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    “Bombeiro”, “outsider” e “anti-Kirchner”: como analistas veem os candidatos argentinos

    Sergio Massa, Javier Milei e Patricia Bullrich despontam como favoritos nas pesquisas para assumir a Casa Rosada

    Douglas Portoda CNN , em São Paulo

    Um candidato que é visto como “bombeiro” na economia. Outro que é considerado um “outsider”. E uma que carrega o discurso anti-kirchnerista.

    É assim que argentinos têm visto os principais candidatos na eleição presidencial que acontece neste domingo (22).

    Sergio Massa (Unión por la Patria)Javier Milei (La Libertad Avanza) aparecem alternando a liderança nas pesquisas de intenção de voto, com Patricia Bullrich (Juntos por el Cambio) muito próxima, como aponta o último levantamento divulgado pela AtlasIntel em 13 de outubro.

    A CNN entrevistou especialistas e analistas da política argentina para entender os pontos fortes e fracos de cada um dos três mais citados nas pesquisas.

    Sergio Massa

    Ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, é o candidato governista/REUTERS/Agustin Marcarian

    Massa assumiu o Ministério da Economia em agosto de 2022 e “pegou uma batata quente”, disse à época a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner.

    Sua chegada à pasta aconteceu após a demissão de Martín Guzman, que confrontou Kirchner, e da rápida passagem de Silvina Batakis.

    Todo o cenário se estabeleceu em meio a corrida cambial, a rápida desvalorização do peso, a aceleração da inflação e a assinatura de um acordo para pagamento do empréstimo contraído pelo ex-presidente Mauricio Macri com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

    Segundo o argentino Javier Vadell, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), Massa assumiu o cargo “numa situação muito delicada”.

    “Massa assume com uma postura proativa para resolver os problemas, como um ‘bombeiro para apagar incêndio’. Embora ele seja da coligação, não era parte do governo Executivo. Ele era líder da Câmara dos Deputados. Logicamente, que ele carrega nas costas a percepção de fracasso do atual governo, que é basicamente a inflação”, cita Vadell.

    A inflação anual da Argentina atingiu 124% em agosto, o seu nível mais alto em mais de 32 anos. Os preços dos alimentos cresceram 15% em relação ao mês anterior, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec).

    “O país cresceu, até há números positivos. Mas a população está muito preocupada com a perda de poder aquisitivo, possíveis corridas bancárias, numa sociedade que está totalmente com a cabeça dolarizada, essa é a realidade inflacionária”, constata.

    “É interessante observar que esse problema é da pré-pandemia, Macri carregava isso. Quando veio a pandemia, com a inflação global, isso duplica o problema na Argentina. Fora os compromissos com o Fundo Monetário Internacional”, prossegue Vadell.

    VÍDEO – Análise: O apoio de Lula ao candidato governista da Argentina

    Acertos na condução economica

    A candidatura de Massa representa um “duplo sentido” para a política argentina, a partir dos processos benéficos que aconteceram na economia no último ano, observa Victor Missiato, analista político e professor do Colégio Presbiteriano Mackenzie (CPM) de Alphaville.

    Isso vem acontecendo “desde o ano passado, no que diz respeito ao aumento do valor do salário. Foi um período importante, de uma tentativa de contenção da crise econômica no amortecimento da inflação”, diz Missiato.

    “E, também, existe uma melhora na produção agrícola, nos acordos com a China, o que está longe de uma certa estabilidade, mas traz uma perspectiva para novos acordos e uma possível reação da economia argentina depois dessas eleições”, indica.

    Dependência do peronismo

    Missiato e Vadell concordam que o ministro pode ser beneficiado ao representar o peronismo, o maior movimento político do país.

    “Ele já foi candidato a presidente e tem o apoio do Partido Peronista [Justicialista], que é o partido mais importante da Argentina. Que age mais como um movimento do que como um partido, com sua ala direita, ala de centro e ala de esquerda”, defende Vadell.

    “Trata-se de um governo Justicialista, um governo oficialista na Argentina e, que, embora todas as dificuldades que ainda tenha, no fiel da balança, pode pender para o lado da estabilidade”, declara Missiato.

    “No lado da vitória, essa perspectiva da continuidade, da estabilidade, com possíveis novos acordos, com uma nova liderança dentro do peronismo, é o que pode dar essa margem de vitória”, justifica o professor do Mackenzie.

    Para o CEO da AtlasIntel, Andrei Roman, uma maioria muito ampla dos argentinos responsabiliza o governo e Massa pela crise econômica, com o peronismo podendo ter “seu pior desempenho” no primeiro turno nos últimos 20 anos.

    “A candidatura do Massa certamente sofre com essa recessão socioeconômica, não é um dos seus pontos fortes. O ponto forte de Massa é o de fato de ter uma espécie de piso do voto peronista, que é muito consolidado, cristalizado, que é quase uma clivagem sociocultural dentro da Argentina”, explica Roman.

    Roman defende que o destaque dentro da política nacional do ex-presidente da Câmara dos Deputados vem exatamente de sua atuação como ministro.

    O CEO cita ainda que, o principal argumento de quem defende o desempenho de Massa frente à economia, é a responsabilização do governo anterior. “Quem busca defender o Massa em relação à economia basicamente atribui a situação atual ao endividamento e as medidas tomadas no governo do Maurício Macri.”

    Javier Milei

    Javier Milei, candidato à Presidência da Argentina do La Libertad Avanza / Tomas Cuesta/Getty Images

    O ambiente econômico na Argentina foi propício para o avanço de Milei. Nas prévias, em agosto, o libertário alcançou o primeiro lugar, com 29,8% dos votos.

    O economista é conhecido por suas fortes declarações, como quando defende a dolarização do país, o fechamento do Banco Central e de ministérios.

    Em suas atividades de campanha, sempre aparece empunhando uma motosserra, que simboliza suas promessas de cortar drasticamente as despesas do governo, eliminar os subsídios públicos e “romper com o status quo”.

    Vadell critica as propostas de Milei, afirmando que não se pode dolarizar um país sem dólares na economia. A questão, em sua visão, seria viável a partir de empréstimos externos. “Mas quem vai dar empréstimo se o país está devendo?”, questiona o professor da PUC-Minas.

    VÍDEO – Javier Milei usa motosserra em protesto na Argentina

    Segundo Roman, a proposta da dolarização é rejeitada pela maioria dos argentinos.

    A questão “atrapalha as chances de Milei no segundo turno, principalmente se ele for enfrentar um candidato mais moderado do que o Massa”, argumenta o CEO da AtlasIntel. Mas, o contrário também pode acontecer, justifica Roman.

    “Entre uma mudança radical, que inspira medo, e a continuidade de uma situação evidentemente ruim, pode ser que muitos dos argentinos, mesmo tendo medo da dolarização, acabem abraçando Milei, porque eles querem acabar com a situação atual”, argumenta. “É meio que um salto no escuro, que pode ser visto como algo melhor, considerando o que eles têm agora.”

    Estabilização de votos

    De acordo com Vadell, a campanha do libertário já deu o que tinha de dar. O professor argumenta que suas falas agradam principalmente à população decepcionada com o atual cenário político do país, como homens mais jovens que não viveram o período ditatorial no país (1976-1983).

    “Mas, acho que essa narrativa se esgota. Ele já pegou o voto branco, o voto anti-sistema e o voto que ‘quer ver o circo pegar fogo’. São propostas lunáticas, um mundo irreal. Não tem muito futuro essa narrativa”, cita.

    Milei chegou em uma estabilização de votos, conforme visto nas pesquisas, explica Missiato.

    “[A questão] pode mostrar duas situações. A primeira é que no momento final das eleições na Argentina, a instabilidade que Javier Milei pode trazer para um país extremamente fragilizado pode gerar ainda mais crises nos próximos anos, principalmente com as críticas a maior parceira comercial da Argentina hoje, que é a China. Tudo isso pode causar uma de instabilidade para os eleitores argentinos, que podem pender para a direita moderada”, diz.

    VÍDEO – Análise: Os planos de Javier Milei para a economia argentina

    Bolsonaro argentino?

    Na última terça-feira (17), o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL) enviou uma mensagem de apoio a Milei. “Nós, realmente, sabemos o que é melhor para os nossos países. Não podemos continuar com a esquerda. É um apelo que eu faço a todos os argentinos: vamos mudar, e mudar para valer, com Milei. Compromisso meu, hein?! Vou para a tua posse”, disse Bolsonaro.

    De acordo com a analise de Vadell, Milei e Bolsonaro são diferentes. “Ele é um deputado recente, muito diferente [do ex-presidente brasileiro Jair] Bolsonaro, que foi deputado por mais de 20 anos. Essa narrativa de casta, de ‘outsider’, foi muito útil para ele chegar onde está”, declara.

    Para Missiato, Milei pode ser considerado um outsider, mas não é necessariamente parecido com o ex-chefe do Executivo brasileiro.

    “Não o coloco como um candidato de figura bolsonarista, porque o Bolsonaro traz consigo uma forte presença da igreja evangélica no Brasil e também o oficialismo militar, coisas que Javier Milei, como um candidato libertário, se difere muito. Até na pauta dos costumes também eles são muito diferentes”, exemplifica.

    “Talvez eles representem muito mais pelas suas contraposições às forças antagônicas, do que necessariamente as aproximações culturais entre si”, continua.

    Roman argumenta que as propostas fora do tradicional da política, “todas em conjunto, cria a imagem de um candidato autêntico, que confronta o consenso, que não é tão diferente das propostas que a gente viu no Brasil com Jair Bolsonaro”.

    VÍDEO – Análise: A vitória de Javier Milei nas primárias argentinas

    Patricia Bullrich

    Candidata presidencial argentina Patricia Bullrich/REUTERS/Agustin Marcarian

    Ex-ministra da Segurança da Argentina no governo de Mauricio Macri, Patricia Bullrich venceu o prefeito de Buenos Aires, Horacio Larreta, nas primárias e foi escolhida para disputar a Presidência na coligação Jutos por el Cambio.

    Bullrich propõe um esquema econômico bimonetário, com duas moedas. Seria legalizada a circulação do dólar em paridade com o peso.

    Isso significa que os argentinos poderiam realizar contratos com qualquer uma dessas duas moedas no país, o que é visto como positivo segundo argumenta o professor do Mackenzie.

    “[Seria positivo] a não dolarização da economia, principalmente na oficialização de uma economia bimonetária, em que o dólar teria uma livre circulação. Isso, na visão dela, facilitaria uma maior corrente de investimentos dentro da Argentina, com o peso ainda tendo um protagonismo, no que diz respeito à moeda da Argentina”, comenta Missiato.

    “É um ponto de encontro interessante possível para oposição, principalmente na defesa da autonomia do Banco Central e não na sua exclusão do cenário econômico argentino”, cita, se referindo à proposta de Milei.

    A direita prefere Bullrich ou Milei?

    Os votos de Bullrich são geralmente mais fiéis ao Juntos por el Cambio, dos eleitores de Macri. Também contemplam a parcela anti-kirchnerista da sociedade, mais do que antiperonista. Mas, conforme exemplifica Vadell, “a narrativa dela ficou um pouco para trás”, em referência aos ataques à atual vice-presidente.

    Recentemente, a candidata afirmou que, caso seja eleita, dará o nome de “Cristina Fernández de Kirchner” a uma prisão de segurança máxima do país.

    A partir do desgaste observado, os votos da parcela de centro-direita da população estão migrando para Milei, examina Vadell.

    “Tem a questão do voto útil, mas a maior prejudicada foi a Bullrich, que agora está atacando Milei”, diz.

    Roman, por sua vez, argumenta que Bullrich “continua retendo talvez a maior parte da direita e centro-direita ideológica”, com apenas uma parte relativamente pequena do eleitorado indo para Milei. “A fortaleza do Milei está mais com eleitores despolitizados, que não tinham um posicionamento ideológico muito forte, muito claro, antes desta eleição, principalmente os jovens da classe média baixa, que estão localizados muito no interior do país.”

    “Os eleitores de direita e que tem ensino superior, que são de um nível socioeconômico mais alto, a maior parte deles ficam com a Patrícia Bullrich. Mas isso não garante que ela possa chegar no segundo turno.”

    A maioria dos macristas a apoiam, mas a rejeição do ex-presidente devido ao legado econômico, podem atrapalhar seu desepenho, segundo Roman.

    Missiato explica que Bullrich vem ganhando cada vez mais espaço político na reta final de campanha, principalmente por conta de seu desempenho em debates, com propostas contrárias ao oficialismo do atual governo, que gera inflação, e por ser mais moderada que Milei.

    VÍDEO – Pobreza atinge mais de 40% da população na Argentina, segundo governo

    Segurança

    Recentemente, a Argentina viveu uma série de atos de vandalismo e roubos a supermecados e empresas, aumentando o clima de crise no país devido à inflação elevada.

    Para Missiato, Bullrich pode levar vantagem nessa questão perante aos eleitores, principalmente por já ter comandado o setor no país.

    “Ela, por já ter trabalhado nessa área, tem um know-how [conhecimento] maior do que os outros candidatos. Também estabeleceu propostas na área de segurança estratégica e de inteligência, tendo maior capacidade para poder aprovar essas medidas, pelo conhecimento como ex-ministra da Segurança”, indica.

    “Então, isso fortalece a sua candidatura nesses momentos finais. Isso não quer dizer que ela vá para o segundo turno, mas indica que ela é um player importante nesses últimos dias, podendo, inclusive, ultrapassar um dos dois candidatos possíveis para o segundo turno”, finaliza.

    Veja também: Haddad: Mercosul está em risco com eleição argentina

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