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    Entenda por que Putin diz que Grupo Wagner não existe

    Presidente destaca que a legislação proíbe recrutar, treinar, financiar ou apoiar mercenários na Rússia

    Nathan Hodgeda CNN

    Semanas depois de um levante armado do grupo mercenário russo Wagner revelar rachaduras no sistema de governo de um homem só na Rússia, o Kremlin está em uma ofensiva de relações-públicas. A mensagem é simples: o presidente russo, Vladimir Putin, está firmemente no controle; agora, por favor, siga em frente.

    Em uma entrevista na quinta-feira (13) com o jornal diário de negócios russo Kommersant, Putin descreveu uma reunião de três horas com os comandantes do Wagner, incluindo o líder do grupo, Yevgeny Prigozhin, poucos dias após a marcha abortada rumo a Moscou abortada pelos mercenários no mês passado.

    Putin deu um tom positivo à reunião, mas fez uma admissão curiosa.

    “O Grupo Wagner não existe”, disse Putin quando perguntado se os mercenários seriam mantidos como uma unidade de combate. “Não temos uma lei para organizações militares privadas. Isso simplesmente não existe.”

    Putin, que é um advogado formado, reiterou o ponto durante a entrevista: “Essa entidade legal não existe”, disse.

    Tecnicamente, Putin está correto. O artigo 359 do Código Penal da Rússia proíbe a atividade mercenária. A lei estabelece que “o recrutamento, treinamento, financiamento ou outro apoio material de um mercenário, bem como sua participação em um conflito armado ou operações militares” acarreta pesadas penalidades criminais.

    Putin continuou explicando na entrevista que a Duma Estatal — o parlamento da Rússia — deveria considerar uma legislação para legalizar os mercenários, e admitiu: “Não é uma pergunta fácil”.

    Essa resposta legalista, no entanto, levanta mais perguntas do que respostas. Até a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia no ano passado, o Kremlin basicamente negava a existência do Grupo Wagner. Isso mudou nos meses seguintes, quando os mercenários conseguiram garantir algumas vitórias simbólicas para a Rússia, especialmente na dura luta em torno da cidade ucraniana de Bakhmut. A TV estatal seguiu o exemplo, elevando os lutadores do Grupo Wagner ao status de estrelas do rock.

    Mas se o Grupo Wagner era tecnicamente uma entidade ilegal todo esse tempo, quem autorizou seu uso? Quem os treinou e equipou? E quem assinou seu orçamento?

    É mais do que uma questão técnica ou filosófica. Afinal, o próprio Putin reconheceu em declarações em 27 de junho a autoridades de segurança que “a manutenção de todo o Grupo Wagner foi totalmente fornecida pelo estado”, com o governo alocando mais de 86 bilhões de rublos, ou cerca de US$ 1 bilhão, para a manutenção das forças de Wagner entre maio de 2022 e maio de 2023 sozinho.

    A questão é mais do que a abordagem arrogante de Putin ao estado de direito. Também serve como um lembrete de que Putin é o pioneiro de um mundo pós-verdade.

    Vale lembrar que o líder do Kremlin também foi quem negou que forças especiais russas — os chamados “homenzinhos verdes” — tomaram a península da Crimeia da Ucrânia em 2014. Apenas algumas semanas após a ocupação Putin reconheceu que os homens em camuflados eram de fato tropas russas, não “unidades locais de autodefesa”.

    O mesmo aconteceu com o apoio secreto da Rússia aos separatistas na região de Donbass, no leste da Ucrânia, de 2014 em diante. O Kremlin insistiu em manter a ficção de que as forças regulares russas não haviam apoiado as repúblicas separatistas, embora Putin reconhecesse que o governo russo estava ativamente envolvido em Donbass, incluindo apoio aos separatistas e trocas de prisioneiros.

    “Nunca dissemos que não há pessoas que lidam com certos assuntos, inclusive na área militar, mas isso não significa que tropas regulares russas estejam presentes lá”, disse ele a um jornalista ucraniano em sua coletiva de imprensa anual em 2015. “Sinta a diferença.”

    O chefe do Wagner, Prigozhin, também era conhecido por jogar rápido e solto com os fatos. O ex-associado de Putin nunca admitiu por muito tempo que a Agência de Pesquisa da Internet — sua notória “fazenda de trolls” em São Petersburgo, Rússia — estava envolvida na intromissão nas eleições americanas de 2016, mas acabou com a farsa após a invasão em grande escala da Ucrânia.

    “Nunca fui apenas o financiador da Internet Research Agency. Eu inventei, criei, gerenciei por muito tempo. Foi fundado para proteger o espaço de informação russo da propaganda grosseira e agressiva da narrativa anti-russa do Ocidente”, disse Prigozhin em fevereiro.

    Então, qual é o objetivo de Putin ao divulgar esse relato de uma reunião com os comandantes Prigozhin e Wagner? Além de transmitir uma mensagem para o público russo de que ainda está no comando, ele parece estar criando uma nova narrativa: o “bom” Wagner (os soldados rasos de Prigozhin) contra o “mau” Wagner (o próprio Prigozhin).

    Em sua conversa com o Kommersant, Putin sugeriu que notou um desentendimento entre Prigozhin e seus principais comandantes durante seu encontro com eles no Kremlin.

    Conforme a versão que transmitiu ao Kommersant, Putin disse aos mercenários que eles tinham a opção de continuar lutando sob seu comandante direto, um oficial conhecido pelo indicativo de chamada ‘Sedoy’ (‘cabelos grisalhos’).

    “Nada teria mudado para eles. Eles seriam liderados pela mesma pessoa que sempre foi seu verdadeiro comandante”, disse Putin ao grupo, conforme relatado pelo Kommersant.

    “E o que aconteceu então?” o repórter do Kommersant diz que perguntou ao líder russo.

    “Muitas pessoas assentiram [afirmativamente] quando eu disse isso”, disse Putin, segundo o Kommersant.

    Mas, de acordo com esse relato, Prigozhin não concordou com a abordagem oferecida pelo Kremlin.

    “Não, os caras não concordam com essa decisão”, disse o líder Wagner, segundo Putin.

    Se essa brecha — real, fictícia ou uma mistura dos dois — pode ser explorada pelo Kremlin, ainda não se sabe. Também não está claro o que as bases do Wagner farão. Mas o relato unilateral de Putin sugere que o Kremlin ainda está tentando descobrir como, exatamente, lidar com o comandante mercenário.

    Com reportagem de Andrew Carey, Josh Pennington e Uliana Pavlova

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