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    Copa: Catar diz que todos são bem-vindos, mas torcedores LGBTQIA+ preferem não arriscar

    No início do mês. o embaixador da Copa do Mundo e ex-jogador de futebol Khalid Salman disse que a homossexualidade era “um dano na mente”

    No Catar, a homossexualidade é ilegal e punível com até três anos de prisão
    No Catar, a homossexualidade é ilegal e punível com até três anos de prisão Cecilie Johnsen/ Unsplash

    Aimee Lewisda CNN

    “Eu sou um homem e amo homens. Eu faço –por favor, não fique chocado– sexo com outros homens. Isso é normal. Então, por favor, se acostume com isso, ou abandone o futebol”. Dario Minden era um torcedor de futebol alemão relativamente desconhecido antes que um vídeo dele com um discurso poderoso viralizasse nas redes sociais em setembro.

    Na maior parte do discurso de 15 minutos, ele fala em seu alemão nativo e depois muda para o inglês –uma escolha que ele fez para ter mais impacto. Ele queria que o mundo ouvisse.

    Olhando diretamente para o embaixador do Catar na Alemanha, Abdullah bin Mohammed bin Saud al-Thani, em uma sala cheia de dignitários e patrocinadores em uma conferência de direitos humanos em Frankfurt, organizada pela Associação Alemã de Futebol, Minden disse suas palavras impactantes. Sentado na primeira fila, a câmera vira brevemente para al-Thani e mostra-o olhando e ouvindo Minden.

    “O futebol é para todos”, continuou Minden. “Não importa se você é lésbica, se você é gay, é para todos. Para os meninos, as meninas e todos entre eles. A regra de que o futebol é para todos é muito importante. Não podemos permitir que vocês acabem com isso, não importa o quão rico sejam. O senhor é mais do que bem-vindo para participar da comunidade internacional de futebol e, também, é claro, para sediar um grande torneio. Mas no esporte, é assim. É preciso aceitar as regras”.

    Quando Minden termina, um aplauso pode ser ouvido de alguns membros da plateia.

    Que ele ama homens e faz sexo com homens não é um problema em sua terra natal, mas é no Catar, um país que a partir deste domingo (20) vai sediar durante um mês a Copa do Mundo, um dos maiores e mais lucrativos eventos esportivos do mundo.

    Como a primeira Copa do Mundo realizada no Oriente Médio, ela é sem dúvida um evento histórico. Mas, ao mesmo tempo, é um caldeirão de controvérsias, incluindo a morte de trabalhadores imigrantes, as condições de trabalho nos preparativos para o torneio e os direitos LGBTQIA+ e das mulheres. No Catar, a homossexualidade é ilegal e punível com até três anos de prisão. Um relatório da Human Rights Watch, publicado no mês passado, documentou casos recentes, de setembro último, das forças de segurança do Catar prendendo arbitrariamente pessoas LGBTQIA+ e submetendo-as a “maus-tratos na detenção”.

    Falando à CNN, o torcedor alemão Minden disse que não iria para o Catar e não assistiria à competição pela TV. “Quando falamos sobre a situação dos direitos LGBTQIA+, não tratamos apenas dos turistas de futebol, mas também da situação antes e especialmente depois da Copa do Mundo”, disse.

    Após a conferência, Minden afirmou que conversou em privado com o embaixador, que teria respondido que todos são bem-vindos no Catar. Mas Minden declarou à CNN: “Não é seguro e não está certo”.

    “Todos são bem-vindos no Catar”

    Uma autoridade do governo do Catar disse à CNN em um comunicado que o anfitrião da Copa do Mundo é um país inclusivo. “Todos são bem-vindos no Catar”, disse a declaração, acrescentando: “nossos registros mostram que recebemos calorosamente todas as pessoas, independentemente do histórico”.

    Medidas estavam sendo implementadas para garantir que não ocorresse qualquer tipo de discriminação. Segundo a Fifa, elas incluem sessões de treinamento sobre direitos humanos para as forças de segurança públicas e privadas e a promulgação de disposições legais para a proteção de todos.

    Um comunicado enviado à CNN em nome do Comitê Supremo de Entrega e Legado (SC) –que, desde sua formação, em 2011, tem sido responsável por supervisionar os projetos de infraestrutura e planejamento para a Copa do Mundo– disse que ele está comprometido com “uma Copa do Mundo inclusiva e livre de discriminações”. O comitê aponta para o fato de que o país sediou centenas de eventos esportivos internacionais e regionais desde que foi escolhido para a Copa do Mundo em 2010.

    “Nunca houve um problema e todos os eventos foram feitos com segurança”, continuou a declaração.

    “Todos são bem-vindos no Catar, mas somos um país conservador e qualquer manifestação pública de afeto, independentemente da orientação, é desaprovada. Nós simplesmente pedimos que as pessoas respeitem nossa cultura.”

    Entretanto, surgiram mensagens mistas, como a do embaixador da Copa do Mundo e ex-jogador de futebol Khalid Salman, que disse no início deste mês que a homossexualidade era “um dano na mente”, em uma entrevista à emissora alemã ZDF.

    Quando a CNN pediu seu conselho a qualquer membro da comunidade LGBTQIA+ viajando para o Catar, a Fifa se referiu a uma recente declaração pública feita por Fatma Samoura, secretária-geral da federação. Ela disse: “não importa sua raça, sua religião, sua orientação social e sexual, você é muito bem-vindo, e os cataris estão prontos para recebê-lo com a melhor hospitalidade que você pode imaginar”.

    “Não me sinto confortável”

    No entanto, para o inglês Rob Sanderson, o respeito às culturas é uma “via de mão dupla”. Sanderson é secretário do Pride in Football, uma rede de grupos de torcedores LGBTQIA+ do Reino Unido e um dos grupos de apoiadores que uniram forças numa carta aberta para condenar tanto a Fifa quanto o Comitê Supremo. O documento desafia a federação e as alegações do Catar de que faria uma Copa do Mundo para todos.

    Sanderson sempre acompanha os jogos da seleção da Inglaterra e foi vítima de um ataque homofóbico em Wembley há quatro anos, antes da partida da Inglaterra contra a Espanha em 2018, quando brigou com outro torcedor. O incidente foi reportado à polícia e investigado, diz ele, mas havia “evidência insuficiente” para prosseguir. Mesmo assim, no geral, ele se sente bem aceito nos jogos da Inglaterra, onde Sanderson e seus amigos têm bandeiras de orgulho celebrando sua comunidade e o time.

    No entanto, ele não vai para o Catar e diz que se, a Inglaterra ganhar o torneio, será um troféu manchado.

    “Não me sinto confortável em viajar para o Catar e ser de alguma forma visível, já que, se mostrasse visivelmente que sou um torcedor LGBTQIA+, tudo o que estou fazendo é desenhar um alvo nas minhas costas num local hostil para mim”, disse à CNN o homem de 34 anos.

    “Eu não me sinto confortável em ser usado como desculpa para qualquer hostilidade que aconteceria depois do torneio. Não me parece correto”.

    O Catar não é o primeiro anfitrião controverso de um grande evento esportivo, ou mesmo de uma Copa do Mundo da Fifa. A última edição foi realizada na Rússia, um país que introduziu leis em 2013 que proíbem a “propaganda de relações sexuais não tradicionais”.

    Nos preparativos para o torneio de 2018, o Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido alertou sobre um “aumento dos riscos” para os membros da comunidade LGBTQIA+ que viajam para a Rússia.

    Sanderson conta que alguns membros do Pride in Football foram para a Rússia, sentindo que era seguro porque, na era pós-soviética e pré-Putin, a sociedade russa já havia aceitado as relações entre pessoas do mesmo sexo. Mas nenhum de seus membros vai para o Catar. “É um ambiente totalmente diferente”, opinou.

    “Eles disseram ‘todos são bem-vindos’, mas estabeleceram um limite, dizendo ‘você deve respeitar nossa cultura’”.

    É bem conhecido que a Fifa pediu às nações participantes da Copa do Mundo que se concentrem no futebol quando o torneio começar no domingo.

    A Fifa confirmou à CNN que uma carta assinada pelo presidente da Fifa, Gianni Infantino, e pela secretária-geral Samoura foi enviada para as 32 nações participantes, mas não divulgou seu conteúdo.

    Uma declaração conjunta emitida no início deste mês pelos grupos de fãs Pride in Football, Rainbow Wall e Three Lions Pride disse: “vamos ser claros: falar sobre direitos humanos não é nem ideológico nem político. É simplesmente pedir decência e a capacidade de as pessoas poderem assistir a seus times sem medo de abuso”. Várias federações europeias também emitiram comunicados dizendo que continuariam a fazer campanha no torneio sobre questões de direitos humanos e compensação correta para os trabalhadores migrantes.

    Gareth Bale, outrora o jogador de futebol mais caro do mundo e capitão do País de Gales, vai usar uma braçadeira OneLove durante os jogos no Catar em apoio a uma campanha que promove a diversidade e a inclusão. O País de Gales é um dos oito países europeus participantes na Copa do Mundo que apoia a iniciativa.

    Falando aos repórteres antes de viajar ao Catar, o ex-jogador do Real Madrid disse: “Podemos lançar uma luz sobre os problemas que estão acontecendo”.

    No entanto, Hugo Lloris, capitão da França, outro time que participa da campanha OneLove, disse na segunda-feira (14) que teve que “mostrar respeito” à cultura do Catar quando perguntado por repórteres sobre o uso de uma braçadeira de cor de arco-íris.

    “Na França, quando acolhemos estrangeiros, muitas vezes queremos que eles cumpram nossas regras e respeitem nossa cultura –e eu farei o mesmo quando for para o Catar”, declarou.

    A Inglaterra voou para o Catar na terça-feira (15) em um avião chamado “Rain Bow” (um trocadilho com rainbow, arco-íris) e a seleção dos EUA (conhecida pela sigla USMNT) está exibindo um logotipo do arco-íris na instalação de treinamento da equipe em Doha. Falando com repórteres, o treinador Gregg Berhalter disse: “reconhecemos que o Catar tem feito progressos, uma tonelada de progressos, mas ainda há algum trabalho a fazer”.

    Quanto mais perto chegarmos ao início da partida de abertura entre Catar e Equador em 20 de novembro, mais altas as vozes dissidentes estão se tornando e mais visíveis os sinais de apoio às questões LGBTQIA+.

    A Copa do Mundo, como os Jogos Olímpicos, coloca o país anfitrião sob um holofote global. Normalmente, a maioria das controvérsias são esquecidas quando o esporte começa, mas tal tem sido a intensidade do foco no tópico dos direitos humanos do Catar que seria surpreendente se todos fossem deixados de lado quando o apito soar no domingo. É improvável que as manchetes no próximo mês sejam apenas sobre futebol.