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    China publica novas regras para “proibir o extremismo religioso”

    Com uma relação estremecida com o Vaticano e um histórico de repressão violenta a muçulmanos, o governo chinês segue tomando decisões que chamam a atenção

    James Griffiths, da CNN, em Hong Kong

    China
    Igreja católica em Pequim
    Foto: REUTERS

    Grupos religiosos estrangeiros e fiéis podem ser os últimos alvos de uma crescente repressão à religião organizada na China sob o presidente Xi Jinping. 

    Uma prévia de regras publicada nesta semana pelo Ministério da Justiça chinês pede novas restrições sobre como os fiéis estrangeiros operam a fim de evitar a propagação do “extremismo religioso” ou o uso da religião “para minar a unidade nacional ou étnica da China”.

    Atualmente abertas à consulta pública, mas improváveis de mudar significativamente de sua forma atual, as regras são apenas o mais recente movimento para controlar a prática religiosa sob Xi, que repetidamente clama pela “sinicização” (ou seja, tornar mais chinesa) da religião. 

    Xi supervisionou uma grande repressão aos uigures e outros grupos minoritários muçulmanos na região oeste de Xinjiang, onde cerca de dois milhões de uigures e outras minorias passaram por “campos de reeducação” de acordo com grupos de direitos humanos. Também foram acionadas campanhas dirigidas a grupos cristãos e budistas tibetanos.

    A religião sempre ocupou uma posição peculiar na República Popular da China. Oficialmente um estado ateu, a China, sob o governo comunista, licencia cinco religiões oficiais e efetivamente decide sobre questões como a ordenação de bispos e a reencarnação

    As cinco religiões (budismo chinês, taoísmo, islamismo, catolicismo e protestantismo) são supervisionadas por organizações oficiais, como o Movimento Patriótico das Três Autoridades Protestante ou a Associação Budista da China, que por sua vez são supervisionadas pelo poderoso Departamento da Frente Unida de Trabalho do Partido Comunista.  A prática fora dos limites desses grupos é estritamente controlada, e igrejas clandestinas, seitas e até mesmo grupos de estudos religiosos privados são periodicamente reprimidos.

    Para os estrangeiros, geralmente há mais liberdade, desde que evitem qualquer coisa que cheire a proselitismo. Muitas religiões não oficialmente reconhecidas pelo governo (mormonismo, judaísmo, quacres) podem operar na China, desde que os únicos fiéis sejam cidadãos estrangeiros

    A sensibilidade em relação aos grupos religiosos estrangeiros permanece forte, entretanto. Em um artigo de 2018 sobre religião, o governo chinês observou que certas religiões “há muito foram controladas e utilizadas por colonialistas e imperialistas”. 

    Embora o projeto de regras confirme o compromisso da China em respeitar “a liberdade de crença religiosa dos estrangeiros”, a lista de novas restrições e requisitos potenciais pode tornar a prática dessas crenças muito mais difícil.

    Em particular, o projeto de regras inclui uma lista de atividades que os estrangeiros não devem realizar na China, como “interferir ou dominar os assuntos de grupos religiosos chineses”, defender “pensamentos religiosos extremistas”, usar a religião para conduzir atividades terroristas ou “interferir na nomeação ou gestão de membros do clero chinês”.  

    O último ponto parece dirigido ao Vaticano, com quem a China tem uma disputa antiga a respeito da nomeação de bispos pela Associação Católica Patriótica chinesa oficial. Pequim insiste em ter a palavra final sobre todas as nomeações de bispo na China continental, enquanto a Santa Sé afirma que apenas o Papa tem tal autoridade. 

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    Os dois lados fecharam um acordo secreto e extremamente controverso em 2018, que foi estendido por mais dois anos em outubro deste ano, mas as negociações sobre um acordo permanente parecem ter estagnado. Em um livro publicado esta semana, o Papa Francisco se referiu aos uigures como um “povo perseguido” pela primeira vez, uma frase que irritou o governo chinês. 

    “O que o Papa Francisco disse sobre os uigures é totalmente infundado”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, em uma entrevista na terça-feira (24). “Existem 56 grupos étnicos na China, e o grupo étnico uigur é um membro igual da grande família da nação chinesa”.

    “O governo chinês sempre tratou os grupos minoritários de forma igual e protegeu seus direitos e interesses legítimos”, acrescentou Zhao. 

    Outras partes do projeto de regras parecem ter como alvo grupos islâmicos, que estão sob imensa pressão nos últimos anos, tanto em Xinjiang quanto em toda a China, onde há cerca de 23 milhões de muçulmanos conhecidos, de acordo com o dados mais recentes do censo. 

    Em um artigo que vinculou explicitamente as novas regras aos recentes atos de extremismo islâmico na Europa, o “Global Times”, jornal apoiado pelo estado, citou uma ex-autoridade religiosa dizendo que as regulamentações propostas mostram “a resposta rápida da China ao crescente desafio global: a ameaça de extremismo religioso para estabilidade política e o pânico social e a desordem causados pelo extremismo religioso”. 

    Rian Thum, especialista em islamismo na China da Universidade de Nottingham, disse que as regras refletem “um antigo medo da poluição externa, que se tornou mais importante no clima atual”. 

    “Fiquei impressionado com o uso repetido da frase ‘independência religiosa da China’, que demonstra o desejo nacionalista de purificar as religiões de influências ‘estrangeiras’”, opinou. “Os regulamentos parecem um esforço para isolar os praticantes religiosos chineses de seus companheiros crentes de fora do país. Até mesmo palestras de personalidades religiosas visitantes exigiriam um processo de permissões burocráticas que dissuadiria a maioria dos visitantes”. 

    Sob a pressão de Xi para “sinicizar” as religiões do país, os locais de culto foram despojados de símbolos e iconografia abertamente religiosos, cemitérios muçulmanos e mesquitas foram destruídos, e a imagem de Xi tem sido pendurada em edifícios religiosos. De acordo com uma análise recente pelo Australian Strategic Policy Institute (ASPI), cerca de uma em cada três mesquitas em Xinjiang foi demolida, principalmente desde 2017.

    Na semana passada, um porta-voz do governo de Xinjiang disse que os relatos sobre a destruição de mesquitas e outros locais religiosos eram “completamente falsos”.

    Mesquita na China
    Grande Mesquita de Nanguan em Yinchuan
    Foto: Nectar Gan

    Segundo Alkan Akad, pesquisador da Anistia Internacional na China, apesar de todo o discurso do governo de sinicizar o Islã, a maioria dos muçulmanos na China pratica uma versão doméstica da fé em mesquitas que costumam ter um estilo mais chinês do que islâmico. Os muçulmanos que têm contato com grupos no exterior muitas vezes são mais investigados, e alguns uigures acabaram em campos de reeducação depois de voltar do Hajj (a peregrinação dos muçulmanos a Meca) ou viagens a países islâmicos. 

    O outro lado da sinicização é um movimento em direção à “desArabização” ou “desSaudificação”, termos que são usados por autoridades chinesas em relação aos temores de uma crescente influência estrangeira sobre o Islã na China. 

    “O estado chinês tem se preocupado muito com a crescente popularidade da ideologia wahhabi e as estreitas conexões com a Arábia Saudita, que aparentemente cresceu na última década”, disse Akad.

    Darren Byler, um especialista em Xinjiang e pós-doutorando na Universidade do Colorado, explica que “o próprio Islã já está mais ou menos criminalizado em Xinjiang, então eu imagino que (as novas regras são) mais provavelmente destinadas à prática Hui no leste da China. Há muito que eles têm uma associação mais direta com movimentos pietistas sauditas e globais, como o Tabligh Jama’at”. 

    A minoria Hui (dos quais grande parte são muçulmanos de língua chinesa) ficou sob?crescente pressão nos últimos meses, enquanto o governo volta sua atenção para o maior grupo muçulmano fora de Xinjiang. 

    No entanto, especialistas que falaram à CNN concordaram que o principal efeito das novas regras provavelmente será sobre os grupos cristãos que, mesmo sem ter recebido carta branca para a prática religiosa, nunca foram investigados tão intensamente quanto os muçulmanos. 

    “Acredito que seja razoável presumir que as regras têm como alvo principal os cristãos, que têm sido considerados um meio de infiltração estrangeira, especialmente desde a Guerra do Ópio”, disse Akad.

    Bandeira da China em Pequim
    Bandeira da China em Pequim (27/05/2019)
    Foto: Jason Lee/Reuters

    No passado, havia ampla tolerância para estrangeiros pregando para estrangeiros, desde que eles fossem oficialmente licenciados e garantissem que nenhum cidadão chinês comparecesse aos cultos. Segundo Thum, o especialista em islamismo na China, alguns grupos cristãos são menos escrupulosos sobre isso do que outros, e os missionários continuam a operar ilegalmente na China. 

    As novos regras podem restringir ainda mais as áreas cinzentas em torno da prática religiosa estrangeira, emitindo novos requisitos estritos para se candidatar a serviços religiosos. Eles incluem a descrição dos principais textos religiosos usados, a lista da nacionalidade e o status do visto de todos os participantes e a obtenção de uma licença para usar o edifício para tais atividades. 

    Depois de receber tal pedido, o projeto de regras declara: “o departamento de assuntos religiosos do governo popular provincial deve solicitar [autorização] ao departamento de assuntos religiosos do governo popular em nível de condado, ao departamento de assuntos religiosos do governo popular da cidade dividido em distritos, e à província e região autônoma”, e deve tomar uma decisão “dentro de 20 dias”. 

    Essa burocracia e as punições potenciais para evitá-la podem tornar muito mais difícil para os estrangeiros realizarem os serviços religiosos e forçá-los a usar Bíblias ou Alcorões aprovados em vez de textos estrangeiros publicados. 

    Embora punições específicas não estejam listadas na nova proposta, há uma sugestão de que elas poderiam ser severas, com conversas em invocar leis de “contraespionagem” e outros regulamentos de segurança do estado contra os infratores. 

    “A forma como as regras são escritas e a maneira como as leis chinesas tendem a ser interpretadas pelos serviços de segurança sugere que os estrangeiros que se envolvem em atividades religiosas ao lado de cidadãos chineses ou mesmo fazem pesquisas sobre essas atividades podem ser detidos ou perseguidos”, disse Thum. 

    Ben Westcott, da CNN, contribuiu para a reportagem. 

    (Texto traduzido,?clique aqui?para ler o original em inglês).