CNN mostra como é a viagem para entrar na Ucrânia em guerra
Atravessar a fronteira com a Polônia de trem é a opção mais segura, mas deslocamento até Kiev dura quase 18 horas com longas paradas e checagem de documentos
Entrar em território ucraniano durante a guerra com a Rússia requer algum planejamento, uma dose de sorte e muita paciência. A grande maioria dos visitantes, incluindo jornalistas e líderes internacionais, escolhe entrar no país de trem, através da fronteira com a Polônia – um dos maiores aliados da Ucrânia no conflito.
Este é o trajeto mais seguro, já que até agora não foram registrados ataques diretos aos trens na linha que liga a pequena cidade de Przemysl, na Polônia, à capital ucraniana, Kiev.
O caminho foi usado, entre outros, pelos presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e da França, Emmanuel Macron.
Isso, no entanto, não é garantia de absolutamente nada, já que os russos bombardeiam com muita frequência vários pontos das linhas ferroviárias do país, incluindo estações, subestações de energia, os trilhos e até os próprios trens.
Houve registro de pelo menos dois ataques diretos russos a trens desde o início do conflito, com mortes de dezenas de civis.
Exército de ferro
Os russos atacam a rede porque a Ukrzaliznytsia, a companhia ferroviária estatal, vem desempenhando um papel fundamental na guerra, transportando refugiados, produtos humanitários, grãos para exportação, equipamentos militares e soldados para a linha de frente.
O desempenho dos ferroviários tem sido tão importante que eles passaram a ser chamados de “exército de ferro”. O trajeto entre a Polônia e Kiev, no entanto, é bastante demorado, cercado de medidas de segurança e trocas de trens.
A viagem de 753 km entre Cracóvia, no sul da Polônia, e a capital ucraniana demora quase 18 horas, com paradas para checagem de documentos por militares ucranianos.
O primeiro trecho, dentro da Polônia, é absolutamente normal e relativamente rápido: apenas três horas e 13 minutos, cumpridos com absoluta pontualidade. Os problemas começam em Przemysl.
É lá que as autoridades polonesas fazem a checagem dos passaportes de todos os viajantes. Uma plataforma especial, curiosamente construída do lado de fora da estação e cercada de altas grades de ferro por todos os lados, é destinada apenas para os trens que vão para a Ucrânia.
Numa das extremidades, uma pequena casinha é usada pelos oficiais de imigração polonesa para examinar cuidadosamente os passaportes de todos os passageiros. Uma longa fila se forma do lado de fora da casinha, com muitas mulheres, crianças e alguns poucos homens, em sua maioria idosos.
As fronteiras da Ucrânia com países aliados não estão fechadas, mas a lei marcial declarada no início da invasão russa impede que os homens entre 18 e 60 anos deixem o país.
Uma jovem, que preferiu se identificar apenas como Anna, disse à CNN que estudava medicina em Kiev, mas teve que trancar a matrícula e fugir para a Alemanha. Estava voltando para visitar o pai e o irmão, depois de vários meses de distância.
Um comitê de solidariedade aos ucranianos, montado ao lado do local, oferece café, chá e água gratuitamente aos viajantes, em meio a vários slogans de apoio à resistência.
Depois de horas na fila, as pessoas são liberadas para entrar na plataforma, sob os olhares de ferroviários ucranianos e militares poloneses.
Trajeto noturno
O trem, com enormes espaços desocupados, demora ainda mais tempo para partir, já que o seu trajeto é noturno, para evitar atrair eventualmente a atenção dos militares russos.
Passageiros são instruídos por alguns funcionários a abaixar as cortinas das janelas, mas esse movimento não é obrigatório. No meio do caminho, é possível observar vários rolos de arame farpado e grades na fronteira mal iluminada.
Em pouco mais de 30 minutos, o comboio volta a parar. Desta vez, para checagem dos documentos do lado ucraniano. Inexplicavelmente, alguns aplicativos de mapas digitais deixam de fornecer informações de trajetos por transporte público até Kiev assim que se cruza a fronteira.
Militares ucranianos entram, devidamente armados, no veículo e cobram o passaporte de cada passageiro. Observam, dentro do próprio trem, a fotografia e a cara da pessoa, antes de levar o documento para fora do comboio.
Aqueles que têm carimbos de visito recente à Rússia são submetidos a um verdadeiro interrogatório e, algumas vezes, são impedidos de seguir viagem.
Passageiro sem passaporte
Na viagem, um incidente. Um dos passageiros estrangeiros percebeu, apenas na fronteira, que havia perdido o seu passaporte na Polônia. Uma certa confusão se forma.
Mais militares armados entram no vagão para tentar entender a situação. Usando aplicativos de tradução, o passageiro informa sua situação. Os militares, obviamente, se negam a deixá-lo entrar no país explicando, de forma muito respeitosa e educada, que isso não seria possível mesmo em tempos de paz.
Depois de muita espera, o trem parte de novo, rumo a Kiev e os passageiros se preparam para dormir. Alguns recebem uma dica: dormir com a cabeça longe da janela. Motivo: em caso de explosão próxima, os vidros tendem a se estilhaçar e podem causar ferimentos graves.
A maioria ignora a sugestão e a viagem segue tranquila, com poucas paradas – como na cidade de Lviv, no oeste do país.
Embalados pelo balanço do trem, quase todos dormem, despertando apenas perto de Kiev.
Militares na estação
Na plataforma da estação, muitos homens esperam suas companheiras com flores nas mãos. Alguns, em grupo. Também pode-se observar vários militares no local, fiscalizando discretamente os arredores.
As ruas ao redor da estação principal mostram pouco movimento, mas é possível ver famílias andando com crianças na manhã de domingo, dando um ar estranhamente normal a um país engolido pela guerra.