Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Black Lives Matter e invasão do Capitólio não se comparam, dizem especialistas

    A diferença na resposta da polícia não é o único ponto a diferenciar os dois movimentos

    Nicole Chavez, CNN

    Horas antes de o presidente Donald Trump ser submetido a um impeachment na quarta-feira por seu papel no incitamento do ataque mortal da semana passada, vários legisladores descreveram os desordeiros como supremacistas brancos.

    “Vamos ser claros, este foi um ataque terrorista doméstico perpetrado por turbas rebeldes de supremacistas brancos, equipados com armas e muitos capacitados em táticas policiais e militares que vieram derrubar uma eleição na qual seu candidato Trump perdeu”, disse a deputada Joyce Beatty, de Ohio, presidente da Bancada Negra do Congresso na audiência do grupo.

    Durante o debate de impeachment, a deputada Cori Bush, do Missouri, que era uma veterana ativista do movimento Black Lives Matter (BLM, ou Vidas Negras Importam) antes de se tornar legisladora, chamou o presidente “Supremacia branco em chefe”.

    Manifestantes invadem o Capitólio, sede do Congresso dos EUA
    Manifestantes invadem o Capitólio, sede do Congresso dos EUA
    Foto: Stephanie Keith/Reuters

    “Senhora Presidente, St. Louis e eu nos levantamos em apoio ao artigo de impeachment contra Donald J. Trump. Se não conseguirmos remover um presidente supremacista branco que incitou uma insurreição da supremacia branca, comunidades como o Primeiro Distrito do Missouri sofrerão mais”, disse Bush durante seu discurso.

    Os arruaceiros invadiram o edifício do Capitólio dos EUA na semana passada, desencadeando uma onda de comparações com os protestos Black Lives Matter do ano passado. A diferença na resposta da polícia foi impressionante e há mais coisas que os diferenciam.

    Leia e assista também:

    Como a polícia respondeu às manifestações do Black Lives Matter em Washington

    “Ninguém sabia o que a gente devia fazer”, diz policial dos EUA sobre protesto

    Proud Boys: o que é grupo de ultradireita que ajudou na invasão do Capitólio

    Pessoas marcharam aos milhares em ambos os protestos depois de acreditarem que um mal havia sido feito a elas. Os apelos por justiça racial em todos os Estados Unidos no meio de 2020 aconteceram após as mortes de George Floyd, Breonna Taylor e a dor pelo sentimento antinegritude que atravessa gerações. Ao contrário dos protestos do BLM, a insurreição no Capitólio foi desencadeada por mentiras e estereótipos racistas profundamente enraizados, segundo os especialistas.

    Manifestantes após homem negro ser morto por policiais na Filadélfia
    Manifestantes enfrentam polícia após homem negro ser morto por policiais na Filadélfia, Estados Unidos
    Foto: Bastiaan Slabbers/Reuters (27.out.2020)

    Convencidos de que a eleição presidencial foi roubada, manifestantes se autodenominavam “patriotas” e repetidamente gritavam “USA” enquanto vandalizavam e destruíam o edifício no coração da democracia norte-americana. Trump, que adotou táticas para enviar mensagens cifradas para a base de apoio, como chamar os mexicanos de “estupradores” e usar o termo Black Lives Matter como um “símbolo de ódio”, os incitou.

    “Uma vez que algo assim parece verdade, você não pode dissuadi-los com os fatos”, disse Ian Haney López, o autor de “Dog Whistle Politics: How Coded Racial Appeals Have Reinvented Racism and Wrecked the Middle Class” (“Política das mensagens cifradas: Como os recursos raciais codificados reinventaram o racismo e destruíram a classe média”, sem edição no Brasil). 

    Aqui está um resumo do que impulsionou o movimento Black Lives Matter por quase uma década e por que os apoiadores de Trump invadiram o Capitólio:

    Afirmações falsas e desmentidas atraíram milhares ao Capitólio

    Depois de semanas ouvindo falsas alegações de que a eleição presidencial foi fraudada, os partidários de Trump se reuniram em Washington para lutar contra a contagem dos votos eleitorais, uma cerimônia protocolar que confirmaria a vitória do presidente eleito Joe Biden.

    Horas antes da insurreição, Trump se dirigiu a uma multidão de apoiadores reunidos numa área conhecida como Ellipse, perto da Casa Branca, espalhando falsas afirmações de fraude eleitoral e dizendo-lhes para “lutarem como nunca”

    Destaques do CNN Business:

    Associação diz que greve dos caminhoneiros no dia 1º pode ser maior que em 2018

    Por que o aplicativo de mensagens Signal está em alta e o WhatsApp em baixa

    “Eu apoio 100% o que aconteceu aqui hoje”, disse Todd Possett, que fez parte da multidão da semana passada à Donie Sullivan, da CNN. “É horrível como esta eleição foi roubada. Eu tive que vir aqui e cumprir meu dever patriótico”.

    Marc Morial, presidente e CEO da National Urban League, afirmou que a multidão foi motivada por ressentimento racial e “uma teoria da conspiração enraizada no esforço para invalidar os negros”.

    Manifestantes pró-Trump invadem Capitólio
    Manifestantes pró-Trump invadem Capitólio
    Foto: Leah Millis/Reuters

    “A turba foi recebida com empatia e deferência por parte de alguns agentes da lei e alguns do establishment militar que abriga supremacia branca, vamos falar a verdade, entre suas próprias fileiras”, testemunhou Morial na audiência da Bancada Negra do Congresso em resposta aos tumultos.

    Após a eleição, Detroit, Milwaukee, Filadélfia e Camden, Nova Jersey foram as cidades que a campanha de Trump acusou falsamente de fraude e corrupção eleitoral. Essas cidades são majoritariamente negras ou têm grandes populações negras.

    Durante uma coletiva de imprensa em novembro, o advogado pessoal de Trump, Rudy Giuliani, disse: “Você saberia disso se morasse na Filadélfia. A não ser que você seja burro, você sabe que muitas pessoas vinham de Camden para votar”, afirmou. “Elas fazem todos os anos. Acontece o tempo todo na Filadélfia.  E isso pode acontecer porque é uma cidade democrata, corrupta, e tem sido assim por anos. Muitos, muitos anos. E essas pessoas levaram isso para lugares onde podiam agir impunemente”.

    Os manifestantes acreditaram em uma narrativa profundamente enraizada em estereótipos racistas que foi mantida de forma consistente ao longo do governo Trump e usada por outros políticos nos últimos 50 anos, de acordo com Haney López, que é professor de direito na Universidade da Califórnia, Berkeley.

    “O que eles estão tentando provocar principalmente é a sensação de que pessoas não brancas perigosas estão vindo para dominar o país”, disse Haney López.

    Protesto em Paris contra violência policial (28 nov. 2020)
    Protesto em Paris contra violência policial (28 nov. 2020)
    Foto: Reprodução / CNN

    “Eles acreditam nisso porque em seus corações é verdade que esta coalizão multirracial está assumindo o poder”, acrescentou. “É simplesmente errado para eles que negros em coalizão com latinos e asiático-americanos e brancos tomem o poder”.

    Há tempos, líderes políticos usam frases com mensagens cifradas para explorar os medos raciais da América Branca. Alguns desses termos são “estrangeiro ilegal”, “bandido” e “Rainha do Bem-Estar”, termo usado pelo presidente Ronald Reagan quando concorreu à indicação presidencial republicana em 1976 para atacar defensores do estado de bem-estar durante discursos de campanha.

    Em seus primeiros comentários públicos a repórteres desde a insurreição, Trump insistiu que seu discurso de incitação ao motim foi “totalmente apropriado”.

    Ele afirmou que o “problema real” é o que outros políticos disseram sobre os protestos no meio do ano em Seattle e Portland, Oregon.

    A invasão do Capitólio também foi uma impressionante demonstração de força para os movimentos à margem com vários símbolos da supremacia branca e grupos extremistas na tela.

    Homem com chifres no Capitólio é preso (10 jan. 2021)
    Homem com chifres no Capitólio é preso (10 jan. 2021)
    Foto: CNN / Reprodução

    Um grito de guerra global para vidas negras

    Em 2013, o veredito inesperado no julgamento de assassinato pela morte de Trayvon Martin, um adolescente negro de 17 anos que caminhava pelo bairro de seu pai na Flórida, levou ao nascimento do movimento Black Lives Matter, uma das organizações mais conhecidas de luta pelo bem-estar dos negros.

    O que começou como uma hashtag se tornou um site, uma organização e mais tarde cresceu para mais de uma dúzia de filiais nos Estados Unidos e Canadá. Eles foram impulsionados pela série de mortes de negros norte-americanos nas mãos de policiais e milícias.

    De acordo com o site BLM, sua missão é “erradicar a supremacia branca e construir poder local para intervir na violência infligida às comunidades negras pelo estado e milícias”.

    Mas o objetivo do BLM não é apenas protestar contra a brutalidade policial. Em nível local, a organização defende a ajuda mútua, a diminuição do financiamento da polícia e acesso a moradia e saúde para trabalhadores negros e outros não brancos.

    Um manifestante levanta o punho durante uma manifestação.
    Um manifestante levanta o punho durante uma manifestação em 1 de junho de 2020, em Las Vegas.
    Foto: John Locher/AP

    “Vivemos em um país construído para nos manter longe desses recursos de que precisamos”, afirmou Kailee Scales, diretora-gerente da Rede Global Black Lives Matter. “O pessoal do movimento tem lutado consistentemente para reverter essa tendência, para aumentar a conscientização de que não é assim que devemos viver”.

    Estudos mostram que a segregação persiste em muitas cidades dos Estados Unidos, atrasando avanços em bairros de maioria negra. Comunidades negras não têm o mesmo acesso que os brancos a cuidados de saúde, educação de qualidade, bons empregos e outros recursos.

    “Sabe, para muitos de nós neste país, sabemos o que é ser tratado de forma diferente. E também sabemos o que é dizer que todas as coisas que vivemos todos os dias não existem ou que, se existem, é nossa culpa e que de alguma forma criamos as condições de desigualdade”, disse Alicia Garza, que cofundou a Rede Global Black Lives Matter com Patrisse Cullors e Opal Tometi.

    Leia e assista também:

    Criticado por ações durante invasão, chefe da Polícia do Capitólio renuncia

    Temores sobre instabilidade de Trump assombram os últimos dias de seu mandato

    Na esteira da morte de Floyd em maio passado, grandes multidões foram às ruas em várias cidades em solidariedade ao Black Lives Matter. Os protestos foram maiores e com mais apoio. Os sinais BLM que surgiram nos quintais de muitas pessoas foram apenas os primeiros de um reconhecimento racial em todo o país.

    As pessoas marcharam contra a violência policial, o racismo sistêmico, para serem vistas e ouvidas.

    “Se você não fala e não diz nada, é como os policiais que ficaram ao lado e só observaram”, afirmou Randy Fikki, um manifestante em Kansas City, referindo-se aos policiais envolvidos na morte de Floyd.

    Os críticos responderam à frase “Black Lives Matter” cunhando seus próprios slogans, como “All Lives Matter” (“Todas as Vidas Importam”), que alguns argumentam que minimiza o luta atual que os negros enfrentam contra o racismo sistêmico, e “Blue Lives Matter” (“Vidas Azuis Importam”), referindo-se às vidas dos policiais, que geralmente usam uniformes azuis.

    Na semana passada, os apoiadores de Trump foram criticados nas redes sociais depois de usar outra frase que há anos é conhecida como um apelo por justiça racial.

    Policial é esmagado ao tentar conter invasão no Capitólio
    Policial é esmagado ao tentar conter invasão no Capitólio (09 jan 2021)
    Foto: Reprodução / CNN

    Eles usaram a hashtag #SayHerName (#DigaSeuNome) ao se referir a Ashli Babbitt, uma mulher branca de 35 anos que foi fatalmente baleada enquanto a multidão tentava forçar seu caminho em direção ao plenário da Câmara.

    Eles pareciam estar alheios à campanha #SayHerName, que visa conscientizar as mulheres e meninas negras que são vítimas da brutalidade policial – e que muitas vezes são esquecidas.

    Lançada em 2014 pelo Fórum de Políticas Afro-Americanas e Centro de Estudos de Políticas Sociais e Interseccionais, a campanha tem trabalhado para destacar os casos de dezenas de mulheres negras, incluindo Atatiana Jefferson e Michelle Cusseaux, mortas pela polícia em suas casas.

    (Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).

    Tópicos