Análise: Trump pode neutralizar o início promissor de Kamala Harris?
Trump enfrenta desafios enquanto Harris transforma a corrida presidencial, com uma campanha digital dinâmica e um retorno otimista, ameaçando a vantagem republicana
A campanha de Donald Trump, que falhou em suas primeiras investidas contra a nova campanha presidencial de Kamala Harris, buscará esta semana uma base mais eficaz após a vice-presidente transformar uma eleição cheia de surpresas.
O ex-presidente tem usado algumas de suas ferramentas políticas mais confiáveis – atacando a identidade racial, criando realidades alternativas, lançando insultos e manipulando a verdade. No domingo (11), por exemplo, ele espalhou uma nova teoria da conspiração falsa sobre o tamanho da plateia do comício de Harris em Michigan na semana passada.
Mas seus esforços para derrubar sua nova adversária e a política dela de ignorar suas provocações têm destacado mais suas próprias fraquezas do que as dela, enfatizando a forma como Harris poderia oferecer uma nova opção para os eleitores.
Quando o ex-presidente chamou Harris de “burra” em um comício em Montana na noite de sexta-feira (9) ou afirmou falsamente no mês passado que ela “se tornou negra por acaso”, ele pode ter agradado seus eleitores-base.
Mas esses tipos de comentários correm o risco de alienar mulheres e eleitores de estados decisivos, além de reverter os ganhos que ele fez entre minorias que ele havia orgulhosamente destacado por meses.
A campanha de Trump também foi forçada a negar, no sábado (10), um relatório do The New York Times que dizia que ele havia se referido a Harris como uma “piranha” em uma conversa privada enquanto lamentava o ímpeto da campanha dela.
A coletiva de imprensa descontrolada de Trump na semana passada e um fim de semana de desabafos também sugerem que o candidato republicano está longe de aceitar a mudança em uma corrida que parecia estar indo em sua direção há três semanas, quando os republicanos otimistas deixaram sua convenção prevendo uma vitória esmagadora.
Mas uma turnê de Harris e seu novo companheiro de chapa, o governador de Minnesota Tim Walz, por estados decisivos gerou uma euforia que os democratas não viviam há anos. Isso deixou Trump enfurecido, pois sua vitória no debate com o presidente Joe Biden apenas levou a uma nova batalha – uma que ele está mais em perigo de perder.
Em três semanas, Harris criou um potencial ponto de virada – oferecendo aos eleitores um sopro de otimismo após um período sombrio da história moderna com seu mantra de que os americanos “não querem voltar” ao caos e à acrimônia do mandato de Trump.
A abordagem de Harris está funcionando – por enquanto – em devolver a corrida a uma disputa acirrada. Médias de pesquisas mostram que ela está revertendo os déficits de Biden.
Uma pesquisa do New York Times/Siena College divulgada no sábado, por exemplo, mostrou que não há um líder claro nos vitais estados decisivos de Wisconsin, Michigan e Pensilvânia – uma corrida mais apertada do que quando Biden liderava a chapa.
A pesquisa não tem impacto no resultado de novembro. Mas encapsulou a rápida mudança na campanha, e a equipe de Trump se sentiu obrigada a divulgar um memorando alegando que as pesquisas tinham “o claro intento e propósito de reduzir o apoio” ao ex-presidente.
O sucesso da nova chapa democrata em não apenas repelir os ataques iniciais de Trump, mas também em usá-los para expor o que Harris vê como extremismo, criou um problema inesperado para sua equipe.
A troca por Harris à liderança democrata e a retirada de Biden da corrida há três semanas elevaram seu partido a um lugar que teria parecido impossível uma semana antes de sua convenção nacional em Chicago. Mas Trump agora enfrenta um partido energizado, revertendo uma de suas maiores vantagens quando Biden liderava a chapa. E a novidade e a esperança estão provando ser forças políticas poderosas mais uma vez.
No entanto, campanhas nunca são estáticas, e embora Harris possa se beneficiar de uma preparação condensada para novembro, ainda restam quase três meses. Trump continua sendo uma força política formidável e um adversário feroz.
E, tendo unido seu partido em torno de si, especialmente após a tentativa de assassinato do mês passado, ele ainda deve se beneficiar de fatores estruturais, incluindo o pessimismo dos eleitores sobre a economia, que normalmente ajudariam a moldar a eleição.
Espera-se que o ex-presidente se concentre nesse tema na quarta-feira (14), na Carolina do Norte, com um discurso que sua campanha diz que se concentrará em como “americanos trabalhadores estão sofrendo por causa das políticas perigosamente liberais da administração Harris-Biden” e os preços que estão “excruciantes”.
Presumindo que ele siga esse roteiro, sua aparição – em um estado que os democratas esperam reconquistar – começará a testar se o foco em questões fundamentais irá contrabalancear a onda inicial de entusiasmo pela candidatura de Harris. Trump também anunciou que dará uma entrevista nesta segunda-feira (12) à noite para Elon Musk na plataforma X, do pioneiro automotivo e espacial.
Trump está criticando pesadamente a vice-presidente por evitar exposição a momentos não planejados em conferências de imprensa ou entrevistas. E ela enfrentará crescentes questionamentos sobre quando fornecer mais detalhes sobre as políticas que adotaria como presidente, tanto em casa quanto no exterior.
Harris disse aos repórteres no sábado (10) que começaria a apresentar uma estrutura de políticas sobre a economia esta semana. Como uma queda repentina no mercado de ações mostrou na semana passada, ela é vulnerável a notícias econômicas adversas que poderiam influenciar americanos que se sentem inseguros.
A vice-presidente parece ciente de que uma nova fase de sua campanha está se aproximando após a impressionante turnê da semana passada com Walz.
“O que sabemos é que os riscos são muito altos. E não podemos dar nada como certo neste momento”, disse ela em um evento de arrecadação de fundos em San Francisco no domingo (11). “Temos tido boas semanas, mas ainda temos muito trabalho a fazer”.
Trump ainda está se debatendo com sua nova oponente
Trump enviou seu indicado para a vice-presidência, o senador JD Vance, aos programas de entrevistas de domingo para tentar conter a onda Harris. O republicano de Ohio pintou a vice-presidente e Walz como liberais extremos, defendeu políticas rigorosas para as fronteiras e acusou Harris de cumplicidade nas políticas da administração Biden que deixaram os americanos reféns de preços altos.
Ele pressionou o ataque republicano a Walz, que alega, sem evidências decisivas, que ele se aposentou após quase um quarto de século na Guarda Nacional do Exército para evitar ser enviado ao Iraque. A CNN relatou que Walz se candidatou ao Congresso em fevereiro de 2005 – antes que sua unidade fosse notificada de que poderia ser enviada ao Iraque.
Vance sugeriu à CNN que sua chapa estava concorrendo contra um oponente indefinido, mas que carregava ainda mais responsabilidade pelas políticas dos últimos quatro anos do que Biden.
“O que é diferente é que estamos concorrendo contra uma pessoa diferente que muitos americanos simplesmente não conhecem”, disse Vance.
“Acho que precisamos lembrar as pessoas que o presidente Trump entregou preços mais baixos, menor inflação, um mundo próspero e pacífico, e também uma fronteira segura, e as políticas de Kamala Harris produziram exatamente o oposto. Agora, isso era mais fácil de fazer quando Joe Biden estava lá porque as pessoas associam Joe Biden às políticas”.
No entanto, ele foi forçado a responder pelos comentários frequentemente autodestrutivos do ex-presidente. Na CNN, por exemplo, Vance se contorceu para evitar contradizer a afirmação de Trump de que Harris, filha de um pai jamaicano e mãe indiana, não era negra.
“Acredito que Kamala Harris é o que ela diz ser”, disse Vance. “Mas acredito, de forma importante, que o presidente Trump está certo ao dizer que ela é uma camaleoa”.
Na CBS, Vance lutou para esclarecer uma impressão deixada pelo ex-presidente na semana passada de que ele poderia estar aberto a restringir o envio por correio de mifepristona para pacientes, um medicamento amplamente usado para aborto. A questão se encaixa nos esforços democratas para fazer Trump pagar por reverter o direito ao aborto a nível nacional pela Suprema Corte, que tem a maioria que ele construiu.
E na ABC, Vance se viu na difícil posição de ser perguntado sobre o fato de Trump hospedar em 2022 o nacionalista branco e negacionista do Holocausto, Nick Fuentes, que recentemente lançou um ataque racial contra a esposa do senador de Ohio, Usha. Vance descreveu Fuentes como um “total perdedor”, mas disse que “uma coisa que gosto sobre Donald Trump… é que ele realmente conversa com qualquer pessoa”.
Presidência de Harris é uma incógnita
A campanha de Trump conseguiu uma concessão da campanha de Harris no sábado sobre um aspecto do histórico militar de Walz.
Um porta-voz da campanha disse à CNN que o governador de Minnesota “disse algo incorreto” em um vídeo de 2018 no qual ele disse ter lidado com armas de assalto “em guerra”. Mas tentar usar Walz para expor a tomada de decisões de Harris parece improvável que faça a diferença crítica para os eleitores que devem eventualmente escolher entre Harris e Trump.
Portanto, um debate esperado entre Trump e Harris na ABC no dia 10 de setembro se destaca como um novo momento crucial na campanha. Trump insiste que seu primeiro confronto será, de fato, na Fox uma semana antes, mas Harris até agora concordou com apenas um debate.
No início de sua vice-presidência, Harris tropeçou várias vezes em entrevistas e interações com a imprensa. E a equipe de Trump tem tentado provocá-la para momentos mais não planejados.
Embora ela pareça ter evoluído como uma agente política, não há razão para seus assessores colocarem ela em ambientes de risco quando sua campanha está em ascensão, especialmente antes da convenção de Chicago na próxima semana, quando os cuidadores de imagem do partido terão quase um monopólio na mídia ao buscar apresentá-la aos eleitores indecisos durante o horário nobre.
Mas Harris não poderá evitar uma análise mais profunda por muito mais tempo – e nem deveria, considerando que está concorrendo à presidência. Ela disse recentemente aos repórteres que está considerando dar uma grande entrevista até o final do mês.
Seu discurso de campanha é aspiracional e alinhado com a ortodoxia democrática, mas ela fala em termos gerais. Desde que se tornou a nomeada, ela não ofereceu perspectivas sobre seu pensamento em um mundo fragmentado, cheio de ameaças crescentes ao poder dos EUA por adversários como Rússia e China.
Sua campanha usou o tempo em vez disso para tentar enfrentar armadilhas políticas, como ao lançar um anúncio a posicionando como dura nas questões de fronteira e posicionando Trump como um obstáculo para a contenção eficaz da imigração indocumentada.
Dada a impopularidade de Trump, simplesmente ser um antídoto mais jovem e otimista para uma visão nacional distópica pode ser suficiente para Harris vencer a eleição. Mas até que ela se destaque em uma situação pública não controlada, questões sobre sua habilidade política pairarão sobre suas perspectivas – especialmente porque sua campanha primária de 2020 rapidamente se desfez à medida que suas fraquezas políticas se tornaram mais evidentes.
Mas, como Trump mostrou nos últimos dias, ele ainda não descobriu uma forma de responder às circunstâncias repentinamente alteradas da campanha.