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    Depois de Prigozhin, quem vai enfrentar Putin na Rússia?

    O chefe do Grupo Wagner saiu de aliado a opositor do presidente russo, o que pode ter selado seu destino

    Prigozhin e Putin chegaram a ser aliados
    Prigozhin e Putin chegaram a ser aliados Reuters

    Análise por Nathan Hodgeda CNN

    Os destroços do jato privado da Embraer de Yevgeny Prigozhin foram retirados do local do acidente. As caixas pretas foram recuperadas. Mas a fumaça metafórica ainda não se dissipou em Moscou após a aparente morte do chefe do grupo mercenário Wagner.

    Ainda não sabemos o que derrubou o Legacy 600 da Embraer de Prigozhin. Uma análise de especialistas aponta para a possibilidade de uma explosão – e talvez nunca saibamos ao certo o que houve.

    VÍDEO – Kremlin rejeita acusações sobre morte de Prigozhin

    Para usar uma comparação cabível no contexto, a maior caixa preta dessa catástrofe é o aparelho de estado do presidente russo Vladimir Putin, que não é conhecido pela sua transparência.

    E isso leva a uma questão muito maior: como o cenário russo vai mudar depois da saída do homem que representou o mais grave desafio ao governo de Putin em mais de duas décadas?

    Putin ofereceu a sua própria posição ao fazer uma referência às contribuições do ex-aliado para a guerra contra a Ucrânia.

    “Eu conhecia Prigozhin há muito tempo, desde o início dos anos 90”, declarou Putin na quinta-feira (24). “Ele foi um homem de destino difícil, que cometeu sérios erros na vida, e alcançou os resultados necessários tanto para si mesmo, como – e eu mesmo lhe perguntei sobre isso – para uma causa comum, como nesses últimos meses. Era um homem talentoso, um empresário talentoso”.

    Mas a verdadeira mensagem que Putin enviou, depois de esperar um dia inteiro após o acidente, pareceu direcionada para a elite russa. E ela dizia: os erros podem ser fatais.

    O Kremlin negou veementemente a especulação de que o estado russo pode estar envolvido no acidente.

    “Tudo isso é uma mentira absoluta”, declarou o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. “Agora, claro, há muita especulação em torno desta catástrofe e da morte trágica dos passageiros do avião, incluindo Yevgeny Prigozhin”.

    Mas nem todos são fáceis de serem convencidos. Em julho, após o motim interrompido de Prigozhin, o presidente dos EUA, Joe Biden, brincou numa conferência de imprensa que, se fosse Prigozhin, “teria cuidado com o que como, ficaria de olho no meu cardápio”.

    Bombeiros trabalham em meio aos destroços após o acidente do jato privado de Prigozhin no dia 23 de no dia 23 de agosto. / Investigative Committee of Russia/Reuters

    Piadas à parte, Biden disse algo sério. A marcha sobre Moscou pelos homens de Prigozhin foi uma ameaça direta para o estado russo e uma afronta pessoal a Putin, que há muito tempo cultiva uma imagem de czar de total domínio e quase infalibilidade.

    Então, quem ousaria enfiar desafiar Putin agora? Qualquer aspirante a Prigozhin – e parece que não há nenhum no horizonte imediato – provavelmente está consciente de atravessar linhas vermelhas reais ou percebidas.

    Vale a pena lembrar que Prigozhin nunca teve um reconhecimento particularmente elevado na Rússia, pelo menos certamente não antes da invasão da Ucrânia. Mas os sucessos do Grupo Wagner no campo de batalha aumentaram o seu prestígio. A televisão estatal russa elogiou os combatentes do Wagner por terem capturado a cidade ucraniana de Bakhmut, no leste da Ucrânia.

    O cenário mudou no final de junho, depois que a marcha do Grupo Wagner para Moscou ter levantado a inquietante possibilidade de guerra civil na Rússia. Prigozhin pode ter chamado a rebelião mercenária de “protesto”, mas a revolta arruinou seriamente sua imagem. O instituto de pesquisa independente Levada-Center fez um levantamento em julho que descobriu que a aprovação pública de Prigozhin tinha caído após a insurreição abortada.

    Mesmo assim, isso não significa que Prigozhin não tivesse seguidores leais. As ações do Grupo Wagner foram seguidas de perto por uma série de blogueiros nacionalistas. Prigozhin – que recrutou membros nas prisões russas e usou a mesma linguagem pesada dos condenados – parecia ter conquistado o respeito de muitos de seus combatentes.

    VÍDEO – Waack explica o que pode ter derrubado o avião com o líder mercenário Yevgeny Prigozhin

    Portanto, será que a aparente morte de Prigozhin ameaça mobilizar os seus seguidores, apresentando um potencial desafio ao estado? Na fase atual, não. Após o motim, os combatentes do Grupo Wagner receberam a proposta de assinar contratos com a força militar regular e Igor Girkin, um ultranacionalista de linha dura que criticou abertamente Putin, foi preso. Os precedentes foram assim estabelecidos.

    Depois do acidente, os fãs e apoiadores de Prigozhin não foram dissuadidos de colocar flores na frente da sede do Grupo Wagner em São Petersburgo, a segunda maior cidade da Rússia e a cidade natal de Putin e de Prigozhin. Matthew Chance, da CNN, até viu uma das horríveis lembranças deixadas no local: um martelo, símbolo da brutalidade do Wagner, aninhado entre os buquês de flores.

    Mas os buquês – assim como os martelos – podem ser removidos. Por isso, vale a pena recordar um crime político que abalou a Rússia em 2015: o assassinato do carismático opositor Boris Nemtsov, que foi morto a tiros perto do Kremlin. Durante anos, os admiradores de Nemtsov continuaram deixando  flores no local da ponte onde ele foi morto. As autoridades locais sempre varreram as flores, e nenhum memorial permanente foi colocado para o político morto

    Os apoiadores não violentos de Nemtsov eram uma classe de pessoas muito diferente dos soldados rasos de Prigozhin na Ucrânia e outros lugares: Nemtsov, que investigava a guerra secreta de Putin no leste da Ucrânia quando foi morto, era o rosto do ativismo liberal cada vez mais enfraquecido na Rússia.

    Alexey Navalny, que sucedeu a Nemtsov como o líder da oposição mais vocal da Rússia, está atualmente numa colônia prisional russa, juntamente com muitos outros que se opuseram pacificamente à guerra de Putin contra a Ucrânia. Num post escrito da prisão após a morte de Prigozhin (que segundo ele foi causada pelo próprio de Putin), Navalny avisou que o líder do Kremlin tinha estabelecido as bases para uma possível guerra civil na Rússia.

    “São os ingredientes usados para criar o prato chamado ‘guerra civil’”, escreveu. “Eles criaram uma gangue. Armaram a gangue. Dissolveram a gangue. Mataram os líderes”.

    Não há provas apontando para o envolvimento do governo russo ou dos serviços de segurança russos no acidente. Mas a vida e o destino de Prigozhin desnudaram as fissuras dentro da gerontocracia paranoica e vingativa que governa a Rússia.

    Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

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