Eleição em Luxemburgo, neste domingo (8), tem eleitorado e candidata brasileira
Aumento no número de brasileiros com dupla cidadania luxemburguesa chamou atenção dos partidos políticos
Cerca de 10 mil quilômetros é o que separa Florianópolis, em Santa Catarina, da cidade de Luxemburgo, capital do país europeu de mesmo nome. Apesar da distância, atualmente, a capital catarinense abriga milhares de brasileiros com dupla nacionalidade luxemburguesa.
São cidadãos de Luxemburgo que – na maioria dos casos – nunca moraram no país. Alguns, nunca foram a Luxemburgo, e nem pretendem se estabelecer por lá. A maior parte também nunca conheceu um parente que nasceu no país.
Esta população não está apenas em Florianópolis. Em todo o Brasil, o número de brasileiros com dupla nacionalidade luxemburguesa já ultrapassou a marca dos 27 mil – o que representa cerca de 4% da população de Luxemburgo, um país de apenas 665 mil habitantes.
Em setembro deste ano, o Brasil superou a Bélgica e se tornou o segundo maior país em número de luxemburgueses no exterior. Está atrás apenas da França, que tem 32.640, e à frente da Alemanha, que abriga 20.260 luxemburgueses, segundo a estatística mais recente do governo do Grão-Ducado de Luxemburgo.
Enquanto o Brasil está a milhares de quilômetros de Luxemburgo, esses três países fazem fronteira com o Grão-Ducado, e até já dominaram o atual território luxemburguês em séculos passados.
Além disso, devido à proximidade territorial de Luxemburgo com a Alemanha, Bélgica e França, milhares de pessoas – inclusive luxemburgueses – moram nesses países mas trabalham em Luxemburgo.
O que explica a quantidade atípica de luxemburgueses no Brasil é uma lei que vigorou de 2008 a 2018 e flexibilizou a obtenção da nacionalidade luxemburguesa. Antes, era possível obter a cidadania apenas a partir de uma linhagem paterna.
A nova lei permitiu que a linhagem materna também fosse considerada, desde que o ancestral luxemburguês ainda estivesse vivo em 1º de janeiro de 1900.
O movimento migratório de luxemburgueses ao Brasil aconteceu principalmente entre os séculos XIX e XX. Da mesma forma que outros europeus, como italianos e alemães, eles vieram em um cenário de diminuição do tráfico negreiro no mundo, fim da escravidão no Brasil e crises na Europa, o que fez com essa mão de obra se estabelecesse no Brasil, com destaque para Santa Catarina.
Ao longo deste ano, quase dois séculos após o início desse fluxo migratório, políticos luxemburgueses se deslocaram até Florianópolis, Curitiba e São Paulo para se apresentarem a um novo eleitorado. Em um evento em abril, seis dos sete partidos com representação no parlamento participaram de um congresso com cerca de 600 brasileiros-luxemburgueses.
Ao se tornarem cidadãos luxemburgueses, brasileiros de nascença passaram a poder decidir o futuro político de Luxemburgo e entraram no radar dos partidos.
Eleições
As eleições legislativas de Luxemburgo acontecem neste domingo (8). O país é o último grão-ducado do mundo e uma democracia representativa na forma de monarquia constitucional. O grão-duque Henrique é o chefe de Estado do país, enquanto o primeiro-ministro é o chefe de governo.
Nestas eleições, as mais importantes do país, todos os 60 parlamentares da Câmara dos Deputados de Luxemburgo são eleitos pela população. A maior coalizão – feita entre os partidos após o pleito – costuma eleger o próximo primeiro-ministro.
Um dos mais cotados para o cargo é o atual premiê, Xavier Bettel, que está no poder desde 2013 e pode ser reconduzido por mais cinco anos. Ele é do PD (Partido Democrata), de tendência liberal, e em 2015 se tornou o primeiro líder gay da União Europeia a se casar.
O país, no entanto, nunca teve uma mulher como primeira-ministra. Paulette Lenert, do LSAP, partido socialista, pode ser a primeira.
Luc Frieden, do CSV, também tem chances de assumir o poder. Ele é do partido cristão, que tem o maior número de cadeiras no Parlamento atualmente, mas não faz parte do governo.
As pesquisas indicam que o número de assentos da sigla deve diminuir, de 21 para 19, mas a legenda conservadora ainda deve se manter como a maior em quantidade de cadeiras.
Eleitorado brasileiro
Os brasileiros de nascença agora farão parte da decisão. Nas últimas eleições legislativas, em 2018, havia menos de 3 mil brasileiros com dupla nacionalidade luxemburguesa que moravam no Brasil. Hoje, são mais de 27 mil – um aumento de mais de 1.000% em 5 anos.
Os dados são do Registro Nacional de Pessoas Físicas (RNPP) do Governo de Luxemburgo. O RNPP não divulga publicamente qual a porcentagem de cidadãos luxemburgueses que vivem no exterior que são adultos. De acordo com pesquisa da LuxCitizenship, empresa que auxilia pessoas com cidadania luxemburguesa nas Américas, aproximadamente 70% dos 27 mil, ou seja, quase 19 mil, são maiores de 18 anos – idade mínima para o voto em Luxemburgo.
Segundo dados do governo, 283.879 luxemburgueses podem votar nestas eleições. Se todos os adultos de dupla nacionalidade no Brasil participassem deste pleito, isso representaria cerca de 6% do eleitorado do país.
No entanto, apenas 188 pediram para participar. Valberto Césio May, de 53 anos, é um deles: “Eu acho que a cidadania se torna plena com minha participação no processo eleitoral”, disse à CNN o arquiteto e urbanista, que também é presidente da Aclux (Associação de Cidadãos Luxemburgueses no Brasil), que tem sede em Florianópolis.
Para ele, votar nas eleições do país faz com que ele se sinta efetivamente cidadão luxemburguês e que sua cidadania não é apenas um “simples documento”. “A partir do momento que eu sou cidadão, eu posso exercer meus direitos e deveres. E acho que isso faz parte também da nossa integração”, completou.
Ele obteve sua cidadania em 2018, a partir de uma linhagem masculina. Apesar dessa ancestralidade já ser aceita antes, com condições mais restritas, disse que com a nova lei, a possibilidade de se tornar luxemburguês se tornou mais conhecida pelas pessoas, inclusive por ele.
O arquiteto já foi a Luxemburgo três vezes, mas nunca morou no país e nem pretende se mudar para lá. Um dos motivos é já estar estabelecido profissionalmente no Brasil. “O fato de eu não estar morando lá não quer dizer que eu não possa estar participando disso”, reforçou.
Embate
Mas May faz parte de um grupo pequeno que poderá votar nestas eleições.
Além de haver um prazo para a solicitação do voto por correio, única categoria permitida no exterior, o que impede aqueles que obtiveram a nacionalidade mais recentemente de participar do pleito, uma decisão do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Europeus estabeleceu a necessidade dos expatriados apresentarem um passaporte ou documento de identidade luxemburguês para votar.
Segundo pesquisa da LuxCitizenship, apenas cerca de metade dos brasileiros-luxemburgueses tinham passaporte ou carteira de identidade de Luxemburgo.
Ainda de acordo com a pesquisa, se considerados somente aqueles que mostraram intenção de participar do pleito, apenas 11% dos cidadãos luxemburgueses residentes no Brasil pretendiam votar nas eleições legislativas e possuíam passaporte luxemburguês.
Ao adquirir a nacionalidade, a pessoa recebe um certificado garantindo a obtenção da cidadania. A emissão de um documento de identidade, porém, não é automática.
Para conseguir um passaporte, o brasileiro com dupla nacionalidade deve se deslocar até a Embaixada em Brasília, além de esperar por um processo burocrático que pode levar até 10 meses, segundo relatos.
A decisão do governo é contestada por Roberta Züge, de 50 anos, primeira candidata brasileira ao Parlamento de Luxemburgo, segundo a imprensa local.
Candidatura brasileira
Para Züge, a medida foi imposta como uma forma de barrar os votos do exterior. “As pessoas não aceitam a ideia de que alguém do outro lado do oceano possa votar no país, apesar de ser um direito”, disse à CNN.
De acordo com o artigo 64 da Constituição, para ser eleitor no país, é necessário ser luxemburguês e ter ao menos 18 anos no dia da eleição. A Carta proíbe o voto no caso de um tribunal restringir este direito, nos casos previstos pela lei, e não menciona a necessidade de apresentação de um documento.
Alguns brasileiros contestaram formalmente essa exigência. A resposta do governo foi que o artigo 170 da lei eleitoral modificada de 18 de fevereiro de 2003 estabelece que “qualquer pessoa domiciliada no estrangeiro deverá apresentar cópia do seu documento de identidade ou passaporte válido”. No entanto, a lei não especifica que o documento tenha que ser luxemburguês.
Foi na determinação do ministério, este ano, que isso foi acrescentado.
Procurada pela CNN, a Embaixada do Grão-Ducado de Luxemburgo em Brasília reforçou a necessidade de passaporte para participar do pleito.
A candidata também falou sobre a demora para a obtenção do documento no Brasil.
“O tratamento que é dado para os luxemburgueses no exterior é muito desigual. As pessoas estão levando cerca de 10 meses para conseguir um passaporte com a embaixada. Em Luxemburgo, é possível obtê-lo em menos de uma semana”, disse.
A CNN questionou o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Europeus de Luxemburgo sobre a demora no processo e aguarda retorno.
“Muita gente tinha solicitado o documento no começo do ano e não vai conseguir votar, porque não chegou a tempo”, apontou a candidata.
De nome brasileiro e sobrenome alemão, Züge nasceu em Santo André, no ABC Paulista, e é filha de pais catarinenses. Ela também morou em Recife e Curitiba antes de se mudar para Luxemburgo, em 2020, após obter sua cidadania em 2018, por uma linhagem materna.
Um outro pleito da candidata é um processo mais transparente e igualitário na validação dos diplomas universitários no país.
Médica veterinária pela Universidade de São Paulo (USP), ela conta que conseguiu autorização para trabalhar na área depois de quase dois anos “de briga”. “Eu tenho mestrado, doutorado, todos os diplomas com equivalência, e nem me respondiam”.
Ela conta que essa luta, compartilhada publicamente, deu evidência a ela. “Eu acabei ganhando visibilidade por conta da barreira que criaram por puro preconceito”.
“Existe falta de profissionais. E ao mesmo tempo que existe essa carência – faltam médicos, por exemplo – existem todas essas barreiras em relação aos diplomas emitidos no Brasil”, e completa: “isso é uma das demandas que precisam ser incluídas, não só para a gente do Brasil”.
- Roberta Züge, candidata brasileira ao Parlamento de Luxemburgo / Amanda Sant’ Anna
Ela também pretende lutar por um tratamento igualitário na obtenção da cidadania. A lei que impulsionou o reconhecimento de nacionalidade abriu uma janela de apenas 10 anos para a solicitação da nacionalidade luxemburguesa para aqueles que tinham uma linhagem materna.
Esse pedido é a primeira fase do processo, que se encerrou em 2018. Com isso, quem não fez essa solicitação, e tem apenas ascendência por parte das mulheres da família, não pode mais tentar a cidadania.
O mesmo não acontece com aqueles que têm linhagem paterna. Eles continuam podendo pedir reconhecimento da nacionalidade.
Além disso, os descendentes de linhagem feminina precisam ir até Luxemburgo para assinar a cidadania. Essa é a segunda fase do processo, cujo prazo foi prorrogado de 2020 para 2025, devido à pandemia. Já aqueles de linhagem masculina, não precisam se deslocar.
“Essa é uma questão até de justiça, ainda mais eu sendo mulher. Eu acho que é um tratamento desigual tão gritante que isso precisa ser corrigido”, contesta a candidata.
O partido a qual ela está se candidatando – o Piratas – tentou reabrir outra janela de 10 anos, mas apenas os dois deputados do partido votaram pela aprovação da medida.
Züge também defende melhorias nos programas de integração do país. Para além da questão da dupla nacionalidade e imigração, ela se destaca no partido em pautas de saúde, devido à sua formação.
O Piratas, legenda centrista fundada em 2009, aposta neste pleito em candidatos de origem lusófona. Dos 60 postulantes, três são de origem portuguesa, dois cabo-verdiana, e uma brasileira – a Roberta, que também é a única nascida no exterior.
As previsões indicam que nestas eleições o partido possa alcançar cinco ou seis assentos.
Luxemburgo tem três línguas oficiais: francês, alemão e luxemburguês. Este último, é usado nos debates no Parlamento. Se eleita, a brasileira precisará de um tradutor para acompanhá-la nas sessões, já que ainda não domina o idioma.
Ainda assim, Züge tem apoio de luxemburgueses, além de brasileiros. Há um número expressivo que mora em Luxemburgo, sendo que cerca de mil estão aptos a votar nestas eleições, segundo estimativa da LuxCitizenship.
Mas segundo a candidata, ela está recebendo ajuda até mesmo de brasileiros que não podem participar do pleito.
Quando ainda duvidava se deveria aceitar o convite do partido para se candidatar, escutou de um brasileiro: “esse convite não é seu, ele é nosso. Ele representa nossa comunidade”.