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    Editora exigiu R$ 1,3 milhão para entrevista da CNN com Melania Trump

    Acordo não foi assinado; empresa afirmou que enviou demanda por pagamento por engano

    Hadas Goldda CNNPamela Brown

    Há quase dois meses, a CNN entrou em contato com a editora do livro de Melania Trump para solicitar uma entrevista com a ex-primeira-dama dos Estados Unidos antes de seu próximo livro de memórias.

    Após várias trocas sobre uma possível entrevista, a editora enviou uma demanda incomum na semana passada: uma entrevista custaria US$ 250 mil (R$ 1,37 milhão).

    Em um e-mail para a CNN, a Skyhorse Publishing enviou um documento rotulado como “Acordo de Confidencialidade e Não Divulgação” (NDA, na sigla em inglês) que estabelecia termos estritos para uma entrevista e uso do material do livro, intitulado “Melania”, com publicação prevista para 8 de outubro.

    Além disso, o acordo estipulava que “a CNN pagará uma taxa de licenciamento de duzentos e cinquenta mil dólares (US$ 250.000)”.

    A CNN não assinou o acordo.

    Dias depois, após um jornalista da CNN perguntar à Skyhorse Publishing sobre a taxa exorbitante para a entrevista, a editora disse que havia enviado a demanda de pagamento por engano.

    “Nem Melania nem ninguém de sua equipe sabia nada sobre o NDA e o documento que foi enviado refletiu uma falha de comunicação interna”, afirmou Tony Lyons, presidente e editor da Skyhorse, à CNN em um comunicado.

    “Se a CNN tivesse assinado um NDA, no curso normal dos negócios, teríamos abordado a equipe de Melania para discutir [detalhes da entrevista]”, adcicionou.

    Pagar uma figura pública por uma entrevista, especialmente a esposa de um candidato político, é altamente reprovado na maioria das redações, que tendem a ter diretrizes rígidas contra tal prática.

    Também é altamente incomum que a solicitação venha de um representante supostamente agindo em nome da esposa de um candidato presidencial e uma ex-primeira-dama — especialmente com um preço tão alto.

    O porta-voz de Melania Trump não quis comentar o caso. Um porta-voz da CNN também não quis comentar.

    Mesmo que a solicitação tenha sido uma falha de comunicação, o preço pedido no NDA reflete um valor semelhante que ela recebeu em eventos no passado.

    No mês passado, a CNN revelou que a ex-primeira-dama discursou em dois eventos de arrecadação de fundos políticos para o Log Cabin Republicans neste ano. Ela recebeu US$ 237.500 (R$ 1,3 milhão) por um evento em abril, de acordo com o último formulário de divulgação financeira do ex-presidente Donald Trump.

    O pagamento foi listado como um “compromisso de palestra”.

    Os registros mostram que Melania Trump também recebeu US$ 250 mil por um evento do Log Cabin Republican em dezembro de 2022, um dos três pagamentos de US$ 250 mil ou mais que ela recebeu por falar naquele mês, logo após o ex-presidente anunciar que estava concorrendo à reeleição, de acordo com o relatório de divulgação financeira do ano anterior de Donald Trump.

    Como era o contrato

    O “Material Confidencial” no contrato é descrito como “o manuscrito não publicado da Obra, notas, cartas, fotos ou informações verbais de qualquer tipo e qualquer informação obtida de terceiros que o Editor ou Autor trate como proprietário e designe como Material Confidencial”.

    Qualquer funcionário da CNN que trabalhasse na entrevista precisaria assinar o NDA, afirma o contrato, e cada violação do NDA daria a Trump e/ou sua editora “danos liquidados” de US$ 100 mil (R$ 548 mil), de acordo com o documento.

    O NDA tem linhas de assinatura para a CNN, para Lyons — presidente da Skyhorse Publishing, que é distribuída pela Simon & Schuster –, e o agente da ex-primeira-dama Marc Beckman.

    É especificamente observado no contrato que o pagamento seria para uma entrevista com uma empresa de mídia — CNN — bem como para licenciar fotos e trechos do livro.

    Mesmo que o contrato tenha sido enviado como uma “falha de comunicação interna”, é um pedido incomum da editora de um indivíduo de tão alto perfil.

    “É totalmente sem precedentes. Nenhuma ex-primeira-dama jamais fez isso”, disse Kate Anderson Brower, autora de “First Women: The Grace and Power of America’s Modern First Ladies”.

    Donald Trump e Melania Trump em Palm Beach, na Flórida • Giorgia Viera/AFP/Getty Images/File via CNN Newsource

    Anita McBride, diretora da The Legacies of America’s First Ladies Initiative (Iniciativa dos Legados das Primeiras-Damas da América, em tradução livre) na American University e ex-assistente especial na Casa Branca de George W. Bush, avaliou que, embora as primeiras-damas tenham recebido honorários generosos por escrever livros, tal pagamento por uma entrevista é incomum.

    “É uma prática consistente com a Sra. Trump fazer as escolhas que funcionam para ela e não se sobrecarregar com nenhuma prática passada de qualquer outra pessoa. Ela é sua própria empresa quando se trata de tudo em sua vida”, afirmou McBride.

    “Essa é a premissa de seu livro. Fiz minhas escolhas e não fui restringida por ninguém antes dela”, apontou.

    Antes do lançamento do livro, Melania Trump só foi entrevistada pela Fox News atpe agira, que divulgou a entrevista do mês passado com Ainsley Earhardt como sendo exclusiva, a primeira com a ex-primeira-dama em dois anos.

    A entrevista incluiu o que pareciam ser fotos antigas de família e pessoais. Melania também foi entrevistada por Sean Hannity, da Fox, na noite de quarta-feira (2).

    “Não pagamos nenhuma taxa pela entrevista, incluindo taxas de licenciamento para fotos”, destacou um porta-voz da Fox News à CNN.

    Porta-vozes da ABC, NBC e CBS se recusaram a comentar se receberam uma solicitação semelhante de pagamento da editora de Trump.

    Nesta quinta-feira (3), a ex-primeira-dama postou um vídeo no X dizendo que “não há espaço para concessões” quando se trata da “liberdade individual” de uma mulher.

    A postagem aconteceu depois que o The Guardian relatou trechos do próximo livro dela, no qual Melania diz que apoia os direitos ao aborto “livres de qualquer intervenção ou pressão do governo”.

    Pagando pela história

    Embora não seja inédito que organizações de notícias paguem por direitos exclusivos de materiais ou entrevistas — especialmente de casos conectados a escândalos — isso é visto pela indústria como algo que ultrapassa limites éticos e não é uma prática padrão.

    O pagamento “incentiva o sujeito a alterar o que está dizendo para torná-lo mais valioso para a organização, exagerar ou sensacionalizar”, ponderou Kelly McBride, vice-presidente sênior e presidente do Craig Newmark Center for Ethics and Leadership no The Poynter Institute (que não tem parentesco com Anita McBride, outra entrevistada na matéria).

    “Seu objetivo ao entrevistar as pessoas é trazer a perspectiva delas para que você possa chegar mais perto da verdade, e se elas tiverem algum tipo de incentivo para distorcer isso, você está falhando com seu público”, adicionou.

    McBride ressaltou que as organizações de notícias geralmente evitam pagar por uma entrevista. Em vez disso, pagam para licenciar materiais como fotos ou vídeos.

    Em 2008, a ABC News pagou a Casey Anthony US$ 200 mil pelo uso exclusivo de fotos e vídeos de família de sua filha, cujo corpo foi descoberto mais tarde.

    Os pagamentos não foram divulgados até um processo judicial relacionado ao caso de Anthony em 2010. Uma fonte da ABC News disse à CNN na quarta-feira que a rede não paga por entrevistas.

    A NBC uma vez colocou dinheiro em um fundo fiduciário para uma estudante do ensino médio do estado de Washington que fingiu uma gravidez como um projeto de conclusão de curso em troca de um vídeo da estudante revelando o caso para seus colegas de classe.

    Mas qualquer pagamento ou doação de repórteres ou organizações de notícias relacionadas à política é considerado altamente reprovável, por causa de conflitos de interesse.

    Em 2015, o âncora da ABC George Stephanopoulos se desculpou por não revelar US$ 75 mil em doações para a Fundação Clinton, depois se recusando a participar do debate primário presidencial republicano planejado pela ABC em 2016.

    Embora Melania Trump não esteja concorrendo, cônjuges de políticos são frequentemente relacionados com seus parceiros candidatos, destacou McBride do Poynter Institute.

    Mas, neste caso, a campanha de Donald Trump não esteve envolvida no lançamento do livro de Melania.

    Casais geralmente são considerados uma “única entidade econômica”, com contas bancárias e propriedades compartilhadas, observou McBride.

    Em um divórcio, os ativos são geralmente considerados compartilhados, mesmo que ambas as partes não estejam listadas nas contas. Mas Melania e Donald Trump supostamente têm um acordo pré-nupcial, então não está claro quanto de suas contas, se houver, é compartilhado.

    “É super suspeito que o cônjuge de uma figura política queira ser pago por algo”, comentou McBride.

    *Brian Stelter, da CNN, contribuiu para esta reportagem

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