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    Análise: Trump assume retórica incendiária após nova tentativa de assassinato

    Trump acusa Biden e Kamala Harris de incitarem violência enquanto discurso inflamatório domina cenário político

    Stephen Collinsonda CNN

    O ex-presidente Donald Trump respondeu a uma segunda aparente tentativa de assassinato, que ele atribui à retórica política incendiária, inflamando ainda mais a situação.

    Quando uma bala passou de raspão por sua orelha em um tiroteio horrível que matou um participante de um comício em julho, Trump inicialmente agiu como um homem mudado, dizendo a Salena Zito, do Washington Examiner, que teve a chance de unir o país e o mundo – embora essa aspiração não tenha durado mais do que os parágrafos iniciais de seu discurso na convenção.

    Após o Serviço Secreto ter frustrado um atirador que aparentemente estava à espera do ex-presidente em um de seus campos de golfe na Flórida no domingo (15), a reação de Trump foi diferente. Ele acusou o presidente Joe Biden e a vice-presidente Kamala Harris de incitarem assassinos a atacá-lo quando alertam que ele é uma ameaça à democracia.

    Ele disse à Fox News Digital na segunda-feira (16), sem provas, que o suposto atirador “acreditou na retórica de Biden e Harris e agiu com base nisso”. Trump continuou: “A retórica deles está fazendo com que eu seja alvo de tiros, quando sou eu quem vai salvar o país, e eles são os que estão destruindo o país – tanto de dentro quanto de fora”.

    “Isso se chama inimigo interno”, disse ele, usando uma metáfora familiar dos líderes totalitários. Trump alertou que “tolos perigosos” como o suspeito do incidente de domingo escutam o que os líderes democratas dizem e reagem ao que ele tem afirmado, falsamente, ser uma tentativa orquestrada pela Casa Branca de usar o sistema de justiça para persegui-lo.

    Vance diz que ninguém tentou matar Harris

    O companheiro de chapa de Trump apresentou um argumento ainda mais direto. “A grande diferença entre conservadores e liberais é que… ninguém tentou matar Kamala Harris nos últimos meses, e duas pessoas já tentaram matar Donald Trump nos últimos meses”, disse o senador de Ohio JD Vance.

    “Eu diria que essa é uma prova bastante forte de que a esquerda precisa diminuir a retórica e parar com essas besteiras”.

    O candidato republicano à vice-presidência recentemente negou ser culpado de incitação depois de perpetuar alegações infundadas de que refugiados haitianos estavam comendo cães e gatos de estimação em Springfield, Ohio, o que foi seguido por ameaças de bomba a hospitais e escolas.

    A deputada democrata Nikema Williams condenou os comentários de Vance sobre assassinatos e a diferença entre liberais e conservadores.

    “Ele gostaria disso? Por que diria isso em um momento em que estamos falando em diminuir a tensão e mudar a retórica, unir o país – unidade – seguindo em frente?”, disse a democrata da Geórgia à CNN. “Podemos discordar de políticas, mas não queremos que ninguém sofra uma tentativa de assassinato”.

    JD Vance durante evento de campanha em Wisconsin. • U.S. NETWORK POOL

    Williams disse que “não é segredo” que ela não é uma apoiadora de Trump, mas que não deseja que ninguém enfrente uma ameaça à vida. Ela acrescentou que teve que adotar medidas de segurança pessoal desde que se tornou membro do Congresso para proteger a si mesma e sua família após enfrentar ameaças.

    Política acirrada já se desenrola após o incidente de domingo

    A experiência de ser alvo de duas tentativas de assassinato em dois meses pesaria sobre qualquer pessoa. Trump também está enfrentando uma eleição em menos de 50 dias, que está empatada entre ele e a vice-presidente, de acordo com a maioria das pesquisas.

    O ex-governador de Minnesota, Tim Pawlenty, um republicano, disse à CNN na segunda-feira que qualquer pessoa que tenha sido alvo de assassinato “poderia estar bastante sensível, bastante agitada, bastante preocupada, então acho que isso é compreensível”.

    E tentar decidir uma eleição assassinando um candidato à presidência deveria ser repugnante para qualquer um que acredita na democracia e no direito dos eleitores de escolher seus líderes.

    Os motivos exatos do suspeito, Ryan Wesley Routh, também não estão claros, embora ele fosse um defensor de longa data pela ajuda a Ucrânia – uma posição que entra em conflito com a promessa de Trump de encerrar a guerra com a Rússia.

    E a conexão entre a retórica de um político e as ações tomadas por indivíduos isolados é muitas vezes difícil de determinar, embora o medo seja sempre que uma pequena minoria de pessoas possa ser motivada pelos comentários de um líder a provocar violência.

    Mas as alegações de Trump de que Biden e Harris têm culpa direta ressaltam a natureza extrema de seus próprios instintos políticos.

    Ryan Wesley Routh, suspeito identificado como o investigado pelo FBI por aparente tentativa de assassinato contra Donald Trump. • Reuters

    Sua alegação de que os avisos de seus adversários sobre sua suposta ameaça à democracia estão colocando sua vida em risco é particularmente contundente. Isso implica que é ilegítimo que seus oponentes apontem a verdade: que seu comportamento passado – ao tentar derrubar a eleição de 2020 e espalhar falsas alegações de que a votação deste ano será corrupta – sugere que ele representa um perigo para o sistema democrático dos EUA.

    Sua posição, que parece uma tentativa de suprimir a liberdade de expressão, também pode ser um presságio sombrio de como ele se comportaria se ganhasse um segundo mandato.

    Trump jogou uma carta política semelhante no debate presidencial da semana passada, quando Kamala Harris levantou sua ameaça de terminar com a Constituição e de usar o Departamento de Justiça como arma contra seus inimigos políticos.

    Ela disse que, como a Suprema Corte e Vance não impediriam Trump se ele voltasse à Casa Branca, “cabe ao povo americano pará-lo”. A vice-presidente estava claramente falando em um contexto político, mas Trump respondeu: “Provavelmente levei um tiro na cabeça por causa das coisas que eles dizem sobre mim”.

    Apesar dos intensos debates políticos, houve um momento na segunda-feira que relembrou a normalidade política perdida. Biden e Trump tiveram uma conversa telefônica, e o presidente expressou seu alívio por seu ex-rival estar seguro. O candidato republicano disse em nota à CNN que foi “uma ligação muito agradável”.

    Republicanos afirmam que democratas são culpados de incitação

    Incitação e retórica inflamatória muitas vezes são interpretadas de maneiras diferentes. Os republicanos ficaram indignados, por exemplo, com a afirmação de Biden em agosto de 2022 de que a base filosófica do movimento MAGA (Make America Great Again) era como “semi-fascismo”. (A acusação não se tornou um elemento comum da retórica do presidente).

    O deputado democrata de Nova York, Daniel Goldman, disse no ano passado em uma entrevista que Trump precisava ser “eliminado” – um comentário que Vance citou na segunda-feira. Goldman rapidamente se desculpou por sua “pobre escolha de palavras” e disse que não desejava mal a Trump.

    Mas se os democratas às vezes passam do ponto, Trump construiu uma marca política com base nas afirmações mais extravagantes já feitas por um presidente ou ex-presidente na história moderna dos Estados Unidos.

    A escala e a intensidade de seus ataques verbais superam em muito qualquer coisa que os democratas já tenham dito contra ele. Ele chama Harris de “fascista” em quase todas as aparições públicas – por exemplo, ele disse em 26 de agosto, na Virgínia, que “temos uma pessoa fascista concorrendo que é incompetente”. Ele usou retórica semelhante em 23 de agosto, 17 de agosto e 3 de agosto em eventos de campanha.

    No início deste ano, ele afirmou que Biden estava dirigindo uma “administração da Gestapo”, referindo-se à polícia secreta genocida nazista. Ele repetiu a linguagem de alguns dos piores tiranos da história ao chamar seus opositores políticos de “vermes” e ao alertar que imigrantes estavam “envenenando o sangue” dos Estados Unidos.

    E quando se recusou a admitir que perdeu a eleição de 2020, Trump convocou seus apoiadores para Washington, D.C., e lhes disse para “lutar como nunca” ou eles perderiam o país. Em seguida, seus apoiadores invadiram o Capitólio dos EUA, tentando impedir a certificação da vitória de Biden.

    Desde então, Trump chamou os presos relacionados aos eventos de 6 de janeiro de 2021 de prisioneiros políticos e disse que consideraria perdoá-los se voltar à Casa Branca em novembro. Mesmo agora, Trump avisa que só aceitará o resultado da eleição deste ano se considerá-lo justo e alertou que buscará prender funcionários e oponentes políticos se voltar ao poder.

    “Ele explora o medo e a ansiedade das pessoas. Ele nos define com ódio e medo”, disse a deputada democrata de Michigan, Debbie Dingell, em um evento de campanha para Harris. “Essa violência precisa parar, mas também precisamos entender quem e o que ele é e quanto ele está contribuindo para isso”, disse ela, acrescentando: “Ele não disse que aceitará os resultados das eleições”.

    Apoiadores de Trump durante ataque ao Capitólio em Washington • 06/01/2021 REUTERS/Leah Millis

    As mídias sociais frequentemente ajudaram Trump a injetar toxicidade na vida política. Após o incidente de domingo, um de seus apoiadores mais proeminentes – Elon Musk, que é dono do X – questionou por que Trump enfrentou duas tentativas aparentes de assassinato e seus rivais nenhuma.

    “E ninguém está nem mesmo tentando assassinar Biden/Kamala”, escreveu Musk em um post que mais tarde deletou. Ele argumentou depois que o post era uma piada, embora, dada a violenta história política dos EUA e o assassinato de quatro presidentes americanos, seja difícil entender como alguém poderia achar tais comentários engraçados.

    A retórica de Trump e seus aliados também tornou a vida perigosa para outros. O Dr. Anthony Fauci, ex-especialista em doenças infecciosas do governo, disse à CNN, neste ano, que, quando é atacado, por exemplo, pela deputada Marjorie Taylor Greene, da Geórgia, durante audiências no Congresso, o número de ameaças de morte contra ele aumenta. “Há um segmento da população que acredita nesse tipo de absurdo”, disse Fauci.

    Organizações de mídia e funcionários eleitorais também enfrentaram ameaças ao serem alvos dos ataques infundados de Trump. Promotores e juízes precisam de segurança extra enquanto lidam com casos de Trump, já que são alvo de suas críticas diárias.

    E mesmo enquanto as consequências chocantes de outra aparente tentativa de assassinato contra Trump continuam a se desenrolar, o impacto da retórica dele e de Vance é evidente em Springfield, Ohio.

    Depois que Trump amplificou as alegações falsas no debate, o governador republicano de Ohio, Mike DeWine, mobilizou a patrulha rodoviária estadual para monitorar as escolas da cidade, que receberam ameaças de bomba.

    Em outras partes de Springfield, as aulas na Universidade Wittenberg foram realizadas remotamente na segunda-feira, enquanto a polícia do campus e as autoridades locais avaliavam ameaças por e-mail de um atentado à bomba e um tiroteio no campus, que tinham como alvo “membros da comunidade haitiana”, segundo a universidade.

    Em sua entrevista à CNN, Vance disse que qualquer sugestão de que ele ou Trump agiram de forma a causar tais ameaças era “nojenta”.

    É também nojento que alguém considere assassinar um ex-presidente que concorre em uma eleição democrática. No entanto, o registro histórico mostra que, embora Trump tenha se tornado uma vítima de uma cultura política tóxica, ele também é um de seus principais instigadores.

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