Estudantes estrangeiros que fogem da Ucrânia enfrentam racismo e segregação
Estudante de medicina comentou à CNN que os ucranianos foram priorizados sobre os africanos
À medida que a invasão russa da Ucrânia continua, estudantes estrangeiros que tentam deixar o país dizem que estão sofrendo racismo por parte das forças de segurança ucranianas e funcionários da fronteira.
Uma estudante de medicina africana disse à CNN que ela e outros estrangeiros foram obrigados a descer do ônibus de transporte público em um posto de controle entre a fronteira da Ucrânia e da Polônia.
Eles foram orientados a ficar de lado enquanto o ônibus partia com apenas cidadãos ucranianos a bordo, afirma ela.
Rachel Onyegbule, outra estudante nigeriana do primeiro ano de medicina em Lviv, ficou presa na cidade fronteiriça de Shehyni, a cerca de 643,7 quilômetros da capital da Ucrânia, Kiev.
Ela disse à CNN: “chegaram mais de 10 ônibus e estávamos vendo todo mundo sair. Pensamos que depois que eles levassem todos os ucranianos eles nos levariam, mas eles nos disseram que tínhamos que caminhar, que não havia mais ônibus e nos disseram para caminhar”.
“Meu corpo estava dormente de frio e não dormimos há cerca de 4 dias. Os ucranianos foram priorizados sobre os africanos – homens e mulheres – em todos os pontos. Não há necessidade de perguntarmos por quê. Sabemos por quê. Eu só quero chegar em casa”, afirmou Onyegbule, enquanto esperava na fila na fronteira para atravessar para a Polônia.
Ela carimbou seu documento de saída na segunda-feira de manhã, por volta das 4h30, horário local.
Alegações de violência
Saakshi Ijantkar, estudante de medicina do quarto ano da Índia, também compartilhou seu incômodo com a CNN na segunda-feira por telefone de Lviv, oeste da Ucrânia.
“Há três postos de controle que precisamos passar para chegar à fronteira. Muitas pessoas estão presas lá. Eles não permitem que os índios passem.
A CNN não conseguiu confirmar as identidades ou afiliações das pessoas que operavam os postos de controle, mas Ijantkar disse que todos usavam uniformes.
“Eles permitiram 30 indianos somente depois que 500 ucranianos entraram. Para chegar a esta fronteira é preciso caminhar de 4 a 5 quilômetros do primeiro posto de controle ao segundo. Os ucranianos recebem táxis e ônibus para viajar, todas as outras nacionalidades têm que caminhar. Eles eram muito racistas com os índios e outras nacionalidades'”, disse o jovem de 22 anos de Mumbai.
Ela acrescentou que testemunhou a violência dos guardas aos estudantes que esperavam no lado ucraniano da fronteira Shehyni-Medika. Homens ucranianos com idade entre 18 e 60 anos não podem mais deixar o país, mas esse decreto não se estende a homens estrangeiros.
Ijantkar diz que viu homens indianos serem deixados em filas por longas horas junto com outras nacionalidades não ucranianas.
“Eles foram muito cruéis. O segundo posto de controle foi o pior. Quando eles abriram o portão para você atravessar a fronteira ucraniana, você fica entre a Ucrânia e a Polônia, o exército ucraniano não permite que homens e meninos indianos atravessem… só permitiam que as índias entrassem. Tivemos que literalmente chorar e implorar aos pés deles. Depois que as índias entraram, os meninos foram espancados. Não havia razão para eles nos baterem com essa crueldade”, falou Ijantkar.
“Eu vi um homem egípcio parado na frente com as mãos nos trilhos, e por causa disso um guarda o empurrou com tanta força e o homem bateu na cerca, que está coberta de espinhos, e ele perdeu a consciência”, acrescentou.”Nós o levamos para fora para fazer reanimação cardiorrespiratória. Eles simplesmente não se importaram e estavam batendo nos alunos, eles não deram a mínima para nós, apenas para os ucranianos”.
A CNN entrou em contato com o exército ucraniano à luz das alegações de violência, mas não teve resposta imediata.
Condições de congelamento
Ijantkar declarou que muitos dos alunos esperaram pelo menos um dia, mas ela acabou voltando para Lviv porque estava apavorada, esperando em temperaturas congelantes sem comida, água ou cobertores.
“Eu vi pessoas tremendo tão terrivelmente no frio, elas estavam desmaiando por causa da hipotermia. Algumas têm queimaduras de frio e bolhas. Não conseguimos ajuda e ficamos de pé por horas”, disse ela.
Andriy Demchenko, porta-voz do Serviço de Guarda de Fronteiras da Ucrânia, disse à CNN na segunda-feira (28) que as alegações de segregação nas fronteiras são falsas e que os guardas estão trabalhando sob enorme pressão nas fronteiras – mas estão trabalhando dentro da lei.
Desde o dia em que [o presidente russo Vladimir] Putin atacou a Ucrânia, o fluxo de pessoas tentando deixar a Ucrânia e a zona de guerra aumentou tremendamente. Até 50 mil [pessoas] por dia.
“Para agilizar o processo e permitir a travessia de maior quantidade de pessoas, o governo simplificou ao máximo o procedimento de passagem de fronteira. No entanto, posso afirmar que tudo acontece conforme a lei. Não há absolutamente nenhuma divisão por nação, cidadania ou classe na fronteira”, disse Demchenko.
A Ucrânia atrai muitos estudantes estrangeiros que desejam estudar medicina porque tem uma forte reputação em cursos e mensalidades médicas – e outras despesas são muito menores do que em programas em outras nações ocidentais.
Outro estudante retido disse à CNN no domingo que os funcionários da fronteira do lado ucraniano da fronteira estavam mostrando preconceito contra estudantes estrangeiros.
“Eles estão privando os estrangeiros. Eles estão sendo muito racistas conosco na fronteira. Eles nos dizem que os cidadãos ucranianos têm que passar primeiro enquanto mandam os estrangeiros ficarem para trás”, declarou Nneka Abigail, uma estudante de medicina de 23 anos da Nigéria.
“É muito difícil no momento para nigerianos e outros estrangeiros atravessarem. As autoridades ucranianas estão permitindo que mais ucranianos atravessem para a Polônia. Por exemplo, cerca de 200 a 300 ucranianos podem atravessar, e então apenas 10 estrangeiros ou 5 poderão atravessar … e a duração do tempo é muito longa. É muito difícil… eles nos empurram, nos chutam, nos insultam”, disse Abigail.
Os africanos têm compartilhado suas experiências online usando a hashtag #AfricansinUkraine. Suas histórias provocaram protestos e vários apelos de financiamento coletivo foram lançados para tentar ajudar os que estão presos no país.
Uma das pessoas que compartilhou sua história online é Korrine Sky, uma estudante de medicina do Zimbábue que estudava na Ucrânia desde setembro. Ela fugiu do país na sexta-feira (25), mas, com a ajuda de dois amigos de Londres, conseguiu arrecadar mais de 20 mil euros (US$ 26.800) para ajudar estudantes afro-caribenhos retidos.
“Esta situação em que estamos é uma situação de vida ou morte. Precisamos garantir que todos os estudantes africanos cruzem a fronteira com sucesso e segurança”, declarou no Instagram Live do lado romeno da fronteira no domingo.
Cerca de 500 mil refugiados da Ucrânia até agora cruzaram para países europeus vizinhos, disse o alto comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi, nesta segunda-feira.
Os países de origem estão fazendo o suficiente para ajudar seus cidadãos?
Alguns daqueles com quem a CNN falou disseram que não culpam as autoridades ucranianas por priorizar seus cidadãos, mas sim seus próprios governos por não tomarem providências para ajudá-los a sair do país.
O “governo nigeriano está sendo seu habitual desinteresse”, disse Onyegbule.
“Há muitos de nós na Ucrânia. Eles não podem nos deixar assim. É muito triste, mas estamos acostumados com a má governança na Nigéria. É muito triste.” Onyegbule reconheceu que havia autoridades nigerianas esperando para conhecê-la e outros quando ela cruzou para a Polônia.
“Teria sido tão útil na Ucrânia, estávamos procurando alguém para falar em nosso nome lá.”
O ministro das Relações Exteriores da Nigéria, Geoffrey Onyeama, disse no Twitter que as autoridades ucranianas garantiram-lhe que não havia restrições aos estrangeiros que desejam deixar a Ucrânia.
“O problema é o resultado do caos na fronteira e dos postos de controle que levam-lhes”, afirmou, acrescentando que “está coordenando pessoalmente nossas missões na Ucrânia, Polônia, Rússia, Romênia e Hungria para garantir que tiremos nossos cidadãos da Ucrânia e trazer de volta para a Nigéria aqueles que estão prontos para retornar enquanto apoiam aqueles que permanecem na Ucrânia.
A CNN entrou em contato com Onyeama para comentar as alegações de que o governo nigeriano não fez o suficiente para ajudar seus cidadãos a deixar a Ucrânia.
As nações africanas no Conselho de Segurança da ONU condenaram na segunda-feira a discriminação contra cidadãos africanos na fronteira ucraniana durante uma reunião do CSNU na sede da ONU em Nova York.
“Condenamos veementemente esse racismo e acreditamos que ele é prejudicial ao espírito de solidariedade que é tão urgentemente necessário hoje. Os maus tratos aos povos africanos nas fronteiras da Europa precisam cessar imediatamente, seja para os africanos que fogem da Ucrânia ou para aqueles que atravessam o Mediterrâneo”, declarou o embaixador queniano na ONU, Martin Kimani, nesta segunda-feira.
Onyegbule, a estudante de medicina do primeiro ano, afirmou que se sentiu atraída para estudar na Ucrânia porque estava procurando uma “opção segura e barata fora da Nigéria”.
“Geralmente, viver na Ucrânia tem sido pacífico, é um país lindo. Às vezes, nos bondes, as pessoas não querem sentar ao seu lado e ficam olhando para você, mas geralmente os ucranianos são pessoas legais”, disse ela.
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