Em meio a guerra de narrativas, Rússia e Ucrânia divergem sobre alvos e nº de baixas
Quem está vencendo a disputa entre Rússia e Ucrânia? Países divergem na divulgação de números de baixas e alvos atingidos
“Na guerra, a primeira vítima é a verdade”. A citação é tão antiga que a autoria da frase se perdeu na história, mas existem variações desta mesma afirmação em textos da Grécia Antiga. Todo conflito tem uma arma poderosa: a informação. E em tempos de redes sociais, os discursos são usados como artilharia pesada.
Na invasão da Rússia à Ucrânia, temos dois lados bem claros da guerra. No entorno, governos coadjuvantes, que hora ganham contornos de atores principais. Todas as retóricas têm de ser recebidas com ressalvas, independentemente de que lado apoiem.
A guerra que mobiliza a atenção mundial, hoje, desperta a pergunta elementar do leitor que busca informações sobre o tema: quem está vencendo a disputa? A resposta depende de para quem se direciona a questão.
Observadores independentes, que não estejam diretamente ligados ao campo de batalha, fornecem leituras baseadas em dados coletados por satélites e relatos que chegam do fronte. As informações são comparadas a relatórios fornecidos pelos Exércitos em guerra. O resultado dá uma noção mais próxima da realidade.
Dois institutos ganharam notoriedade, nesta cobertura, por realizarem este trabalho diariamente: Institute for The Study of War (https://www.understandingwar.org/) e o Critical Threats (https://www.criticalthreats.org/).
Aliás, ambas organizações estão cooperando para traduzir os elementos do conflito e chegar aos fatos, descontando os argumentos. As indicações sugerem que o primeiro mês da guerra é marcado pela estagnação do avanço das tropas russas e uma ligeira retomada de terreno pelos ucranianos. E, principalmente, uma mudança de tática: os ataques a distância, por bombardeio.
Cidades-chave para a estratégia de dominação russa passaram a ser severamente atingidas por mísseis balísticos e artilharia de saturação, com foguetes e canhões.
[cnn_galeria active=”false” id_galeria=”722365″ title_galeria=”Shopping é destruído em Kiev, e ataque deixa pelo menos 8 pessoas mortas”/]
As imagens, muitas vezes gravadas por moradores locais, cuja veracidade é comprovada por ferramentas de geolocalização, ilustram o que as palavras não alcançam. Invariavelmente, as cenas tentam corroborar os discursos, e mudam conforme quem distribui a informação.
As populações ressaltam o que pode ser classificado como “crime de guerra”: a destruição de hospitais, ataques a abrigos e disparos em meio à fuga de civis por corredores humanitários durante um cessar-fogo. As forças armadas, por sua vez, publicam na internet vídeos que tentam comprovar as retóricas. Vimos pelotões ucranianos destruindo tanques dos invasores ao passo de que os russos exibiram imagens aéreas de edifícios sendo explodidos. Daí a importância de uma apuração independente, porque cada lado do conflito tem a sua justificativa.
Os russos mantêm a afirmação que os alvos jamais são civis. Embora a destruição muitas vezes ocorra em áreas residenciais, a justificativa do Kremlin é de ligação com alguma atividade militar, como casas e comércio servindo de base para soldados ou armazém de armas. O episódio mais recente foi o míssil jogado contra um shopping center, na capital Kiev, na segunda-feira (21), quando o conflito entrou na quarta semana consecutiva.
O comando militar da Rússia alegou, em postagem no Facebook, que o prédio era um ponto de recarga de mísseis das forças ucranianas. Moscou tinha, inclusive, uma gravação feita por um drone que serviu como prova. Porém, o vídeo não pôde ser autenticado por fontes independentes. Existem cortes na gravação, que podem esconder algum tipo de adulteração das imagens. Na mesma medida, oficiais ucranianos enviam para a imprensa – com uma certa regularidade – fotos de combatentes segurando equipamento deixado pelo inimigo após suposta fuga, em uma eventual derrota. Material, este, que também é difícil de ser comprovado quando não há equipes independentes de imprensa ou observadores no local.
Os números de baixas também são contraditórios. E, de novo, as mídias sociais fazem o papel de megafone. E neste quesito, os ucranianos montaram uma verdadeira máquina de propaganda. A imagem abaixo foi postada nos canais oficiais das forças militares ucranianas.
Trata do balanço da guerra, segundo levantamento feito por Kiev até o vigésimo sexto dia de combate. O post foi diagramado como se fosse uma peça de publicidade, enaltecendo o que o governo do presidente Volodymyr Zelensky considera vitórias contra um inimigo reconhecidamente mais poderoso. Os números distribuídos – oficialmente – pelos ucranianos são realmente impressionantes, principalmente se considerarmos a assimetria entre os Exércitos.
Kiev garante ter abatido 242 aeronaves, incluindo drones e jatos supersônicos. 3200 dos mais variados veículos, incluindo tanques e 240 peças de artilharia. As tropas do país ainda alegam ter afundado três navios da marinha adversária. A lista se encerra com a perda de vidas humanas: 15 mil militares russos mortos em combate. Moscou jamais comprovou estes números. Muito pelo contrário. Discursos que vêm do Kremlin garante que a guerra – que Putin prefere chamar de “Operação Militar Especial” – está ocorrendo como o planejado.
Por outro lado, a Rússia tem um sistema menos eficiente de divulgação do balanço das baixas adversárias. O método mais comum são os pronunciamentos do porta-voz do ministério da Defesa, transmitidos pelos canais públicos russos, e replicados pelas agências de notícia mundo afora. No entanto, houve um falha curiosa, percebida pela equipe da CNN, incluindo o repórter Vasco Cotovio, que está cobrindo a guerra diretamente da Ucrânia.
O tabloide russo “Komsomolskaya Pravda” publicou um relatório do Ministério da Defesa contabilizando as mortes de soldados russos. O texto foi rapidamente removido da versão online do jornal. O texto, que citava fontes oficiais, dizia que 9.861 militares haviam perdido a vida na operação do outro lado da fronteira. O mesmo documento afirmava, ainda, que já haviam sido registrados 16.153 feridos.
A CNN analisou o código HTML do site, que indica a publicação do artigo na segunda-feira às 21h09, no horário de Moscou. Menos de um minuto depois da postagem original, o texto foi atualizado, sem qualquer referência ao número de vítimas.
Após a atualização, o Komsomolskaya Pravda publicou uma declaração dizendo que “o acesso à interface do administrador foi invadido” e que “uma inserção falsa foi feita em uma publicação”.
O jornal alega que “informações imprecisas foram removidas imediatamente”. A análise da CNN mostrou que a atualização veio após 21 horas da segunda-feira (21).
Desde 2 de março, a Rússia não publicou nenhuma contagem de militares mortos. Por sua vez, relatório original citado pelo tabloide está de acordo com as estimativas do Departamento de Defesa dos EUA, que dizem que houve até 10 mil mortes de militares russos. Sendo assim, o balanço dos ucranianos é 50% maior.