Biden quer fazer cortes em programa nuclear de Trump
Acordo nuclear com Moscou expira 16 dias após posse de novo presidente americano. Biden pretende rever programa de modernização nuclear, de mais de U$ 1 trilhão
Por receio do desenvolvimento de novas armas nucleares, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, vai explorar a possibilidade de fazer cortes no programa de modernização nuclear do país, revertendo, potencialmente, os esforços de Trump para aumentar esse arsenal.
Biden pretende dar maior ênfase ao controle de armas, segundo informaram dois funcionários e um assessor externo do novo governo.
Qualquer corte significativo no programa provavelmente aumentaria a preocupação entre os republicanos e entre alguns democratas que acreditam que a expansão do programa nuclear dos Estados Unidos é fundamental para a segurança nacional do país.
Especialmente, porque o tempo se esgota em um acordo nuclear pós-Guerra Fria com Moscou, que deve expirar apenas 16 dias após a posse de Biden.
O presidente pretende rever o programa, que tem custo de mais de US $ 1 trilhão e estudar se o desenvolvimento de novas armas justifica os gastos, disseram as três fontes à CNN.
Especificamente, Biden e os principais conselheiros vão analisar a possibilidade de reduzir os gastos do Pentágono, na estratégia geral de modernização nuclear e procurarão reverter planos de Trump de desenvolver um novo torpedo, disseram as fontes.
A questão é parcialmente orçamentária, explicam os especialistas, com o programa nuclear consumindo uma grande parte do orçamento do Pentágono, que poderia ser alocado para desenvolver armamentos convencionais.
Na semana passada, o The Wall Street Journal noticiou que Biden estava tentando reduzir o financiamento para armas nucleares.
O programa de modernização nuclear é visto como um elemento essencial para a segurança nacional dos Estados Unidos, mas muitos especialistas acreditam que o projeto aumentou com o presidente Donald Trump e, agora, requer verbas significativas e sustentadas pelos gastos militares gerais pelas próximas décadas.
Em contrapartida, a equipe de Biden espera renovar as negociações nucleares com a Rússia e outras potências mundiais, em um esforço para promover o controle de armas, disseram as autoridades.
Biden provavelmente dará luz verde a uma extensão rápida e de curto prazo do acordo de armas com Moscou, conhecido como “Novo START” e, em seguida, se aproximará de Moscou para mais diálogos, disse uma das fontes.
A fonte descreveu a situação como “uma questão importante” para o presidente eleito, um antigo defensor da não expansão nuclear, que escreveu em um ensaio de março de 2020, afirmando que buscaria o novo tratado START e “usaria isso como base para novos arranjos de controle de armas”.
Uma ampla reforma desse arsenal do país está em andamento há meia década, começando sob o governo Obama, que visava substituir os aviões, mísseis e submarinos que os militares dos EUA usariam para lançar armas nucleares contra alvos inimigos.
Novo míssil balístico intercontinental
Quando Trump assumiu o cargo, ele disse que uma estratégia concreta para promover o desenvolvimento de novos sistemas nucleares americanos estava atrasada e procurou desenvolver um novo míssil balístico intercontinental, com base em terra, e novas armas baseadas no mar, incluindo um míssil de cruzeiro lançado por submarino, aumentando o preço original da estratégia para novos arsenais.
O primeiro secretário de Defesa de Trump, James Mattis, seu ex-conselheiro de segurança nacional HR McMaster e outros, defenderam a expansão do programa quando a administração Trump concluiu sua revisão das forças nucleares em fevereiro de 2018.
Sob o governo Trump, os EUA pretendiam gastar quase US $ 500 bilhões, incluindo ajustes de inflação, para manter e substituir seu arsenal nuclear na próxima década, de acordo com o Escritório de Orçamento do Congresso.
Isso representa um aumento de US $ 100 bilhões, ou cerca de 23%, em relação ao custo projetado até o fim do governo Obama. Os especialistas estimam que a modernização nuclear, nos níveis atuais de gastos, vai subir mais de US $ 1 trilhão em 30 anos.
Agora, Biden decide se deve prosseguir com os planos de construir o torpedo atômico do submarino W93, que o governo Trump tem feito lobby desde que assumiu o cargo.
“Se eles não controlarem os custos, terão que tomar decisões difíceis sobre outros programas de armas convencionais, incluindo solicitações de superfície de navios da Marinha”, disse Daryl Kimball, diretor executivo da Associação de Controle de Armas.
“Aconselhamos a próxima administração a pausar cerca de três dos programas iniciados sob a administração Trump, incluindo o programa de dissuasão estratégico baseado em terra.”
‘Gastos excessivos com armas nucleares’
No ano passado, Biden afirmou, em um questionário para o conselho “Council for a Livable World”, que apoia o direito dos Estados Unidos de manter “uma força de dissuasão confiável e, ao mesmo tempo, reduzir nossa dependência e gastos excessivos com armas nucleares”.
Ele não disse se vai revogar o apoio a projetos específicos, apenas foi ao ponto de dizer que não apoia o desenvolvimento de novas armas nucleares de baixo rendimento, adquiridas pelo governo Trump.
O governo Obama concordou em realizar o programa de modernização, em troca da ratificação republicana do tratado de redução de armas nucleares do Novo START de 2010 com a Rússia – mas agora, esse pacto está em sérias dúvidas.
Trump sinalizou diversas vezes seu interesse em abandonar o antigo acordo New START, projetado para reduzir o risco de guerra entre a Rússia e o Ocidente. O contrato irá expirar em 5 de fevereiro de 2021.
Os esforços do governo Trump para renegociar o pacto aumentaram nas semanas antes da eleição. No entanto, esses movimentos foram paralisados e o destino agora é incerto, em grande parte, devido ao esforço fracassado de trazer a China à mesa de negociações para conversações sobre armas.
Trump disse que só concordaria com uma extensão, se ambos os lados concordassem em congelar todos os estoques de ogivas. Putin disse que consideraria congelar todos os estoques, embora as autoridades americanas digam que continuam em dúvida quanto à sua sinceridade.
Isso vai de acordo com uma decisão do governo, no ano passado, de retirar formalmente do tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário – um tratado nuclear da era da Guerra Fria com a Rússia que limitou o desenvolvimento de mísseis terrestres com um alcance de 500 a 5.500 quilômetros.
Prorrogação do novo tratado START
Biden afirmou que deseja estender o tratado do Novo START com a Rússia e usar o acordo como base para buscar futuros arranjos de controle de armas.
Mas as autoridades de transição reconhecem que a relação entre Washington e Moscou se tornou significativamente mais complicada desde a última vez em que Biden ocupou o cargo, principalmente nas últimas semanas, após revelações de que hackers ligados à Rússia eram compostos de software do governo dos Estados Unidos.
O tratado permite uma extensão de cinco anos, embora Biden não tenha sido apresentado a opções sobre como proceder e, por isso, não ficou claro se ele buscará uma prorrogação de curto prazo para ganhar tempo para novos negociadores ou se sua equipe vai finalizar um tratado nas duas semanas e meia antes que o tempo acabe, disse o oficial de transição.
Em outubro, o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou que o mundo está vivendo “à sombra de uma catástrofe nuclear”, alimentado pela crescente desconfiança e tensões entre as potências nucleares.
Ele acrescentou que o progresso em livrar o mundo dessas armas “estagnou e corre o risco de retrocesso” e que as tensões entre os países que têm esse armamento “aumentaram os riscos nucleares”.
Apesar do progresso na redução dos arsenais nucleares da Guerra Fria, o estoque mundial combinado de projéteis permanece em um nível muito alto, embora o número esteja diminuindo.
Aproximadamente 91% de todos os projéteis nucleares pertencem à Rússia ou aos Estados Unidos, cada uma com cerca de 4.000 ogivas em seus estoques militares.
Com isso, EUA, Rússia e Reino Unido estão reduzindo seus estoques gerais de mísseis, França e Israel têm um armazenamento relativamente estável, enquanto China, Paquistão, Índia e Coréia do Norte estão aumentando o número de ogivas que possuem, de acordo com a Federação dos Cientistas americanos.
Isso é particularmente preocupante para os EUA e outros aliados, que veem um aumento nas disputas de fronteira entre China, Índia e Paquistão.
Especialistas notam que um contrapeso à potencial redução do programa nuclear dos Estados Unidos pelo governo Biden é o fortalecimento das capacidades militares convencionais e cibernéticas assimétricas. Isso tornará os esforços para negociar com Moscou ainda mais imperativos.
Além da Rússia, Biden também precisará tomar decisões difíceis com relação a outros países, cujos programas nucleares foram vistos como uma ameaça direta aos EUA e seus aliados.
Isso inclui encontrar maneiras de integrar a China, bem como lidar com a Coréia do Norte e o Irã e aumentar as tensões nas fronteiras entre as potências nucleares vizinhas Índia e Paquistão.
“O governo Biden enfrentará pressões orçamentárias extremas para lidar com questões que vão desde a pandemia a investimentos em energia verde e prioridades de justiça social e doméstica, que teriam impacto sobre os gastos tradicionais de defesa”, disse Jeff Abramson, diretor do Fórum sobre o Comércio de Armas e um membro sênior da Associação de Controle de Armas.
“Nos primeiros dias de seu governo, também ficará claro se ele adotará uma nova abordagem nas questões de venda de armas”.