China diz que “não mostrará misericórdia” contra movimentos pró-Taiwan; EUA acompanham escalada
Frase foi dita pelo principal oficial militar do Partido Comunista durante encontro que reuniu lideranças militares de diversos países, inclusive a Rússia, ao mesmo tempo em que Washington e Pequim buscam retomar relações de alto nível
A China recebe nesta semana responsáveis da defesa de todo o mundo para uma conferência de diplomacia militar – uma oportunidade para Pequim promover a sua visão alternativa para a segurança global, que fomentou o seu crescente alinhamento com a Rússia contra os Estados Unidos.
Mais de 30 ministros da defesa e chefes militares, bem como representantes de níveis inferiores de dezenas de outros países e organizações, incluindo os EUA, reuniram-se para o Fórum Xiangshan de três dias na capital chinesa.
O ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, foi o primeiro visitante a discursar no fórum na segunda-feira (30), onde ele e o orador principal da China apontaram o que consideram um sistema de segurança fracassado liderado pelos EUA.
Visivelmente ausente estava o próprio ministro da Defesa da China. Pequim anunciou na semana passada que destituiu Li Shangfu do seu cargo, sem nomear um substituto ou fornecer uma explicação para a súbita despromoção – a mais recente de uma série de mudanças de alto nível sob o líder chinês Xi Jinping.
O evento – anunciado como uma oportunidade para os países resolverem diferenças em relação a questões de defesa e segurança – também acontece num contexto de preocupações crescentes sobre o potencial da guerra entre Israel e o Hamas se transformar num conflito regional mais amplo e à medida que a Rússia continua o seu ataque à Ucrânia.
Pequim tem tentado se projetar como um potencial pacificador em ambos os conflitos, uma vez que pretende se apresentar como um ator na segurança global em um contexto de tensões crescentes com Washington.
Essa oferta atraiu o ceticismo dos governos da sua própria região e do Ocidente, dada a sua agressão no Mar da China Meridional e a intimidação de Taiwan, bem como o seu apoio à Rússia.
Ambos os conflitos, no entanto, foram apenas brevemente mencionados no discurso do principal oficial militar do Partido Comunista, general Zhang Youxia, que repetiu os apelos da China a uma “resolução política” para a “crise da Ucrânia” e o “conflito Israel-Palestina”.
Zhang, que é vice-presidente da Comissão Militar Central – um órgão poderoso liderado pelo líder chinês Xi Jinping, que em última análise comanda as Forças Armadas da China – concentrou o seu discurso em saudar a “Iniciativa de Segurança Global” de Xi como uma solução para o conflito global – enquanto fazia ataques velados contra os Estados Unidos, cujo nome ele não mencionou diretamente.
“O nosso mundo está ofuscado pela nuvem negra da mentalidade da Guerra Fria e devemos evitar cair no confronto do bloco”, disse Zhang à sua audiência, usando uma linguagem tipicamente utilizada por Pequim para criticar Washington e os seus aliados.
“Se um país se preocupa apenas com os seus próprios interesses, verá todos os outros como rivais; se estiver obcecado em suprimir outros com opiniões diferentes, certamente causará conflitos e guerras no mundo”, disse.
Sem misericórdia na questão Taiwan
Zhang, que ocupa uma posição superior ao ministro da Defesa, também disse que os países deveriam se concentrar na “segurança comum” e respeitar os caminhos de desenvolvimento uns dos outros – princípios-chave enfatizados na iniciativa de segurança de Xi, que o líder chinês anunciou no ano passado.
O general ainda afirmou que Pequim “não mostrará misericórdia” contra quaisquer movimentos em prol da independência de Taiwan, referindo-se à ilha autônoma que o Partido Comunista da China, no poder, reivindica como sua.
A China continuaria a “aprofundar a coordenação estratégica” com os militares da Rússia e estava disposta, acrescentou Zhang, a desenvolver relações militares com os EUA.
Alinhamento crescente entre China e Rússia
A fala de Zhang foi seguida por um discurso contundente do russo Shoigu – um dos principais arquitetos da invasão da Ucrânia, que já dura 20 meses.
Durante o seu discurso, Shoigu acusou a Otan de “encobrir a sua real intenção” de aumentar a sua presença na Ásia-Pacífico e de promover uma corrida armamentista na região.
“Para manter o seu domínio geopolítico e estratégico, os EUA minam deliberadamente a base da segurança internacional e da estabilidade estratégica, incluindo o controle de armas, e os direitos e interesses legítimos da Rússia para a sua própria segurança”, disse Shoigu.
A coordenação de segurança entre a China e a Rússia foi reforçada nos últimos anos, em meio às crescentes tensões entre cada uma delas com os EUA e os seus aliados.
Pequim afirmou repetidamente que não fornecerá ajuda letal ao esforço de guerra da Rússia, mas continuou participando de exercícios militares conjuntos e outras formas de coordenação de segurança, ao mesmo tempo que proporciona uma ajuda fundamental à economia russa desde a invasão da Ucrânia no ano passado.
Relações EUA-China
O fórum de segurança também ocorre num momento em que os Estados Unidos e a China tentam navegar na sua relação controversa, que inclui fricções sobre Taiwan e a agressão de Pequim no Mar do Sul da China.
Um potencial encontro entre Xi e o presidente dos EUA, Joe Biden, nos Estados Unidos, no próximo mês, é visto por ambos os lados como uma oportunidade importante para estabilizar os laços.
Pequim cortou o diálogo militar de alto nível com Washington em agosto passado, em retaliação a uma visita da então presidente da Câmara dos EUA a Taiwan.
Os seus responsáveis continuaram a recusar a participação americana em reuniões de alto nível, no que foi amplamente visto como um protesto contra as sanções impostas por Washington ao antigo ministro da Defesa Li, em 2018, pela compra de armas à Rússia.
O porta-voz do Ministério da Defesa chinês, Wu Qian, disse em uma entrevista de imprensa na semana passada que as autoridades chinesas “teriam intercâmbios” com a delegação dos EUA.
“A China atribui grande importância ao desenvolvimento das relações militares entre a China e os Estados Unidos”, disse Wu, acrescentando que esperava uma “atmosfera favorável para o desenvolvimento saudável e estável” das suas relações militares, segundo a mídia estatal.
O fórum contou com a presença de uma delegação do departamento de defesa dos EUA liderada por Xanthi Carras, diretor do Gabinete do Subsecretário de Defesa para a China.