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    Eleições nos EUA: Veja como foi o fim do bloqueio de transição Trump-Biden

    Entenda o impasse de 16 dias entre uma obscura chefe de uma agência federal e o próximo presidente dos EUA

    O presidente eleito dos EUA, Joe Biden
    O presidente eleito dos EUA, Joe Biden Foto: Joshua Roberts - 25.nov.2020 / Reuters

    Duas semanas depois a projeção de vitória do democrata Joe Biden nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, Emily Murphy, chefe da Administração de Serviços Gerais (GSA), estava finalmente preparada para deixar de bloquear a transição.

    Foi na sexta-feira, 20 de novembro. Naquele dia, as ações judiciais do presidente Donald Trump questionando o resultado da eleição não estavam indo a lugar nenhum: o estado da Geórgia certificava a recontagem manual dando vitória a Biden, e tanto Michigan quanto Pensilvânia se preparavam para certificar os votos no início da semana seguinte. A certificação é o processo no qual um estado confirma o resultado das eleições.

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    Assim, os funcionários da GSA avisaram a Casa Branca de que, se Michigan e Pensilvânia certificassem os resultados conforme esperado, Murphy iniciaria formalmente a transição para Biden em um processo conhecido como averiguação.

    Foi um passo o qual os críticos de Murphy dizem que já deveria ter sido dado há muito tempo. Eles argumentam que a diretora (uma indicação política de Trump) foi abertamente deferente à Casa Branca e a Trump, depois que ficou claro que Biden tinha vencido a eleição. Além disso, o fracasso dela em aprovar o resultado da eleição teve consequências significativas no nível nacional para as áreas de segurança e saúde, já que a pandemia de Covid-19 se alastrava e continua em alta no país.

    A mensagem para a Casa Branca naquela sexta configurou a decisão de Murphy de finalmente enviar a carta a Biden na segunda-feira (23), dizendo que ele poderia começar a transição. Foi também um esforço dentro da Ala Oeste da residência oficial para preparar Trump para o seu primeiro reconhecimento oficial de derrota, algo que o presidente se recusava a aceitar.

    Durante os 16 dias entre as principais redes de notícias projetando a vitória de Biden e a carta de Murphy enviada ao ex-vice-presidente na noite de segunda, Trump não disse diretamente a Murphy para impedir o início da transição. Contudo, ele deixou que ela soubesse sua opinião por meio de um fluxo constante de publicações no Twitter contestando a eleição. O líder chegou ao ponto de responder a um antigo tuíte de Murphy com um “Ótimo trabalho, Emily”.

    Na carta explicando a decisão sobre o processo de averiguação, Murphy disse que não foi pressionada por funcionários da Casa Branca. Entretanto, poucos minutos depois de ela ter enviado a carta a Biden, Trump pareceu minar essas afirmações ao tuitar que ele havia “recomendado que Emily” iniciasse a transição. Uma fonte próxima à diretora do GSA negou veementemente que os dois tivessem qualquer comunicação direta.

    Dentro da Casa Branca, vários advogados e conselheiros estavam reunidos com Trump, tanto no Salão Oval como ao telefone, na segunda-feira, tentando persuadi-lo a prosseguir com a transição. Segundo uma fonte, o advogado da Casa Branca, Pat Cipollone, e o chefe de gabinete, Mark Meadows, bem como os advogados externos Jay Sekulow e Rudy Giuliani, discutiam o caminho a seguir com Trump.

    Um funcionário da Casa Branca encaminhou um pedido de comentário à GSA, mas um porta-voz do órgão se recusou a comentar.

    Após a carta de Murphy, Trump a elogiou no tuíte em que recebeu o crédito por recomendar o início da transição, agradecendo por “sua dedicação e lealdade constantes ao nosso país”. Uma fonte contou que a diretora ficou “chocada” com o tuíte.

    ‘Sem procedimentos ou padrões’

    Fontes próximas a Murphy disseram à CNN que ela lutou com a decisão enquanto enfrentava uma enxurrada de ataques, sendo colocada no centro das atenções como um dos símbolos mais visíveis da recusa do governo Trump em reconhecer a vitória de Biden. Na carta ao democrata – não se referindo a ele como presidente eleito –, a diretora destacou as ameaças feitas contra ela e a família dela enquanto defendia a decisão de esperar.

    Murphy argumentou que as diretrizes da GSA eram vagas e que o estatuto de averiguação “não fornece procedimentos ou padrões para este processo”, acrescentando que ela “procurou precedentes de eleições anteriores envolvendo desafios legais e contagens incompletas”.

    Fontes próximas à diretora contaram à CNN que houve apenas um precedente ao qual ela podia recorrer: a eleição de 2000, a única outra vez em que um candidato não reconheceu derrota. Murphy estava preocupada com o precedente que seria estabelecido pela concessão da averiguação quando o candidato perdedor ainda não havia admitido a derrota, disseram as fontes, argumentando que a GSA havia esperado até que a disputa terminar na eleição de 2000 entre George W. Bush e Al Gore.

    Os críticos de Murphy, no entanto, dizem que ela acabou se prejudicando sozinha por não ter feito seu trabalho, aprovando o que sempre foi uma medida superficial após uma eleição presidencial.

    “Ela tinha a responsabilidade constitucional de assinar aquela carta semanas atrás, quando estava bastante claro quem havia vencido”, afirmou o deputado Gerry Connolly, um democrata da Virgínia que lidera o Comitê de Supervisão da Câmara sobre Operações Governamentais, o qual supervisiona a GSA.

    “Ela está em uma posição de autoridade, prestou juramento e se equivocou por causa da pressão política de uma pessoa: o chefe dela.”

    Alcance silencioso

    Biden teve a vitória projetada em 7 de novembro por todas as grandes redes de notícias a liderança dele na Pensilvânia crescer para mais de 30 mil votos de diferença, o que significa que Trump poderia superá-lo apenas se os resultados em vários estados fossem anulados – um cenário quase impossível.

    Mas Trump não reconheceu a derrota. Em vez disso, escolheu espalhar falsas alegações de fraude eleitoral generalizada – algo que ele estava preparando antes mesmo de quaisquer votos terem sido depositados. O presidente prometeu lutar nos tribunais para anular os resultados em vários estados.

    No final do dia 9 de novembro, estava claro que Murphy iria ficar ao lado de Trump na contestação à eleição, e ela não autorizaria o início da transição. Um porta-voz da GSA disse em um comunicado que a diretora seguiria o precedente anterior da recontagem de Bush-Gore.

    Foi uma explicação que não agradou aos democratas. Ficou claro quem ganhou a eleição de 2020, eles argumentaram, ao contrário de 2000, quando a disputa foi decidida por várias centenas de votos na Flórida e uma recontagem que acabou na Suprema Corte.

    O fracasso em iniciar a transição teve inúmeras implicações. A equipe de Biden não conseguiu falar com as agências governamentais ou obter acesso a dados críticos sobre a pandemia de Covid-19 e os planos de distribuição de vacinas. Além disso, o presidente eleito não foi autorizado a receber o Resumo Diário do Presidente (PDB na sigla em inglês) confidencial, que normalmente é dado aos presidentes eleitos para que tenham conhecimento sobre as últimas informações e ameaças.

    Gerry Connolly se juntou aos colegas deputados democratas Bill Pascrell, de New Jersey, e Dana Titus, de Nevada, e enviou a Murphy uma carta exigindo uma explicação para o atraso na averiguação – a primeira do que viria a ser uma série de correspondências dos democratas a Murphy.

    As cartas foram recebidas com silêncio, mas ela se comunicou com um legislador democrata, o deputado Mike Quigley, de Illinois, presidente do subcomitê de Apropriações da Câmara que supervisionava a GSA, de acordo com uma fonte familiarizada com as conversas.

    No passado, Quigley esteve em conflito com Murphy sobre os planos de um novo prédio para a sede do Departamento Federal de Investigação (FBI, em inglês). As perguntas dele feitas a ela sobre o envolvimento do presidente na decisão levaram o inspetor-geral da GSA a concluir que Emily Murphy havia enganado o Congresso.

    A questão que incomodou os deputados foi uma reunião no Salão Oval que discutiu sobre a sede do FBI ser reconstruída do outro lado da rua do hotel de Trump em Washington. Mesmo depois dessa rusga, os dois desenvolveram uma relação de trabalho enquanto elaboravam uma legislação para financiar a agência.

    A fonte disse que Murphy e Quigley falaram sobre o processo de averiguação e a justificativa dela para esperar, e ele a encorajou a seguir em frente.

    ‘Mais pessoas podem morrer’

    Com exceção da aproximação diplomática e discreta de Quigley, os democratas do Congresso e a equipe de Biden estavam em uma posição difícil.

    A equipe do presidente eleito havia ameaçado abrir uma ação legal contra a GSA, e os democratas do Congresso prometeram levar Murphy para uma audiência se ela não explicasse o motivo da demora. Mas ambos enfrentavam o risco de uma batalha judicial prolongada com Murphy, que afastaria Biden do objetivo: a averiguação.

    Assim, os democratas do Congresso iniciaram uma campanha por meio de cartas, exigindo respostas e acusando Murphy de não cumprir seu dever constitucional. Biden alertou em um discurso que “mais pessoas podem morrer” sem uma coordenação no planejamento da pandemia do novo coronavírus.

    Murphy não obteve muito apoio no Congresso. Enquanto Trump continuava a fazer falsas alegações de que a eleição havia sido roubada dele, muitos republicanos de alta patente (um grupo do qual Murphy se considera parte) se recusaram a dizer que Biden tinha vencido a eleição ou a se manifestar contra os ataques do presidente ao processo eleitoral.

    Cerca de uma semana atrás, Murphy começou a se mover em direção à averiguação quando a campanha de Trump perdeu ou retirou nove processos judiciais que contestavam a vitória de Biden em um único dia.

    Apesar disso, o atraso se arrastou enquanto a equipe de Trump prometia continuar lutando no tribunal, insistindo que os resultados da eleição ainda poderiam ser anulados em vários estados. No entanto, eles continuaram perdendo esses processos judiciais, e os principais estados deram continuidade à certificação.

    Na sexta-feira (20), tanto o governador como o secretário de estado da Geórgia, ambos republicanos, certificaram a eleição no estado, que concedia os delegados a Biden, após uma recontagem manual. Michigan e Pensilvânia se preparavam para fazer o mesmo na segunda ou terça-feira, oferecendo uma justificativa para Murphy prosseguir com a averiguação depois de esperar duas semanas.

    O momento das certificações de ambos os estados permaneceu incerto. Mas a ação judicial da campanha de Trump na Pensilvânia foi revelada no sábado em uma decisão fulminante, removendo um obstáculo importante à certificação.

    Enquanto isso, no Michigan, esperava-se que um dos dois republicanos no comitê de campanha de quatro pessoas votasse contra a certificação, deixando em aberto a possibilidade de o grupo chegar a um impasse. O outro republicano não havia revelado sua posição antes da reunião.

    Na manhã de segunda-feira (23), fontes próximas a Murphy acreditavam que a averiguação era iminente. Logo após começar, a reunião de certificação no Michigan, que começou às 13 horas (horário local), parecia que ia se arrastar até a noite. A possibilidade de que a certificação não acontecesse naquele dia também era grande.

    Então, por volta das 16h30 (horário local), a diretoria interrompeu o período de comentários públicos (ainda tinha centenas de pessoas esperando para falar) e fez a votação de certificação, com o segundo membro do Partido Republicano se unindo aos democratas a favor do processo, enquanto o outro se absteve.

    A GSA não avisou a equipe de transição de Biden de que planejava enviar uma carta. Porém, pouco mais de uma hora depois que Michigan certificou os resultados, Murphy enviou uma carta a Biden dizendo que ele poderia começar a transição.

    No texto, ela não se referiu ao democrata como presidente eleito e não disse que reconhecia explicitamente a apuração. Mas permitiu que ele iniciasse a transição e concedeu acesso a US$ 6,3 milhões em financiamento governamental previsto em lei, encerrando oficialmente o impasse de 16 dias entre uma obscura chefe de uma agência federal e o próximo presidente dos EUA.

    (Texto traduzido. Leia o original em inglês.)