Conheça posições de Biden sobre a China, possível maior desafio de sua política
Enquanto o presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, enfrenta um transição feia e contestada por seu oponente, a política externa pode ser a última coisa em sua mente.
Mesmo assim, nas capitais de todo o mundo, líderes estrangeiros já estão clamando pela atenção de Biden, na esperança de redefinir relacionamentos e restaurar as normas que mudaram sob o presidente Donald Trump.
Em nenhum lugar haverá maior oportunidade para uma mudança do que no relacionamento EUA-China, que se deteriorou a mínimos históricos durante o mandato de Trump. Nos últimos quatro anos, os dois lados se estapearam com tarifas comerciais, acesso restrito para empresas de tecnologia, jornalistas e diplomatas, consulados fechados e se enfrentaram militarmente no Mar da China Meridional.
Analistas de ambos os países ainda estão debatendo se Biden adotará as políticas mais punitivas de Trump em relação à China ou se tentará reiniciar as relações entre os governos de Washington e Pequim.
Mesmo na mídia estatal chinesa, há sinais de que o Partido Comunista está prendendo a respiração, sem saber qual direção o novo governo tomará.
“A China não deve alimentar ilusões de que a eleição de Biden irá amenizar ou reverter as relações China-EUA, nem deve enfraquecer sua crença na melhoria dos laços bilaterais. A competição dos EUA com a China e sua reserva contra a China só vai se intensificar”, escreveu o jornal estatal Global Times em um editorial no domingo (15).
Até o momento, nenhuma declaração política oficial sobre a China foi divulgada pela equipe de transição de Biden. O presidente eleito, porém, não é nenhum novato em política externa. Durante suas quase cinco décadas na política nacional, Biden esbarrou várias vezes na China. Como senador, ele desempenhou um papel importante para que o gigante asiático se tornasse membro da Organização Mundial do Comércio em 2001.
Os analistas agora estão olhando para as declarações anteriores e comentários mais recentes feitos durante a campanha para ver como o presidente eleito abordará o que pode ser seu desafio de política externa mais urgente.
Durante o governo Obama, no qual Biden foi vice-presidente de 2009 a 2017, as relações com Pequim tinham um alto grau de importância, decorrente em parte do novo status da China como a segunda maior economia do mundo.
Embora a China estivesse ganhando força econômica e militarmente, a diplomacia durante esse período foi guiada em grande parte por tentativas de cooperação, ao invés de confronto. As principais disputas foram em sua maioria contidas e centradas em questões de segurança, como o aumento da presença militar da China no Mar do Sul da China e a espionagem cibernética.
De acordo com Obama, a conversa entre os dois países moldaria o século 21 e, portanto, relações estáveis eram críticas não apenas para os EUA, mas para o mundo em geral.
Biden viajou a Pequim em várias ocasiões durante os esforços para obter o apoio chinês para uma série de políticas importantes de Obama, incluindo tentativas de conter as ambições nucleares da Coreia do Norte.
Durante uma dessas viagens, em 2013, Biden se encontrou com o presidente Xi Jinping, que se referiu ao então vice-presidente como um “velho amigo da China”. Uma conversa privada programada de 45 minutos entre os dois líderes durou duas horas.
Em declarações públicas, Biden descreveu as relações em termos otimistas. “Se acertarmos esse relacionamento com um novo modelo genuíno, as possibilidades serão ilimitadas”.
Entretanto, apesar das acusações da campanha de Trump de que Biden estava muito próximo da China, há evidências de que suas opiniões mudaram nos últimos anos, em consonância com os novos humores em Washington, onde o governo chinês é cada vez mais visto não como um parceiro potencial dos EUA, mas como seu principal rival.
Durante as primárias democratas em fevereiro, Biden referiu-se ao presidente chinês Xi Jinping como um “criminoso” e disse que Pequim tinha que “seguir as regras”. Um anúncio da campanha Biden em junho acusou Trump de sendo “manipulado” pela China.
O foco renovado na China é evidente do documento da Plataforma do Partido Democrata, lançada em agosto de 2020. Na última campanha presidencial, em 2016, o documento fez apenas sete referências à China. A versão deste ano teve mais de 22.
“Os democratas serão claros, fortes e consistentes em recuar onde temos profundas preocupações econômicas, de segurança e de direitos humanos sobre as ações do governo da China”, afirmou o documento.
Comércio
Uma das principais bases da plataforma de política externa do presidente Trump tem sido sua guerra comercial com o país asiático.
Desde meados de 2018, o governo Trump impôs tarifas sobre centenas de bilhões de dólares de importações chinesas, em uma tentativa de reduzir o déficit comercial dos EUA com a China e forçar os chineses a abrirem ainda mais sua economia.
Pequim e Washington atingiram um?acordo comercial “fase um”?em janeiro de 2020, mas muitas áreas de desacordo ainda permanecem sem solução, incluindo os subsídios da China para empresas estatais que estão competindo no mercado global.
Comentários recentes de Biden sugerem que ele continuará a agir contra o governo chinês por causa de suas políticas econômicas. Mas, em?uma entrevista com a NPR em agosto, o então candidato democrata deixou claro que acreditava que as tarifas eram tão ruins para os EUA quanto para a China.
“A indústria entrou em recessão. A agricultura perdeu bilhões de dólares que os contribuintes tiveram de pagar. Estamos perseguindo a China da maneira errada”, afirmou.
Biden parece favorecer a construção de uma coalizão global para forçar a China a liberalizar sua economia.
“O que eu faria a China cumprir seria agir de acordo as regras internacionais, não como ele [Trump] fez”, disse Biden durante seu segundo debate com Donald Trump em outubro. “Precisamos ter o resto de nossos amigos conosco, dizendo à China: ‘Estas são as regras. Você joga por elas, ou vai pagar o preço economicamente’.”
Também há sinais de que Biden pode abraçar aspectos da guerra tecnológica de Trump contra a China. Sob Trump, os EUA tentaram pressionar os parceiros diplomáticos a rejeitar a tecnologia 5G feita na China, isolar Pequim de componentes vitais dos EUA e direcionar aplicativos populares executados por empresas chinesas.
Biden disse em setembro que estava preocupado com o popular aplicativo chinês TikTok,?que tem sido um alvo preferencial do governo Trump. “Eu acho que é uma questão de preocupação genuína que o TikTok, uma operação chinesa, tenha acesso a mais de 100 milhões de jovens, especialmente nos Estados Unidos da América”, disse ele.
Na Plataforma do Partido Democrata de 2020, há outra dica de que o governo Biden continuará o esforço de Trump para impedir que os aliados usem a tecnologia 5G produzida pela gigante chinesa da tecnologia Huawei. “Trabalharemos com nossos aliados e parceiros para desenvolver redes 5G seguras e enfrentar ameaças no ciberespaço”.
Leia também:
Agronegócio brasileiro quer construir pontes com Joe Biden
Impasse na transição pode afetar segurança nacional dos EUA
Trump troca oficiais da Defesa por nomes leais a ele e liga alerta no Pentágono
Mar da China Meridional
Tanto o governo de Obama quanto o de Trump seguiram políticas que resistiram às amplas e não comprovadas reivindicações do governo chinês no Mar da China Meridional.
Foi durante o governo Obama-Biden que o governo chinês começou a construir e militarizar ilhas artificiais na vasta hidrovia. Os EUA então começaram suas?operações de liberdade de navegação?na região, conduzindo navios da marinha norte-americana nas proximidades das ilhas e recifes artificiais construídos por Pequim, em uma demonstração de que Washington não reconheceria as alegações da China.
Sob Trump, os EUA intensificaram essas operações e declararam publicamente que?“a maioria” dos pedidos da China?para o mar são ilegais.
Biden não fez grandes declarações públicas sobre o Mar da China Meridional, mas não há indicação neste estágio de que ele reverterá as políticas duras de Trump na região. Ele pode até fortalecê-las.
Em 2016, a plataforma democrática se referiu simplesmente à proteção da ‘liberdade dos mares no Mar da China Meridional”. Quatro anos depois, ele alerta explicitamente sobre “a intimidação dos militares chineses” na região.
Mais de uma vez durante a campanha, o democrata contou a história de como informou sem rodeios o?presidente Xi em 2013?de que os EUA continuariam a voar pela região, apesar do governo chinês estabelecer uma Zona de Identificação de Defesa Aérea não reconhecida.
“(Ele disse) que não podemos voar sobre essa parte. Eu disse que vamos voar sobre essa parte… Não vamos prestar atenção”, contou Biden durante?seu segundo debate com Trump,?em outubro.
Biden reforçou sua posição de ignorar as reivindicações expansionistas da China na Ásia-Pacífico desde que se tornou presidente eleito. Em um telefonema com o primeiro-ministro japonês Suga Yoshihide na quinta-feira (12), Biden se comprometeu a defender as disputadas Ilhas Senkaku no Mar da China Oriental, que são reivindicadas tanto pelo Japão quanto pela China.
Taiwan
Sob o presidente Trump, os Estados Unidos tomaram medidas para fortalecer os laços oficiais com Taiwan, especialmente durante os últimos 12 meses. O governo Trump autorizou?bilhões de dólares em vendas de armas?para a ilha autônoma e, em agosto, o secretário de Saúde e Serviços Humanos Alex Azar tornou-se?a mais alta autoridade dos EUA?a visitar Taiwan em décadas.
Biden há muito tempo é a favor do apoio dos EUA a Taiwan e seu governo democraticamente eleito. Na verdade, durante seu tempo como senador, o presidente eleito votou a favor da Lei de Relações com Taiwan, de 1979, que permitia aos EUA manter relações não oficiais com Taipei, ao mesmo tempo que reconhecia formalmente o governo de Pequim.
A China afirma que Taiwan faz parte de seu território, embora os dois lados tenham sido governados separadamente desde o fim da guerra civil em 1949. O presidente chinês Xi prometeu “reunir” Taiwan com a China continental?pela força, se necessário.
Em um?artigo de opinião escrito em 2001, o então senador disse que os Estados Unidos têm um “interesse vital em ajudar Taiwan a manter sua vibrante democracia”. Mas ele deixou claro que os EUA não tinham a “obrigação” de defender a ilha de ataques. “O presidente não deve ceder a Taiwan, muito menos à China, a capacidade de nos atrair automaticamente para uma guerra através do Estreito de Taiwan”, escreveu.
Biden não falou muito sobre Taiwan durante a campanha ou desde o início de sua transição. No entanto, não há indicação de que ele está planejando recuar nas políticas de Trump.
O presidente eleito tuitou seus parabéns à presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, quando ela foi reeleita em janeiro de 2020 e ela retribuiu quando ele venceu em novembro.
Em um sinal revelador, o Partido Democrata removeu da plataforma de 2020 qualquer menção da política chamada de “Uma China”, o acordo pelo qual os EUA reconheciam que há apenas uma China e Taiwan faz parte dela.
Apresentada em 2016, a política foi substituída por uma nova linguagem aparentemente atualizada. No lugar dela, os democratas estão agora comprometidos em continuar ‘uma resolução pacífica das questões através do Estreito, consistente com os desejos e os melhores interesses do povo de Taiwan”.
Xinjiang e Hong Kong
Desde que o governo Trump assumiu o poder em 2017, tem havido um fluxo crescente de denúncias de abusos generalizados dos direitos humanos na região de Xinjiang, no oeste da China.
O Departamento de Estado dos Estados Unidos estima que até dois milhões de cidadãos de minorias muçulmanas, incluindo uma imensa quantidade de uigures, foram mantidos em centros de detenção, onde ex-detentos alegam que foram doutrinados, abusados e até esterilizados.
Nos últimos 12 meses, o governo Trump tomou uma série de ações punitivas contra a China por causa de suas políticas em Xinjiang, incluindo sanções contra funcionários do Partido Comunista e proibições de produtos feitos possivelmente com trabalho forçado dos uigures.
Antes da eleição em 3 de novembro, uma série de exilados uigures disseram à CNN que estavam preocupados que Biden?não foi duro o suficiente?ao enfrentar o governo chinês e trazer resultados reais para seus amigos e familiares em Xinjiang.
Todas as declarações de Biden, sua campanha e o documento do Partido Democrata, no entanto, mostram pouca tolerância com as ações do governo chinês contra os uigures e indica que um governo Biden tomará novas medidas.
Falando sobre o presidente chinês Xi em um debate democrático nas primárias em fevereiro, Biden disse: “Este cara é um criminoso, que na verdade tem um milhão de uigures em ‘campos de reconstrução’, ou seja, campos de concentração”.
A campanha de Biden rotulou as ações da China em Xinjiang de “genocídio”, palavra cujo uso o governo Trump ainda debatia?no início deste ano. Se um governo Biden adotasse a mesma linguagem, colocaria os Estados Unidos muito à frente da maioria das outras nações em sua condenação ao governo chinês.
Os uigures exilados não estão sozinhos em suas preocupações de que a saída de Trump da Casa Branca levaria os EUA a recuar em sua abordagem dura em relação à China.
Muitos defensores da democracia em Hong Kong, que lutam contra a repressão do governo chinês às liberdades civis no cenário financeiro internacional, também?esperavam um segundo mandato de Trump,?citando preocupações de que Biden não será duro o suficiente com Pequim.
Mas, em?uma declaração em maio, a campanha de Biden culpou Trump pela repressão da China em Hong Kong e prometeu que daqui para frente haveria “valores claros, fortes e consistentes quando se tratasse da China”.
James Griffiths, Steven Jiang e Jill Disis da CNN contribuíram para esta história.
(Texto traduzido,?clique aqui?para ler o original em inglês)