Com mudança de cálculo em 2020, meta anunciada na COP26 pode aumentar emissões, dizem especialistas
Especialistas explicam como alteração nas contas de emissões faz nova meta parecer ambiciosa, mas pode representar um retrocesso na política ambiental
O ministro Joaquim Leite, anunciou, durante a COP26, a intenção de submeter à ONU uma nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), como é chamado o documento de compromissos climáticos enviado pelos países.
Pelo documento, o Brasil reduz a meta de emissões de poluentes até 2030. Mas, na melhor das hipóteses, o Brasil praticamente voltou ao ponto de partida no compromisso de emissões de gases do efeito estufa, firmado no Acordo de Paris, em 2015. Isso se não acabar aumentando a quantidade de emissões.
O compromisso de redução é de 50% das emissões até 2030 e a base para esse cálculo é o ano de 2005. Mas, em dezembro de 2020, o governo brasileiro mudou a forma de fazer esse cálculo.
Na prática, a nova meta diz que o país pode emitir entre 1,22 ou 1,28 gigatoneladas de CO2. A meta firmada anteriormente, em 2015, era de 1,2 gigatoneladas. Procurado pela CNN, o Ministério do Meio Ambiente ainda não se posicionou.
Conforme a CNN apurou, o ministério deve detalhar a base de cálculo e os números absolutos de emissão ao longo dos próximos painéis na COP26, que ocorre em Glasgow, na Escócia.
Essa mudança nos cálculos vem sendo chamada por especialistas de “pedalada climática”. “São vários detalhes que precisamos saber, mas temos questões críticas. Precisamos entender a metodologia que está sendo usada”, explica Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.
O Instituto Talanoa lidera, junto com o Instituto Clima e Sociedade e o Centro Clima da UFRJ, a iniciativa “Clima e Desenvolvimento: Visões para o Brasil 2030”, que reúne mais de 300 especialistas para criar cenários e visões de futuro para um Brasil de baixo carbono.
Em uma nota técnica, o Tanaloa explica que, na promessa anterior, o corte de emissões, de 1,2 gigatoneladas, representava 43% de redução.
Embora o Brasil ainda não tenha dado os detalhes de como pretende cumprir a nova meta, o ministro já indicou que adotará um conjunto de dados conhecido como o Quarto Inventário Nacional de Emissões, que atualiza a base científica para o cálculo de emissões e, assim, mexe, de forma retroativa, no patamar de emissões do ano de 2005 — referência para se medir a redução futura. Na prática, os 50% atuais podem aumentar a quantidade de emissões até 2030.
Os detalhes técnicos são os seguintes. No dia 31 de dezembro de 2020, o governo atualizou a NDC, deixando o nível de 2,1 gigatoneladas para usar o de 2,8 gigatoneladas emitidos em 2005. O Quarto Inventário Nacional considera duas métricas: ass chamadas GWP-AR5 (Global Warming Potential) e a GWP-SAR.
A primeira foi a base utilizada na primeira NDC do Brasil, em 2015. Com isso, usar a GWP-SAR significa alcançar um patamar de 1,22, em 2030. Com a GWP-AR5, o patamar alcançado seria de 1,28.
Na época, diante das críticas sobre o cálculo da meta, o governo alegou, por meio de nota, que, de acordo com a NDC, a informações sobre as emissões em 2005 e valores de referência poderão ser atualizadas e recalculadas em função de aperfeiçoamentos das metodologias aplicáveis aos inventários.
Ainda informou que a Terceira Comunicação Nacional foi mencionada na NDC apenas por conter o inventário brasileiro de emissões vigente neste momento. E que “ao permitir a atualização dos valores de referência com base nos aperfeiçoamentos metodológicos na elaboração de inventários, a nova NDC busca apenas respeitar a melhor ciência disponível e diretrizes atualizadas do IPCC”.
Para corresponder com exatidão à meta antiga, seria necessário adotar um percentual entre 51% e 54% para o fim desta década. E para apresentar uma meta verdadeiramente mais ambiciosa, seria necessário passar desses 54%.
Com a meta apresentada hoje, o Brasil pode gerar uma “sobra” cerca de 400 milhões de toneladas em 2030, segundo o Tanaloa. Isso é maior que a redução de emissões de desmatamento na Amazônia e no Cerrado estimada — e não alcançada — em 2020.
Equivaleria também a oito anos de emissões do setor elétrico brasileiro. Além de representar um aumento das emissões, a nova meta não cumpre a ambição climática prevista no Acordo de Paris. Também não indica como podemos atingir os 50%.
Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), explica que o Brasil tinha uma meta para 2030, mas também uma anterior para 2025.
Antes de chegar aos 43%, o país precisaria bater 37% na redução das emissões. Além de mudar a base de cálculos, que aumenta a porcentagem, não foi anunciado o número absoluto para 2030, muito menos uma meta intermediária, para 2025.
“A meta anunciada pelo governo deveria ter ajustado a meta de 2025 para dar alguma segurança sobre a trajetória brasileira, e isto eles não fizeram. Sem os planos, sem instrumentos e sem acabar com desmatamento são só números”, afirmou.
“Temos que entender a base de cálculo e a meta de 2025. Todos os países têm uma meta intermediária e o governo não colocou esse número na mesa. Parece que colocaram uma meta para um próximo governo.”
A revisão da meta em 2020 tem como objetivo incentivar a ambição climática, mais um problema no anúncio da meta brasileira. Toni explica que o desejo geral era que os países chegassem à COP26 superando os compromissos firmados e ajustando para reduzir ainda mais as emissões.
“Refizemos a meta, o que é bom, mas colocamos ela igual ao que foi firmado em 2015, em termos de volume de carbono”. A única forma de acontecer uma meta mais ambiciosa é se o governo usar a meta de 50%, porém considerar o volume de emissões de 2005 em 2,1 gigatoneladas.
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Benefícios da transição para uma economia de baixo carbono
Além de melhorar a meta, os especialistas defendem que é preciso se planejar. E o primordial é que o desmatamento seja reduzido o quanto antes.
Para Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, a meta atual pode inclusive aumentar o desmatamento, quando deveria incentivar uma diminuição drástica.
“A gente fez todos os estudos sobre o que é ambicioso e o que pode ser feito. E tem três principais questões: reduzir radicalmente o desmatamento, apostar na restauração florestal e a terceiro é criar um mercado doméstico de carbono”, explica.
Para solucionar todas essas questões, é preciso entender a atual crise como uma oportunidade para alavancar uma nova economia. Carlos Eduardo Young, professor do Instituto de Economia da UFRJ, explica que o importante é entender que a transição para uma economia de baixo carbono não é prejudicial para a economia, mas sim uma grande aliada. E essa perspectiva estaria sendo negligenciada.
Young conta que a transição requer investimento e esforço que gerariam uma demanda para a recuperação econômica. Ele diz que é exatamente o planejamento que governos europeus e o Estados Unidos estão discutindo, e cita o New Green Deal como referência de planejamento do governo americano. “A recuperação econômica vai ser através das ações climáticas”, defende.
Existem muitos exemplos para ilustrar a lógica. Com investimento na eletrificação de ônibus urbanos, ocorre um ganho social, por melhorar a qualidade do serviço, ambiental, por reduzir as emissões, e ainda a criação de uma atividade econômica ao ser necessário investimento para reestruturação, manutenção, entre outros.
Outro setor importante para a redução de emissões é o saneamento básico. Ao repensar a coleta de resíduos sólidos, por exemplo, diminui-se a emissão de metano, um problema grave dos aterros sanitários. Isto demanda uma reconstrução das cidades com um viés de adaptação.
“Podemos fazer a conta do lado oposto, o quanto está custando não fazer essa transição, privilegiando um modelo predatório. Isso está custando uma crise hídrica, que é um problema de má gestão e não de escassez. Podemos fazer o cálculo de quanto custa uma tempestade de areia como a que atingiu São Paulo, que paralisa a cidade”, explica.
O que diz o governo
Em nota, o Ministério do Meio Ambiente informou que “o Brasil aderiu ao compromisso global para redução das emissões de metano e também à declaração de florestas e uso da terra. Essas iniciativas já foram assumidas pelo país dentro de seu Compromisso Nacional Determinado de redução de gases de efeito estufa, que incluem redução de metano e desmatamento ilegal”.
O texto prossegue, destacando dois programas do governo federal. O primeiro é a Política Nacional de Resíduos Sólidos. “Foi lançado em 2019 o Programa Nacional Lixão Zero, que representou avanços importantes no encerramento de cerca de 20% dos lixões no País”, diz a pasta.
O segundo é o Plano ABC+, “referência mundial de política pública na promoção de tecnologias e práticas sustentáveis, com meta de redução de emissão de gases de efeito estufa, dentre eles metano, de 1,1 bilhão de toneladas no setor agropecuário até 2030”, ainda de acordo com o texto.