Decisão da Justiça francesa é piada de mau gosto, diz à CNN irmão de vítima do voo 477
Fundador da associação de parentes de vítimas lamenta nova absolvição das empresas Airbus e Air France no julgamento da tragédia que deixou 228 mortos em 2009
Marteen Van Sluys perdeu a irmã Adriana Van Sluys no voo Air France 447. Ela era assessora de imprensa da Petrobras e viajava a trabalho a Seul, com escala em Paris. Ele diz que apesar de todas as provas reunidas, depoimentos, especialistas, advogados, a decisão da Justiça francesa de absolver a fabricante Airbus e a companhia aérea Air France já era esperada.
“No ano passado estivemos nas audiências em Paris e as perspectivas da defesa, os nossos depoimentos e os da promotoria já apontavam de alguma forma para uma decisão corporativista da defesa francesa em relação às duas grandes empresas francesas envolvidas nesse caso. O fato de citá-las como responsáveis, porém não culpadas é entendido por nós como uma piada de mau gosto”, diz Van Sluys, que é fundador da associação que representa os parentes de vítimas do voo 447 no Brasil.
A caixa-preta revelou que a causa do acidente foi o congelamento dos medidores de velocidade Pitot. O piloto automático parou de funcionar e o modo manual foi acionado. Em vez de manter a estabilidade, o jovem copiloto Pierre-Cédric Bonin, de 32 anos, empinou o nariz do avião, levando o airbus 330 a romper a altitude máxima e perder sustentação. O comandante do voo, Marc Dubois, de 58 anos, descansava na hora da falha, e quando chegou à cabine, a aeronave já estava sem controle.
Ainda que reconheçam a responsabilidade do jovem piloto na tragédia, familiares dizem que as empresas deveriam ter substituído os medidores, já que outros incidentes com pitots haviam acontecido antes do voo. E também dizem que a Air France deveria ter treinado melhor seus pilotos.
Claire Durousseau, que perdeu um sobrinho e uma sobrinha no voo conversou com jornalistas no Tribunal de Paris, logo após o resultado do julgamento. Muito abalada, ela criticou fortemente a decisão. “Acreditamos na justiça até o fim, até o momento que entramos na sala hoje, todos nós acreditamos. Mas infelizmente saímos sem nada, porque nossos mortos estão mortos mesmo, morreram pela segunda vez hoje, entendeu? Eu’ Estou muito triste, sinto um frio na barriga. Estou com nojo.
Como presidente da associação brasileira de vítimas do 447, Van Sluys afirma que o sentimento é de uma ferida reaberta. Ele diz que fica a tristeza, mas também a certeza de que, pelos familiares queridos, valeu a pena ter lutado por longos e dolorosos anos.
“Fica a decepção e a certeza que a justiça será feita, ainda que não pelo judiciário francês. Infelizmente, hoje fomos surpreendidos por essa notícia, mas recordações e lembranças dos nosso familiares permanecerão pra sempre nos nossos corações”, diz.
Relembre o caso
Em 1º de junho de 2009, o voo AF447 caiu no Oceano Atlântico no meio da noite, 3 horas e 45 minutos depois de decolar do Aeroporto do Galeão, às 19h29 do horário de Brasília. O avião transportava passageiros de 33 nacionalidades, entre eles: 61 franceses, 58 brasileiros, 28 alemães, nove italianos e dois espanhóis.
Os primeiros destroços do avião e os corpos de algumas das vítimas foram encontrados nos dias seguintes.
O que torna um dos acidentes mais fatais da história da França ainda mais excepcional é a demora de dois anos para encontrar o resto do avião e as duas caixas-pretas. Após longas buscas, a fuselagem da aeronave modelo A330 foi encontrada em 2 de abril de 2011, a 3.900 metros de profundidade.
As duas caixas-pretas foram localizadas nos dias 1 e 3 de maio de 2011 e trouxeram informações precisas sobre os parâmetros da aeronave e as conversas entre os três pilotos, momentos antes do impacto. Com a recuperação das caixas-pretas, foi revelada a principal causa do acidente: o congelamento dos sensores de velocidade Pitot.
O avião reportou ao centro de controle em Recife sua posição e depois seguiu para o leste, em direção a uma tempestade tropical, em uma zona de encontro de massas de ar dos Hemisférios Sul e Norte, na região equatorial, chamada de “Doldrums”, local onde ocorrem tempestades frequentes.
O comandante, Marc Dubois, de 58 anos, com 11 mil horas de experiência de voo, havia deixado o cockpit para descansar. Às 2h10, os outros dois pilotos, menos experientes, Pierre-Cédric Bonin, 32, David Robert, 37, estavam sozinhos no comando da aeronave, quando o cenário mudou.
Com as falhas na medição de velocidade e a desconexão do piloto automático, Bonin, que assumiu o controle manual da aeronave, em vez de manter a altitude de voo, comandou erroneamente para a aeronave subir, ultrapassando a altitude máxima prevista, o que levou a aeronave a perder sustentação. A tripulação não conseguiu recuperar o controle e o avião então caiu em queda livre, de uma altitude de 11,5 quilômetros, em 3 minutos e meio.
A caixa-preta revelou registros dos momentos antes do acidente que causaram forte comoção. Os pilotos diziam: “Não entendo o que está acontecendo (…) Não tenho mais controle do avião. Não tenho controle do avião de jeito nenhum (…) vai subir ou vai descer”?
Em 5 de julho de 2012, o Escritório de Investigações e de Análises (BEA) da Aviação Civil, órgão do Ministério dos Transportes, concluiu as investigações. O relatório do BEA diz essencialmente que o acidente foi provocado principalmente por erros dos pilotos e falta de treinamento da tripulação, que não soube agir diante de um problema mecânico. O órgão concluiu que três fatores foram decisivos para a queda: falhas técnicas, falta de treinamento e erros de pilotagem.
Posteriormente, reportagem da revista francesa Le Point revelou que o relatório do BEA omitiu um diálogo entre os registros da caixa-preta sobre a fadiga do comandante Marc Dubois.”Ontem à noite não dormi o suficiente. Uma hora antes não foi suficiente”, disse Dubois, poucos minutos antes de ir para o descanso.
Durante as investigações, muitas famílias questionaram a imparcialidade do BEA, acusando a agência de proteger a Airbus e a Air France ao concluir que a tragédia havia sido causada sobretudo pela negligência dos pilotos.
Luis Claudio Lupoli, coronel aviador da reserva, que foi o representante brasileiro dentro da investigação do BEA, afirma que um dos principais pontos de conclusão do órgão sobre o acidente foi que Bonin comandou o nariz da aeronave para cima após a falha dos sensores, o que a levou a perder a sustentação.
“Quando os sensores Pitot falharam, o piloto automático deixou de funcionar, é como se o sistema falasse: ‘estou louco, então assumam o controle manual da aeronave’. O piloto deveria ter olhado o horizonte de voo e mantido a altitude. Mas ele se assustou, talvez temendo ultrapassar a velocidade máxima estrutural, e ‘cabrou’ o avião, puxou para cima, subindo à altitude de 38 mil pés. Com o ar rarefeito, a aeronave perdeu sustentação e não conseguiu mais se apoiar no ar””, diz o coronel.
Ele acrescenta que o sensor pitot descongelou logo em seguida, portanto se a manobra não tivesse ocorrido a situação poderia ter sido controlada. “A gente até levantou uma questão de ergonomia, de psicologia, que é a tendência do ser humano de puxar, de não deixar que o avião afunde, não caia”, diz Lupoli.
Um especialista em acidentes aeronáuticos que trabalhou por décadas no setor, mas prefere não revelar o nome, afirma que as investigações não respondem questões cruciais como: por que os sensores pitot não foram trocados previamente, sendo que havia indicações anteriores de falhas em voos e recomendações para troca; e por que o comandante master, Dubois, não estava na cabine.