protestando contra a desigualdade racial.
Durante uma audiência de impeachment para Trump na quarta-feira (13), a deputada Cori Bush, uma democrata caloura do Missouri, chamou Trump de supremacista branco.
“Se não conseguirmos remover um presidente supremacista branco que incitou uma insurreição da supremacia branca, comunidades como o Primeiro Distrito do Missouri sofrerão mais”, disse Bush durante seu discurso. “O 117º Congresso deve entender que temos um mandato para legislar em defesa da vida dos negros. O primeiro passo nesse processo é erradicar a supremacia branca, começando com o impeachment do supremacista branco-chefe”.
Um estudo de 2019 pelo Pew Research Center descobriu que 56% dos norte-americanos acreditam que Trump piorou as relações raciais nos Estados Unidos.
O país experimentou uma avaliação do racismo no meio do ano passado, quando protestos em massa eclodiram após as mortes por policiais de George Floyd, Breonna Taylor e outros negros no país. A Covid-19 exacerbou as disparidades de saúde já existentes, pois pessoas não brancas morreram pelo vírus em taxas mais altas do que pessoas brancas.
A desigualdade agora se tornou um foco central para este país e muitos defensores da justiça social estão procurando por Biden para corrigir os erros do governo Trump.
Em dezembro, legisladores e grupos de direitos civis pressionaram Biden a nomear candidatos negros, latinos e asiáticos para seu gabinete, citando o alerta do país sobre raça e justiça.
Douglas Brinkley, historiador presidencial da CNN, disse que o gabinete diversificado de Biden está levando a Casa Branca a um “novo nível” que os presidentes anteriores não foram capazes de alcançar.
Segundo Brinkley, o ex-presidente Bill Clinton, tentou criar um Gabinete diversificado ao escolher quatro chefes de departamento negros e dois hispânicos.
Ainda assim, Clinton foi criticado por aprovar a Lei do Crime de 1994, que fortaleceu as forças policiais em todo o país, forneceu dinheiro federal para novos policiais e prisões e ordenou sentenças de prisão perpétua para reincidentes. Os críticos dizem que o projeto de lei levou ao encarceramento em massa de negros. Autor do projeto, Biden defendeu alguns aspectos da lei ao mesmo tempo, chamando isso de “erro” e culpando seus impactos negativos sobre os governos estaduais.
Brinkley disse que Biden e seu gabinete têm a oportunidade de refutar os críticos que dizem que os democratas dependem dos eleitores não brancos, mas não atendem às suas expectativas.
“Isso está acontecendo em um momento em que o Partido Republicano parece estar se rendendo ao fato de ser o partido apenas dos norte-americanos brancos”, disse Brinkley. “Há um sentimento de que está
havendo um último suspiro de privilégio masculino particularmente branco, e Biden está tentando quebrar essa impressão dos Estados Unidos, certificando-se de que seu ministério é muito diversificado e isso deve ser aplaudido”.
Fracasso com asiático-americanos
Embora os líderes negros e latinos digam que estão satisfeitos com as escolhas do gabinete, Biden não atendeu às expectativas da Bancada Asiática-Pacífico-Americana do Congresso, que pediu representação de alto nível no gabinete.
Os asiático-americanos são o grupo racial que mais cresce no país e representam 6% da população dos Estados Unidos.
Biden indicou dois asiáticos para cargos de nível de gabinete. Neera Tanden será a Diretora do Escritório de Gestão e Orçamento e Katherine Tai foi nomeada Representante Comercial dos EUA. Ambas serão as primeiras mulheres asiático-americanas em seus papéis. A presidente da bancada Asiática-Pacífico Americana do Congresso e deputada pela Califórnia Judy Chu chamou de “incrivelmente desanimador” que um asiático-americano de origem das ilhas do Pacífico não tenha sido selecionado para um cargo de secretário de gabinete pela primeira vez desde 2000.
“Apesar da diversidade entre essas seleções de Gabinetes, estamos profundamente desapontados com a decisão de excluir AAPIs [sigla para asiático-pacífico americano] 15 cargos de Secretário de Gabinete que supervisionam os departamentos executivos do nosso governo”, afirmou Chu. “A omissão flagrante de um Secretário de Gabinete AAPI no autodeclarado ‘Gabinete mais diverso da história’ não nos agradou e envia uma mensagem desmoralizante ao grupo racial e bloco eleitoral de crescimento mais rápido de nossa nação, a mensagem de que os AAPIs não precisam ser contadas como da mesma forma que outros grupos importantes do eleitorado”.
De acordo com pesquisas de boca de urna da CNN, Biden teve apoio de 61% dos asiático-americanos. Biden prometeu atender às preocupações de AAPIs, incluindo nomeações como juízes e autoridades federais, protegendo o Affordable Care Act (também conhecido como Obamacare) para mitigar suas barreiras ao acesso à saúde, lutando contra o aumento de crimes de ódio contra sua comunidade e rescindindo a proibição muçulmana de Trump.
É só o primeiro passo
Em dezembro, Biden se reuniu com vários líderes negros dos direitos civis que pressionaram o presidente eleito a contratar pessoas negras para cargos de alto escalão no Gabinete e não apenas para cargos de segundo escalão.
Muitos queriam que Biden escolhesse um procurador-geral negro que reprimisse a violência policial na comunidade negra e os direitos de voto. Biden escolheu o juiz Merrick Garland para o papel.
Os negros representam 12% da população dos Estados Unidos e enfrentaram opressão desde a escravidão e a era das leis segregacionistas conhecidas como Jim Crow. Os negros também têm três vezes mais probabilidade de serem mortos pela polícia do que os brancos, segundo a Escola de Saúde Pública T.H. Chan de Harvard.
Biden acabou escolhendo cinco negros para seu gabinete, incluindo o novo secretário de Defesa Lloyd Austin, que será o primeiro negro a liderar o Pentágono, e a deputada de Ohio Marcia Fudge, que foi nomeada secretária do Habitação e Desenvolvimento Urbano (HUD). Outros indicados negros incluem o novo diretor-geral da Agência de Proteção Ambiental (EPA), Michael Regan, que será o primeiro negro a chefiar o departamento; Cecilia Rouse, próxima presidente do Conselho de Consultores Econômicos e a primeira pessoa negra a ocupar o cargo; e Linda Thomas-Greenfield, a embaixadora do país na ONU.
Marc Morial, presidente da Liga Urbana Nacional, estava entre os líderes dos direitos civis que se reuniram com Biden e disse que o presidente eleito alcançou um “marco” com este ministério diverso.
Morial disse acreditar que a busca pela diversidade foi crucial para garantir que Biden cumprisse sua palavra.
Agora, o presidente eleito será encarregado de priorizar o acesso equitativo à vacina para Covid-19, a igualdade econômica e o maior financiamento para negócios de propriedade de negros, direitos de voto e outras questões que afetam a comunidade, segundo Morial.
“Ele conseguiu chegar à primeira base com sucesso”, disse Morial, fazendo uma referência à primeira base do beisebol. “Acho que, para as pessoas que têm a mente aberta e justa, a verdade é que a maneira como as pessoas se sentem vai depender muito de como o Gabinete de Biden desempenhar seu papel”.
Biden ganha com latinos
Os líderes latinos também elogiaram Biden por suas escolhas no Gabinete. Com 18% da população, latinos são a maior minoria da população do país.
Biden selecionou quatro latinos para seu gabinete e três são secretários de gabinete. Os indicados incluem Xavier Becerra, para Secretário de Saúde e Serviços Humanos; Miguel Cardona para o Secretário de Educação, Alejandro Mayorkas para o Secretário de Segurança Interna; e Isabel Guzman, que será a Administradora de Pequenos Negócios. Becerra e Mayorkas serão os primeiros latinos a liderar seus departamentos.
Na semana passada, os chefes da UnidosUs, da Federação Hispânica e de outros grupos nacionais se reuniram com Biden, Harris e seus indicados hispânicos para o Gabinete para discutir seus desafios. Entre as questões abordadas estão o peso devastador que a Covid-19 tem causado sobre os latino-americanos, o acesso à saúde, imigração e empregos.
“O presidente eleito sabe que nosso pessoal está sofrendo”, disse Janet Murguía, presidente e CEO da UnidosUS. “Ele quer abordar o impacto econômico e de saúde na comunidade latina e entende a necessidade de tratar a desigualdade sistêmica, colocando a equidade no centro de sua resposta econômica e de saúde. Parece um novo dia, uma grande mudança”.
Eric Rodriguez, vice-presidente sênior da UnidosUS, disse que espera que Biden desfaça as políticas antiimigração do governo Trump, que ele chamou de “cruéis, sem coração e sem coragem”.
Rodriguez disse que ter um gabinete diversificado ajudará Biden a ganhar a confiança das pessoas não brancas.
“Ter essa experiência cultural e histórica é muito importante para se comunicar e obter informações dessas comunidades”, opinou Rodriguez.
Nativos comemoram compromisso Biden também foi elogiado pelos nativos americanos ao nomear Deb Haaland para secretária do Interior, o que a tornará a primeira nativa americana a liderar uma agência do Gabinete.
Crystal Echo Hawk, diretora executiva da IllumiNative, disse que agora quer ver o Gabinete de Biden aumentar o financiamento para o alívio da Covid-19 nas comunidades indígenas do país e garantir o acesso à vacina. Segundo ela, os indígenas adoeceram ou morreram de Covid-19 em altas taxas por causa do “subfinanciamento deliberado e de longo prazo” de seus sistemas de saúde.
Os nativos americanos também estão pedindo a Biden para desfazer as repetidas tentativas do governo Trump de minar a soberania tribal sobre suas terras e locais sagrados, suspender a decisão de Trump de arrendar direitos de perfuração no Refúgio Nacional da Vida Selvagem do Ártico e reconstruir a relação entre os líderes tribais e o governo federal governo, disse Echo Hawk.
“Estamos empolgados ao ver esses avanços em direção a uma representação política que se parece com os Estados Unidos e os eleitorados aos quais o Gabinete serve”, afirmou a diretora. “No entanto, isso deve ser acompanhado por políticas que transformem os sistemas de poder que isolaram as comunidades indígenas, negras, latinas e outras comunidades não brancas por gerações”.
(Texto traduzido, leia o original em inglês)