EUA enfrentam obstáculos sobre futuro das negociações de cessar-fogo em Gaza
Governo americano pressiona Israel e Hamas para aceitarem acordo sobre fim do conflito
A administração do presidente norte-americano Joe Biden está enfrentando grandes obstáculos nas negociações de cessar-fogo em Gaza, gerando dúvidas na Casa Branca sobre se a guerra entre Israel e Hamas pode chegar ao fim antes do mandato de Joe Biden terminar, de acordo com o que autoridades disseram à CNN.
Embora Biden e seus principais assessores tenham expressado, constantemente, esperança de que possam fechar um acordo, complicações significativas mudaram o clima nos últimos dias.
As autoridades norte-americanas dizem estar cada vez mais céticas quanto à possibilidade do Hamas e o líder do grupo, Yahya Sinwar, aceitarem um acordo. Funcionários acusaram o grupo de tornar as negociações mais difíceis após a morte de seis reféns no último final de semana em Gaza.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, pôs fim à esperança dos EUA, embora funcionários da administração de Biden estejam evitando criticá-lo. Netanyahu disse esta semana, sem rodeios, que um acordo não está fechado e defende uma presença permanente de Israel no sudoeste de Gaza, apesar dos apelos internacionais, incluindo dos EUA, para que Israel, com o tempo, se retire totalmente do enclave.
Protestos contra o governo de Netanyahu, por não ter conseguido garantir um acordo que traria de volta para casa os mais de 100 reféns mantidos pelo Hamas, aumentaram em Israel.
As autoridades norte-americanas, por enquanto, insistem que a maior parte da culpa pelo impasse é do Hamas. Eles podem simplesmente “nunca querer um acordo”, disse um alto funcionário do governo à CNN, refletindo as preocupações levantadas tanto em público como em privado pelos EUA sobre o interesse de Sinwar em chegar a um “sim” no cessar-fogo e nas negociações sobre reféns.
Questionado sobre se uma maior pressão sobre Netanyahu ajudaria a fechar um acordo, outro alto funcionário da administração respondeu que “o presidente escolheu a sua própria forma de negociar com o premiê”.
Quanto a reter armas ou usar outra influência que os EUA têm sobre Israel, “não está claro que isso mudaria o comportamento de um governo que inclui pessoas como [o ministro da extrema direita Itamar] Ben-Gvir”, acrescentou o funcionário.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse na quinta-feira (5) que “cabe a ambas as partes (Israel e Hamas) chegar a um sim” nas “questões restantes”.
Se um acordo de cessar-fogo não se concretizar nos próximos meses, isso marcaria uma enorme falha da política externa de Biden, que gastou uma enorme quantidade de tempo, esforço e capital político durante o último ano pressionando pelo fim do conflito. O foco do presidente na política externa – e no conflito em Gaza, especificamente – redobrou nas últimas semanas, após a decisão de encerrar sua campanha de reeleição, de acordo com fontes.
Biden está ‘obcecado’ com o assunto
Assessores disseram que Biden tem tido mais tempo livre para fazer ligações relacionadas ao conflito da região do que teria se estivesse fazendo campanha em estados decisivos. Ele conversou com os líderes do Egito e do Catar nas últimas semanas, enquanto tenta fechar um acordo.
Um importante democrata próximo à Casa Branca descreveu Biden como “obcecado” com a questão ultimamente.
Mas a notícia dos corpos de seis reféns, incluindo o americano-israelense Hersh Goldberg-Polin, assassinados pelo Hamas em Gaza, recuperados por militares israelenses no último final de semana, provocaram alarmes em toda a administração sobre a vontade de Sinwar de se envolver em discussões de cessar-fogo.
“Isso trouxe um sentido de urgência ao processo, mas também pôs em questão a prontidão do Hamas para fazer qualquer tipo de acordo”, disse um alto funcionário da administração.
Embora alguns funcionários norte-americanos tenham começado a questionar até que ponto o Hamas está interessado em um acordo, também existem dúvidas crescentes sobre a vontade do próprio Netanyahu de fechar um acordo que potencialmente enfraqueceria o seu controle na região.
Esta semana, Netanyahu realizou duas coletivas de imprensa para defender que as forças de Israel devem permanecer, a longo prazo, ao longo da fronteira entre o Egito e Gaza, local conhecido como Corredor Filadélfia, com o objetivo de evitar o contrabando pelo Hamas e outros grupos militantes.
A insistência de Netanyahu contradiz o acordo de cessar-fogo que a administração americana disse que Israel tinha assinado e que previa uma retirada inicial das Forças de Defesa de Israel da fronteira em uma primeira fase e, depois, completamente de Gaza em uma segunda fase.
“Na minha opinião, quanto menos for dito sobre questões específicas, melhor”, disse um funcionário do governo aos repórteres na quarta-feira (4), em resposta à coletiva de imprensa de Netanyahu. “Estabelecer posições concretas no meio de uma negociação nem sempre é útil”.
Assassinato de Haniyeh surpreendeu autoridades de Biden
As autoridades americanas ficaram chocadas ao saber do assassinato do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, em julho, em Teerã. Biden e sua equipe temiam que a morte de Haniyeh pudesse prejudicar o cessar-fogo e as negociações sobre reféns em um momento em que pareciam estar se aproximando de uma conclusão. Haniyeh foi um dos principais negociadores do Hamas.
Uma semana antes, Biden e Netanyahu reuniram-se no Salão Oval, onde o assassinato não foi mencionado. Netanyahu insistiu ao presidente americano que estava falando sério sobre a realização de um acordo de cessar-fogo, após Biden ressaltar – em alguns momentos levantando a voz – a necessidade de que um acordo fosse alcançado em um prazo de semanas.
Após a morte de Haniyeh, Biden teve um telefonema acalorado com Netanyahu para insistir, mais uma vez, que um acordo fosse fechado. O primeiro-ministro disse a Biden que não estava impedindo um acordo de cessar-fogo e argumentou que a morte de Haniyeh poderia resultar em mais pressão sobre o Hamas e em uma resolução mais rápida para as negociações.
“Tive uma reunião muito direta com o primeiro-ministro hoje – muito direta”, disse Biden a repórteres horas depois da ligação. “Temos a base para um cessar-fogo. Ele deveria seguir em frente e eles também, agora”.
Em última análise, não foi isso que aconteceu, e os acontecimentos recentes expuseram mais uma vez a falta de comunicação entre as autoridades americanas e israelenses no que diz respeito ao estado das negociações.
“É difícil explicar por que, após três meses de negociações, o governo ainda acredita que manter a ficção que Netanyahu concordou [com a estrutura do acordo] torna mais provável que ele eventualmente concorde”, disse um ex-funcionário do governo que acrescentou que a Casa Branca está “isolando Netanyahu das críticas”.
Após a recuperação dos corpos dos seis reféns no último fim de semana, Biden afirmou que as partes estavam “à beira” de um acordo. Dias depois, um alto funcionário da administração argumentou que a maioria dos detalhes de um acordo de cessar-fogo – “90%” – tinha sido concordada pelas duas partes.
Mas Netanyahu foi rápido ao rejeitar categoricamente essa avaliação, dizendo em uma entrevista que “não há um acordo em curso”.
“Infelizmente, não está perto”, declarou.
O alto funcionário americano disse que dos 18 parágrafos do acordo, 14 foram concluídos e fechados. As “disputas” que permanecem, continuou, são sobre para onde as tropas israelenses se deslocarão e sobre os 800 prisioneiros palestinos – que se espera que sejam libertados na primeira fase.
“Fora isso”, acrescentou o funcionário, “é isso”.
De Londres neste sábado (7), o diretor da CIA, Bill Burns, reconheceu as dificuldades em finalizar um acordo.
“Não posso sentar aqui hoje com todos vocês e dizer que teremos sucesso nisso. Não posso dizer o quão próximos estamos agora”, afirmou. “É fato que, se você olhar o texto escrito, 90% dos parágrafos foram acertados, mas, em qualquer negociação em que estive envolvido, os últimos 10% são os últimos 10% por um motivo – porque são a parte mais difícil de realizar”.
A pressão sobre Netanyahu também cresceu por parte dos militares e da defesa, depois de quase um ano de guerra em Gaza; a defesa contra ataques de outras frentes sobrecarregou os militares israelenses.
“Eu sei que o Ministério da Defesa e as FDI querem que a guerra acabe. Eles precisam descansar e se reabilitar, caso aconteça uma guerra no norte [com o Hezbollah]”, disse um outro alto funcionário do governo.
Pressionado várias vezes sobre o abismo de mensagens entre os EUA e Israel, o porta-voz de segurança nacional da Casa Branca, John Kirby, insistiu que os EUA continuam “pragmáticos” sobre o estado das conversas.
“Só vou discordar da ideia de que, de alguma forma, estamos enganando vocês ou sendo excessivamente otimistas”, disse Kirby. “Estamos sendo pragmáticos em relação a isso e acreditamos que fizemos um imenso progresso nos últimos meses em termos de implementação da estrutura do acordo, mas nada será negociado até que tudo seja negociado”.
Por sua vez, Biden continua esperançoso de um acordo, apesar das negociações meticulosas. Questionado pela CNN na segunda-feira (2) sobre como o novo acordo que está sendo finalizado seria diferente de outras propostas fracassadas, Biden respondeu apenas que “a esperança é eterna”.
Quase toda a população de Gaza foi deslocada em meio à nova ofensiva israelense