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    Colômbia: três visões sobre a crise no país

    Entenda as visões do governo colombiano, da oposição e do observatório de direitos humanos sobre os conflitos

    Manifestações na cidade de Armênia, Colômbia, em 28/04/2021
    Manifestações na cidade de Armênia, Colômbia, em 28/04/2021 Foto: Santiago Castro/Vizzor Image/Getty Images

    CNN

    A situação na Colômbia não causou somente feridas profundas no país – com dezenas de mortos, confrontos e denúncias de violência –, mas também ultrapassou suas fronteiras, com manifestações massivas e, em sua maioria, pacíficas em diferentes países e com os olhos da comunidade internacional.

    A crise deixa novos questionamentos: o que começou como crítica a uma proposta de reforma tributária – prontamente revogada – do governo de Iván Duque, logo extravasou as tensões acumuladas pela população: a preocupação com a situação da pandemia, a desigualdade social e o debate sobre como as forças de segurança pública devem encarar manifestações.

    A CNN ouviu três vozes de influência nesses temas: Diego Molano, ministro da defesa da Colômbia; Iván Cepeda, senador da oposição; e José Miguel Vivanco, diretor do braço da Human Rights Watch – organização sem fins lucrativos que atua na vigilância dos direitos humanos mundialmente – para as Américas.

    A origem

    Para o Governo

    Em conversa com Maria O’Donnell e Ernesto Tenembaum para a Conecta2, o ministro Diego Molano disse que o contexto de insatisfação social começou com as mobilizações de 2019. Também, desde então, “começou a surgir o vandalismo, o vandalismo que ataca as infraestruturas, e isso na Colômbia respondemos com um grande diálogo nacional que uniu vários setores, onde foram apresentados vários projetos de lei para melhorar a situação de descontentamento social”.

    Esse vandalismo, disse Molano, também se estendeu contra a polícia a partir da mobilização por conta da morte de Javier Ordóñez, estudante de direito que foi morto em uma abordagem policial em 2020.

    “Agora, a partir de 28 de abril e já dentro desse processo, se inicia uma mobilização social e temos claro, como força pública, que há duas ações fundamentais: aqui há um grupo muito importante de colombianos que não saiu para se manifestar, que estão em suas casas respeitando a quarentena. Há um grupo importante de colombianos que saiu para marchar pacificamente com seus protestos, mas surgiu um grupo de vândalos que busca se infiltrar nas manifestações e cometem crimes, e estão afetando severamente os bens públicos, bancos, entidades públicas, destruindo os pedágios, e atentado diretamente delegacias de polícia”, afirmou, sem mostrar evidências.

    Para a oposição

    Para Iván Cepeda, senador do partido de oposição Polo Democrático Alternativo, “é uma crise que foi se acumulando e se agravando – principalmente agora com a pandemia – e que tem pelo menos três planos. Um é a própria pandemia e a sua gestão, que, na minha opinião, teve uma atuação deficiente do governo. Em segundo lugar, a pobreza e a recessão econômica que golpeou uma parte muito grande da população. As estimativas sugerem cerca de 42% da população na pobreza no país. E eu diria também, em terceiro lugar, a não implementação do acordo firmado em 2016, que permitiu o aumento considerável da violência em muitas regiões do país”, disse.

    “Esses fatores ceifaram a paciência da sociedade e estamos vendo mobilizações gigantescas, que eles tentam controlar usando métodos desproporcionais de uso da força e com graves violações dos direitos humanos”, disse Cepeda a Carmen Aristegui da CNN.

    Cepeda argumenta que a mobilização popular “está tomando a forma de um movimento por uma mudança política”, como já foi visto em outros países.

    “Não é somente o fato de que se propõem leis absolutamente injustas, que pressionam de maneira insuportável uma economia debilitada da maioria dos lugares vulneráveis e das classes médias, mas também o contraste entre a corrupção, com o fato de que há setores da economia que, apesar da crise, seguem ganhando e acumulando uma série de lucros que são absolutamente injustos com o resto da população e uma série de privilégios, por exemplo, de altos funcionários do poder público”.

    O senador assinala que se chegou a “um ponto no qual as pessoas sentem um verdadeiro cansaço do governo atual e está reclamando, algo que vai além de uma medida pontual, uma pequena mudança”.

    Manifestantes protestam contra reforma tributária na Colômbia (01.mai.2021)
    Manifestantes protestam contra reforma tributária na Colômbia (01.mai.2021)
    Foto: Reprodução/CNN

    O papel da força pública

    Para o Governo

    Para o ministro Molano, “a força pública colombiana tem a responsabilidade de proteger a quem está em casa – e não protesta – e de garantir protestos pacíficos para os que querem se manifestar”.

    Mas também deve “controlar esse vandalismo que em um conjunto de cidades está muito concentrado, desenvolvendo atividades permanentes, sistemáticas de vandalismo”.

    “Às vezes, sinto que querem colocar a polícia como a inimiga dos colombianos, e os inimigos dos colombianos são os vândalos que estão gerando essa violência”, disse Molano.

    Neste momento, segundo o representante do governo, “há violência e esse exercício da violência, claramente, deve ser controlado pela polícia”.

    Molano ainda afirma que “existem alguns fatos que estão gerando discussão e sobre os quais estamos atuando e respondendo, relacionados a temas como direitos humanos. Dessa forma, nossas forças públicas, e particularmente a polícia, tem que responder”.

    No entanto, para o ministro, “é mais importante entender o contexto, e não considerar que se trata somente de um problema policial, como se fossem os policiais a origem do problema. Se fosse assim, não teríamos um policial assassinado e 585 outros feridos no contexto destas manifestações e ações de vandalismo”.

    O ministro disse que, neste momento, há 38 investigações disciplinares em curso. Das que estão no Ministério Público, oito são por homicídio, 13 por abuso de autoridade e cinco por agressões físicas.

    “A informação que temos por meio da nossa inteligência, e que inclusive já foram investigadas e levadas à Justiça, mostram que esses atos de vandalismo são praticados de forma sistemática e deliberada por organizações vinculadas às Farc e ao ELN, que são grupos armados ilegais na Colômbia, que estão se articulando em gangues, em algumas cidades, e realizam essas ações para gerar instabilidade” diz o ministro.

    Molano disse que já há várias investigações a respeito, mas que ainda não houve condenações.

    Para a oposição

    O senador Cepeda disse que o mais grave aspecto da situação atual “é que há um modelo que começa a ser utilizado no qual a mobilização pacífica e os protestos sociais são tratados como se fossem terrorismo urbano”.

    O oposicionista destaca que isso permite que sejam empregados métodos “que são absolutamente violadores à vida e à dignidade das pessoas”. Cepeda cita como exemplos casos em que membros da polícia e do esquadrão de choque Esmad estão utilizando armas de fogo.

    Para o Américas da Human Rights Watch

    “Não há nenhuma dúvida de que a polícia tem se comportado de mandeira brutal”, afirmou José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da Human Rights Watch, a respeito da atuação dos agentes de segurança.

    Nesse sentido, destacou que “há detenções arbitrárias, há pessoas que com ferimentos nos olhos, nos rostos, surras muito duras, brutais. Hpa centenas de pessoas presas”. Ele também mencionou o caso do policial morto e outros feridos por armas de fogo ou cortantes.

    Para Vivanco, “infelizmente, a tensão não diminuiu nesta semana”. “Pelo contrário, acreditamos que todos os números, todos os dados, as evidências que estamos recolhendo demonstram que a situação está se agravando, e isso é muito angustiante porque, apesar das denúncias e do trabalho que está sendo feito pelos meios de comunicação nacionais e internacionais e também das redes sociais, nossa impressão é que o número de casos continua a crescer”, disse.

    Nesta semana, no Directo USA, Vivanco afirmou que “os soldados colombianos, mais do que outros soldados, estão preparados para a guerra e para o conflito armado. Utilizar soldados para estas tarefas, como faz o presidente Duque, é irresponsável, é brincar com fogo, é muito sério. Devemos recuperar a sanidade e buscar linhas de negociação, de diálogo, que tentam reduzir as tensões”.

    Manifestantes voltam às ruas pelo 9º dia consecutivo de protestos na Colômbia
    Manifestantes voltam às ruas pelo 9º dia consecutivo de protestos na Colômbia
    Foto: Reprodução/CNN Brasil (07.mai.2021)

    os números

    Para o governo

    O ministro afirmou que existem 324 civis “que foram de alguma forma afetados na sua integridade física, por algum golpe ou ferimento” e 23 casos de mortes de civis que são investigados. Ele também explicou que há 585 policiais feridos e um morto.

    Para HRW

    A última informação que o HRW trata é de 36 pessoas mortas no contexto dos protestos. Desse total, “pudemos verificar que 11 foram mortos pelas forças de segurança”, sejam policiais regulares ou de choque, disse Vivanco.

    Os 25 casos restantes estão sendo investigados para estabelecer condições específicas. O HRW também registrou mais de 400 feridos.

    Desaparecidos 

    Para o governo

    Questionado sobre o dado de 87 desaparecidos, o ministro explicou que recebeu a denúncia, sendo que, desse total, 53 “já foram identificados e reconhecidos”. Ele acrescentou que um trabalho está sendo feito para determinar o que aconteceu com o restante. 

    A respeito das reclamações sobre a atuação de agentes sem identificação, o ministro disse que, de acordo com o protocolo, “antes de sair para qualquer operação, uma entidade de controle independente em cada município verifica se cada policial tem a sua carga identificação e que a arma que usa é uma arma não letal”.

    Por fim, negou que tenham ocorrido cortes de energia ou interceptação telefônica, conforme noticiado em redes sociais.

    Para HRW

    Vivanco citou os números administrados pela Ouvidoria e pelo Governo e pediu “super cuidado” com os casos de desaparecimento. Disse que quando se fala em “desaparecimentos forçados, o que sugere é que são pessoas que foram capturadas pelo Estado (…) e que se encontram em algum lugar clandestino com risco de vida”. “Não creio que seja essa a situação”.

    Segundo ele, em muitos casos o que acontece é que as famílias denunciam pessoas desaparecidas que, de fato, foram detidas e que o seu paradeiro é determinado ao longo do tempo.

    Confronto entre manifestantes e a polícia em Bogotá
    Confronto entre manifestantes e a polícia na cidade de Bogotá, em 28/04/2021
    Foto: Vannessa Jimenez G/NurPhoto via Getty Images

    Uso de armas letais

    Para o governo

    O ministro Molano explicou que “no caso de motins, as forças policiais que atuam usam armas não letais”.

    Por isso, nos casos em que se indica que existe algum movimento de arma por parte da polícia, são precisamente eles que são investigados.

    “O padrão, a conduta, a ordem que a polícia colombiana tem é de agir em estrita conformidade com a lei e os direitos humanos”, disse ele, e disse que “contextos por contextos, sem generalizar” devem ser avaliados.

    A este respeito, ele afirma que, em locais como as esquadras, os fardados estão sempre armados e que o que acontece é que, em alguns locais,“chegam motins ao acaso, por exemplo, para atacar um CAI, que é uma estação de polícia. Quando um CAI é atacado e há uma delegacia e eles querem incinerar um policial lá dentro, como aconteceu anteontem em Bogotá, essa mensagem chega a um CAI no sul da cidade com dez policiais dentro”.

    Para a oposição

    O senador Iván Cepeda disse que o papel do ex-presidente Álvaro Uribe Vélez ao propor o uso de armas letais foi “muito lamentável”.

    “Nos últimos dias, Uribe publicou na sua conta no Twitter uma mensagem exortando os membros da Polícia e da Força Pública do Exército a usarem as suas armas no meio das manifestações, o que, a meu ver, foi uma espécie de incitamento à violência”.

    Cepeda por sua vez interveio contra Uribe: “Decidi apresentar uma queixa-crime contra ele, porque depois de seis chamadas no Twitter, ele cancelou aquela mensagem e também os acontecimentos em que os polícias se multiplicaram, como vejam os vídeos que circulam profusamente nas redes, use armas contra pessoas indefesas”. 

    Para HRW

    Vivanco explicou que existe um uso “indiscriminado” de certas armas que eles não tinham visto antes em “nenhum lugar da América Latina” e que consideram “altamente perigosas”.

    Ele explicou que as forças anti-motim estão usando tanques “que têm um lançador multiprojeto de alta velocidade instalado no telhado”.

    Os tanques têm “a capacidade de lançar simultaneamente esses projéteis que não são direcionados para o céu, mas são direcionados quase horizontalmente para os manifestantes”. Aparentemente, como ele explicou, eles podem lançar gás lacrimogêneo e bombas paralisantes, embora ainda não tenham certeza disso. Para Vivanco, “é um instrumento repressivo que não discrimina” e, portanto, é de “alto perigo”.

    A HRW solicitou as informações oficiais e está investigando se podem ser letais. O que eles entendem é que, por causa da forma como trabalham, eles colocam “as pessoas em maior risco”. 

    Casos de violência sexual

    Para o governo

    O ministro afirmou que há uma investigação “por violência sexual que foi particularmente apontada na região do Eixo Café colombiano e há outras oito por outros comportamentos”.

    Para a oposição

    “Há relatos de violência sexual e desaparecimento de pessoas e, claro, de mortes por armas de fogo. Todos estes acontecimentos, portanto, produzem um efeito de terror que não tem conseguido dissuadir a vontade das pessoas que continuam a protestar”, afirmou o senador Cepeda.

    Para HRW

    O Américas da Human Rights Watch explicou que recebeu graves denúncias de tortura e abuso sexual e que está apurando todas elas.