Casa de leilões retira venda de relógio do massacre da Praça da Paz Celestial
O vendedor recebeu ameaças nas redes sociais
A luxuosa casa de leilões inglesa Fellows Auctioneers retirou um relógio comemorativo dado a um soldado chinês após o massacre da Praça da Paz Celestial (Tiananmen), em 1989, depois que seu vendedor recebeu ameaças nas redes sociais.
O proprietário do relógio estava preocupado com a segurança deles, disse a Fellows Auctioneers em comunicado na quarta-feira (31). Autoridades comunistas deram relógios como este às tropas do Exército de Libertação Popular da China.
O proprietário do relógio não estava associado às forças armadas chinesas ou ao governo “até onde sabemos”, informou Fellows.
O item de aço inoxidável tinha “89.6 em Comemoração ao Sufocamento da Rebelião” inscrito e deveria ser colocado em leilão em 19 de abril.
O Comitê Central do Partido Comunista da China também teria dado medalhas aos soldados e um livro de fotos intitulado “Defensores da Capital”, explicou Louisa Lim, autora de “The People’s Republic of Amnesia: Tiananmen Revisited” (em português, “A República Popular da Amnésia: Tiananmen Revisitada”), que foi selecionado para o Prêmio Orwell em 2015.
“O fato de que tais lembranças comemorativas foram dadas significa a importância que o Partido Comunista da China deu ao apagamento dos protestos pró-democracia, que foram enquadrados como uma rebelião contrarrevolucionária”, disse ela à CNN na sexta-feira (2), acrescentando que não está claro quantos itens estão em circulação.
Por cerca de uma década antes de 1989, a economia da China vinha se abrindo de forma constante e permitindo pequenas quantidades de livre iniciativa no país comunista, após anos de estrito controle estatal sob o presidente Mao Zedong.
Protestos em grande escala começaram em abril daquele ano, exigindo maiores liberdades sociais, como liberdade de expressão e até democracia. Os manifestantes ocuparam a Praça da Paz Celestial, o enorme espaço público no centro de Pequim que fica de frente para a Cidade Proibida, antiga casa dos imperadores chineses, e para o Grande Salão do Povo.
Na noite de 3 de junho, comboios de soldados armados entraram em Pequim com o objetivo de limpar a praça por todos os meios necessários. Bloqueados por civis nas ruas que tentavam proteger os estudantes, as tropas abriram fogo.
Nenhum número oficial de mortos foi divulgado pelo governo chinês, mas grupos de direitos humanos estimam que tenha chegado a centenas, senão milhares.
“[O massacre da Praça da Paz Celestial] é uma página muito sombria da história humana, não apenas da história chinesa”, disse Steve Tsang, diretor do Instituto Chinês da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, à CNN na sexta-feira.
“Todo mundo está errado aqui. Os companheiros nunca deveriam ter aceitado leiloar algo assim para começar, (…) o proprietário nunca deveria ter colocado em leilão. Qualquer um que tentar lucrar com o massacre deveria se envergonhar”.
Fellows disse que considerava o relógio “de interesse internacional” e que “era uma lembrança dos eventos de junho de 1989”.
“No passado, vendemos medalhas de guerra de todos os lados dos conflitos globais, um anel que comemora o regicídio de Carlos I e relógios adquiridos de prisioneiros de guerra. Não é nossa função comentar sobre eventos do passado. É importante para iluminar os eventos históricos e relatá-los de maneira respeitosa e imparcial”, complementou a casa de leilões no comunicado.
Tsang não ficou impressionado com essa defesa, sugerindo que as vendas eram igualmente erradas no passado.
“Por alguém se comportar mal e chamar a atenção das pessoas para este evento, é a única coisa positiva que sai desta história”, concluiu.
(Texto traduzido. Leia o original em inglês).