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    Como as mudanças climáticas ameaçam alguns dos imóveis mais cobiçados do mundo

    As maiores chuvas em 140 anos em Hong Kong causaram deslizamentos que afetaram condomínio de altíssimo padrão na encosta da cidade

    Vista para o condomínio fechado de alto luxo da penínsusla de Redhill, em Hong Kong
    Vista para o condomínio fechado de alto luxo da penínsusla de Redhill, em Hong Kong Wikipedia

    Kathleen MagramoChris Lauda CNN

    Até recentemente, as casas de luxo da península de Redhill pareciam um oásis para os ricos de Hong Kong que aspiravam um estilo de vida tranquilo numa metrópole notoriamente apertada de 7,5 milhões de habitantes.

    Sua localização na falésia e as vistas para o Mar da China Meridional oferecem o antídoto perfeito para a agitação da vida urbana ao seu condomínio fechado de magnatas, estrangeiros e celebridades.

    Mas esse mesmo local sofreu com os próprios atributos em 8 de setembro, quando uma tempestade trouxe as chuvas mais fortes em quase 140 anos para Hong Kong, causando estragos em toda a cidade.

    Duas pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas quando as chuvas caíram sobre a cidade costeira, inundando estações de metrô e transformando estradas em rios.

    O caos não se limitou às planícies inundadas. Na beira do penhasco que separa a Península de Redhill do mar, ela destruiu o solo, deixando três casas milionárias perigosamente perto da borda e provocando uma evacuação.

    Numa cidade que acabava de viver o verão mais quente de já registrado em sua história, as chuvas sem precedentes foram uma demonstração poderosa da ameaça representada pelas mudanças climáticas e pelas suas consequências associadas aos eventos extremos.

    Mas, para os residentes da península de Redhill, foi também um lembrete de que as mudanças climáticas estão reescrevendo as regras do que pode ser considerado uma construção “segura”, e mostram que mesmo as casas mais caras e mais bem construídas podem ser vulneráveis a elas.

    Para alguns, pode até ser um lembrete de que essas regras talvez nem existam.

    As autoridades municipais dizem que estão investigando se as violações do código de construção em algumas das casas contribuíram para o problema, em um desdobramento que deve alimentar a percepção de que os ricos não seguem as mesmas regras que os pobres.

    Independentemente do que as investigações descubram, os especialistas dizem que eventos climáticos extremos como o de Hong Kong se tornarão mais frequentes.

    Quando isso acontecer, tanto ricos como pobres sofrerão as consequências, mesmo que os primeiros tenham muito mais capacidade de se recuperar dos desastres do que os outros.

    Como destaca Benny Chan, presidente do Instituto de Arquitetos de Hong Kong, Hong Kong é há muito tempo propensa a tufões e chuvas torrenciais e tem “muita experiência na construção desse tipo de casas à beira de penhascos”.

    A cidade também possui padrões de segurança rigorosos projetados ao longo de muitos anos tendo em mente deslizamentos de terra, diz ele.

    Portanto, teria sido razoável – pelo menos até algumas semanas atrás – esperar que um lugar como a península de Redhill fosse seguro para se estar durante uma tempestade.

    Casas de US$ 20 milhões

    É provável que esta seja uma constatação desconfortável para quem investiu na Península de Redhill – um dos bairros mais caros num dos mercados imobiliários mais caros do mundo.

    Eles podem custar entre US$ 10 milhões e US$ 20 milhões, e o aluguel pode chegar a US$ 20 mil por mês.

    Mas os corretores imobiliários locais dizem que o efeito que a tempestade deve ter sobre os preços é uma questão “sensível” para alguns membros da comunidade.

    Quando a CNN visitou Redhill na semana passada, carros esportivos e SUVs da Porsche, Land Rover e Ferrari estavam entre os veículos que passavam pela entrada, onde um segurança impedia que o grupo de jornalistas entrassem.

    Detalhe das casas da península de Redhill, em 13 de setembro / Chris Lau/CNN

    A verdadeira atração do bairro, de acordo com uma corretora de imóveis com mais de duas décadas de experiência na venda de propriedades ali, é sua comunidade unida.

    “Tem uma escola internacional e as crianças podem se ver em casa depois da escola”, disse o agente, falando sob condição de anonimato devido à delicadeza do assunto. Ela se referia à Escola Internacional de Hong Kong, uma das mais prestigiadas da cidade.

    “Quase todas as casas têm vista para o mar”, disse ela.

    As três casas mais afetadas pelos deslizamentos tinham mais de 250 metros quadrados de área, cada uma avaliada em até US$ 11,5 milhões, contou.

    Regras desatualizadas

    Os padrões climáticos recentes têm perturbado muitas pessoas por ali, depois que dois tufões seguidos varreram a região num espaço de menos de duas semanas.

    O tufão Saola, que passou por Hong Kong em 1º de setembro, foi o mais forte a atingir a cidade em cinco anos.

    Uma semana depois, os restos do tufão Haikui desencadearam as chuvas que causaram os problemas em Redhill, além de causarem dezenas de deslizamentos de terra e deixarem grandes áreas da cidade alagadas.

    Os cientistas dizem que as mudanças climáticas tornarão estes fenômenos meteorológicos ainda mais frequentes, e uma parte deles alerta que Hong Kong precisará repensar sua estratégia de mitigação das chuvas.

    Leung Wing-mo, ex-diretor assistente do observatório meteorológico da cidade, disse à emissora pública RTHK que as tempestades estão se tornando mais difíceis de prever devido às mudanças climáticas.

    Com isso em vista, arquitetos e engenheiros também estão pedindo que a cidade reveja os padrões estabelecidos há décadas para os edifícios nas encostas, incluindo muitas mansões luxuosas.

    A cidade sofreu alguns dos seus piores deslizamentos de terra na década de 1970, incluindo um que derrubou uma série de edifícios residenciais no bairro nobre de Mid-Levels, causando 67 mortes.

    A mesma chuva forte que causou o deslizamento de terra em Mid-Levels em 1972 também provocou o colapso de uma colina num distrito da península de Kowloon, em Hong Kong, dizimando uma ocupação ilegal em Sau Mai Ping e causando outras 71 mortes.

    O professor de engenharia estrutural Ray Su, da Universidade de Hong Kong, disse que a série de incidentes catastróficos levou o governo da época a reforçar encostas em toda a cidade, transformando Hong Kong em um dos lugares mais resistentes contra deslizamentos e inundações no mundo.

    Mas alguns engenheiros temem que regras de segurança que pareciam adequadas no passado possam já não ser suficientes.

    Ray Su explica que algumas das casas baixas da cidade ainda eram construídas em bases rasas. Em cenários de chuva extrema, “elas podem sofrer um grande golpe com um deslizamento de terra”, disse ele.

    Bomba-relógio

    Para complicar as coisas para a península de Redhill, há a suspeita das autoridades de que algumas das propriedades em perigo podem nem ter cumprido as regras antigas.

    Após a tempestade, os órgãos de fiscalização detectaram o que suspeitam ser alterações ilegais feitas nas três propriedades de Redhill – alterações que, segundo os especialistas, podem ter contribuído para o desastre.

    Essa suspeita é uma espécie de terceira camada de problema em uma cidade que tem um histórico de escândalos envolvendo pessoas ricas e políticos alterando suas propriedades e violando códigos de construção, fazendo expansões ilegais que, na visão dos mais céticos, não sairiam impunes para os menos abastados.

    O Departamento de Edifícios de Hong Kong afirma que, entre as modificações não autorizadas, estão porões, uma piscina e uma extensão de três andares.

    A questão é tão controversa que até o líder da cidade, John Lee, interveio, prometendo que o governo investigará e processará qualquer pessoa que tenha violado os códigos de construção.

    “Os deslizamentos em Redhill já nos mostraram que parte do conjunto apresenta riscos, por isso os órgãos responsáveis irão inspecionar a área”, disse ele na semana passada.

    Investigações preliminares mostraram que um muro de contenção foi demolido em uma das casas.

    Chan, do Instituto de Arquitetos de Hong Kong, disse que a modificação poderia desestabilizar a estrutura do penhasco onde elas estão e afetar fortemente a drenagem do solo, levando a mais deslizamentos.

    Ele diz que, embora as lições dolorosas do passado tenham dado origem a padrões elevados na construção de muros de contenção e sistemas de drenagem, o antigo conjunto de regras está lentamente perdendo relevância.

    “Esses padrões foram estabelecidos há muito tempo”, disse ele. “Eles podem suportar tanta chuva? É hora de o governo olhar para isso novamente”, acrescentou.

    Chan Kim-ching, fundador da Liber Research Community, uma organização não-governamental que fiscaliza as autoridades nas questões relativas ao uso da terra, disse que os problemas de segurança que foram descobertos com as modificações ilegais vão muito mais longe do que os casos de Redhill.

    O grupo comparou recentemente contratos disponíveis em registos públicos e identificou pelo menos 173 casas em toda a cidade suspeitas de violações em terras públicas.

    “Acompanhávamos esse tema porque ele envolve o uso justo dos recursos públicos. Nunca nos ocorreu que se pudesse ser também uma questão de segurança pública”, disse ele. “É como uma bomba-relógio”, acrescentou Chan.

    Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

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