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    Com assassinatos em alta, nunca foi tão perigoso ser jornalista no México

    Até agora, 11 profissionais da imprensa já foram mortos no país, que luta para conter a violência na sociedade como um todo

    Matt Riversda CNN

    Tivemos que nos desculpar pelo atraso. O trânsito estava horrível, explicamos. Foi só depois de quase uma hora rastejando pelo tráfego quase parado em uma rodovia de Tijuana, no México, que vimos o acidente que causou o engarrafamento da hora do rush.

    Dois veículos, uma caminhonete e um velho sedã de quatro portas estavam empilhados em um cruzamento movimentado. Toda a janela do lado do passageiro da picape foi visivelmente estourada.

    “Ah, aquele?” disse Jesus Aguilar, um jornalista de Tijuana que cobre o crime que estamos atrasados ​​para conhecer. “Sim, isso foi como a cena de assassinato número cinco hoje. Vai ser uma noite movimentada.”

    O motorista da caminhonete foi atirado pela janela do lado do passageiro no cruzamento e colidiu com o sedã como resultado.

    Tropeçar em uma cena de assassinato não é incomum em Tijuana. Em um país assolado por homicídios, a cidade se destaca. Mais de 800 homicídios já foram registrados só neste ano, de acordo com autoridades da cidade – e isso é apenas contando os crimes documentados. Especialistas dizem que o número real é maior.

    O estado de Baja California, onde está localizada Tijuana, também é conhecido pelos desaparecimentos. Se o passado é uma indicação, muitas dessas pessoas nunca serão encontradas – e provavelmente estão mortas.

    Repórteres criminais, como Aguilar, com certeza estarão sempre ocupados. Mas também correm um risco extremo de se tornarem vítimas dos mesmos crimes que estão cobrindo.

    Este ano, 11 jornalistas no México foram mortos, de acordo com o grupo de direitos humanos Artigo 19.

    O turno da noite

    O jornalista policial Arturo Rosales – que concordou em deixar a CNN acompanhá-lo em um de seus turnos noturnos na semana passada – está ciente dessa realidade todas as noites.

    Nós nos encontramos em um parque vazio perto do infame distrito da luz vermelha da cidade, onde Rosales para em um táxi que ele possui. “Se eu tiver tempo de inatividade entre as cenas do crime, dou carona às pessoas”, disse ele. “Este trabalho não paga muito.”

    O trabalho de Rosales depende inteiramente do que ele ouve em um pequeno rádio que mantém apoiado no console do carro. Está sintonizado nas frequências da polícia e dos socorristas. Estamos com ele por cerca de cinco minutos antes de ouvirmos uma mensagem sobre um corpo encontrado em um caminhão perto de uma rodovia.

    “Nós vamos a bairros muito perigosos para documentar essas coisas”, disse Rosales, enquanto aceleramos em direção ao local. “Às vezes fico com medo”, disse ele.

    Muitos dos assassinatos em Tijuana envolvem o crime organizado alimentado por cartéis e gangues que dominam a vida em muitas partes do México há gerações.

    Apenas chegar perto desses assassinatos coloca os jornalistas em risco inerente, em perigo de tudo, desde serem diretamente visados ​​por cobrir os crimes – até simplesmente estarem no lugar errado na hora errada.

    Jornalista Arturo Rosales / CNN

    Na cena do homicídio, somos recebidos por dois policiais. Eles estão mantendo a área restrita até que os investigadores da cena do crime cheguem. Há tantos assassinatos todos os dias em Tijuana que muitas vezes leva horas para os técnicos aparecerem.

    Rosales cumprimenta um dos policiais: “O que aconteceu?”. O motorista foi baleado em seu carro, disse o oficial, acrescentando: “Fique atrás desta linha, mas (fotografe) o que quiser”.

    Rosales tira fotos e inicia uma transmissão ao vivo no Facebook, aderindo claramente apenas aos fatos mais básicos: o local, a hora e o modo da morte.

    “Ainda não recebi ameaças de nenhum cartel, porque estou aqui para documentar o evento violento e nada mais”, explicou. “Não me meto em confusão nem acuso nenhum cartel, não é da minha conta.”

    Na cobertura de crimes, porém, isso nem sempre protege os jornalistas.

    “Ele me ensinou tudo”

    Uma das primeiras coisas que as pessoas dizem sobre o jornalista Margarito Martinez é que ele era um cara feliz, que sorria mais do que os outros – apesar do que cobria.

    Martinez era de um pequeno, mas conhecido grupo de jornalistas freelance que cobriam crimes em Tijuana. Toda noite ele saía com sua câmera e documentava cena após cena, em grande parte apenas relatando fatos básicos.

    Em 17 de janeiro, ele foi baleado várias vezes perto de sua casa. Alguns de seus amigos e colegas mais próximos com quem ele trabalhou apareceram para cobrir o ocorrido.

    Aguilar, um dos melhores amigos de Martinez, também foi. “É o que fazemos, cobrimos homicídios. Agora eu testemunhei o dele”. “Ele não investigou nada”, disse Aguilar. “Outros jornalistas investigam esses crimes, mas Margarito apenas relatou fatos básicos. Ele não merecia o que aconteceu”, disse ele, acrescentando: “Ele era um grande amigo… Me ensinou tudo o que sei”.

    Dez pessoas foram detidas pelas autoridades mexicanas em conexão com a morte de Martinez mas nenhuma foi formalmente acusada. As autoridades disseram que todos as 10 têm ligações com o crime organizado. Mas as autoridades ainda precisam apresentar um motivo específico para o assassinato.

    Cena do crime do assassinato de Margarito Martinez / Getty Images

    Vários jornalistas de Tijuana disseram à CNN que sabem exatamente por que Martinez foi morto e ofereceram várias teorias, incluindo que ele foi falsamente acusado de compartilhar informações sobre a família de um chefe do crime local. A CNN não pode verificar essa informação de forma independente.

    Ataques e impunidade

    Este ano particularmente violento para os jornalistas mexicanos provocou indignação em todo o país e na própria mídia. Críticos dizem que o governo mexicano é incapaz ou não quer proteger os jornalistas, assim como é aparentemente incapaz de conter os vastos níveis de violência na sociedade como um todo.

    “Veja quantos de nós foram mortos”, disse Aguilar. “Eles dizem que não há esse nível de violência acontecendo, mas isso é besteira. Pura mentira.”

    Aguilar está se referindo ao governo federal, liderado pelo presidente Andrés Manuel López Obrador, que costuma dizer que seu governo protege os jornalistas.

    “Em cada um desses casos (de jornalistas assassinados), pessoas já foram detidas e não há impunidade”, disse López Obrador em entrevista coletiva no início deste ano.

    No entanto, os dados oficiais mostram uma realidade diferente. Mais de 90% dos crimes no México ficam sem solução, de acordo com estatísticas do próprio governo federal – e a grande maioria dos homicídios em que jornalistas foram mortos não é diferente.

    “Quaisquer ameaças, obstáculos ao seu trabalho, quem quer que mate um jornalista, não há consequências porque vivemos em um país de impunidade”, disse Sonia de Anda, jornalista de Tijuana e defensora da liberdade de imprensa, à CNN.

    Ela argumenta que essa cultura também encoraja os criminosos a cometer violência contra jornalistas por simplesmente fazerem seu trabalho.

    Os críticos dizem que a narrativa do presidente também está contribuindo para a violência. López Obrador critica rotineiramente os membros da mídia, atacando-os pessoalmente pela cobertura que ele não gosta, e rotulando alguns como inimigos do povo mexicano.

    Essa retórica, disse de Anda, cria um clima em que a violência contra jornalistas se torna mais provável, se não totalmente encorajada. “Temos um presidente que ataca a liberdade de expressão”, disse ela. “Ele convida seus seguidores a atacar aqueles jornalistas quando não concordam com ele. E aí vem a violência. É a pior que já vimos.”

    Presidente do México, Andrés Manuel López Obrador / 13/05/2022 REUTERS/Daniel Becerril

    Um jornalista, que pediu à CNN que omitisse seu nome por questões de segurança, disse: “Tem sido muito difícil para alguns de nós ultimamente, o luto, o medo, a pressão”.

    Rosales disse que todo mundo se sente assim hoje em dia. Não é difícil perceber por quê.

    Nós o acompanhamos a várias outras cenas de assassinato naquela noite, em alguns dos bairros mais perigosos de Tijuana. Em cada um, a presença da polícia é limitada, com algumas pessoas em volta observando.

    Eles são prováveis ​​observadores, chamados punteros, que trabalham para certos cartéis e observam o que acontece nas cenas dos crimes, explicou Rosales. “Eu apenas faço meu trabalho abertamente, honestamente e depois saio. Mas pode ser assustador”, disse ele.

    Nesse período de 24 horas, 15 homicídios foram registrados em Tijuana – marcando o dia mais violento do ano para a cidade até agora. É apenas uma questão de tempo, disse Rosales, até que outro jornalista se torne outra vítima.