Berlusconi abriu caminho para a direita populista em todo o mundo
Analistas ponderam que ascensão do líder italiano foi inspiração para muitas das lideranças mundiais que hoje dominam o cenário político de seus países, sobretudo na Europa
Morto nesta segunda-feira (12), o ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi se tornou o mais importante nome da história política recente governando a Itália por quatro mandatos. Ele foi o político que mais ocupou o poder no país desde o ditador fascista Benito Mussolini. Eleito em uma época em que as lideranças de direita – sobretudo na Europa – tinham discursos moderados, ele abriu caminho para o surgimento de correntes radicais em todo o mundo.
Analistas ouvidos pela CNN apontam que seu perfil carismático, centralizador e polêmico serviu de molde para vários políticos que assumiram o protagonismo em seus países em algum momento.
Desde que Berlusconi ascendeu ao poder, outras figuras similares repetiram seus passos, como Vladimir Putin na Rússia, Recep Tayyip Erdogan na Turquia e Viktor Orban na Hungria. Isso sem falar em nomes como Boris Johnson no Reino Unido e Donald Trump nos Estados Unidos, além de Jair Bolsonaro no Brasil.
Berlusconi ficou marcado logo em seu primeiro mandato como premiê da Itália, em 1994, pelo carisma e pela abordagem pouco ortodoxa para as discussões políticas. Permaneceu por apenas alguns meses à frente do governo, mas deixou uma marca na cena italiana, que seria consolidada nos dois mandatos seguintes (2001/2006 e 2008 e 2011). Durante esse período, serviu de inspiração para uma corrente de políticos de direita, mais populistas e de discurso fortemente radical.
“O legado do Berlusconi pode ser visto tanto internamente como internacionalmente”, comenta o internacionalista Rodrigo Reis. “Sem dúvida, ele é uma referência dos políticos de direita populistas que ascenderam em torno de 2010, principalmente Donald Trump, mas com reverberações claras e um estilo muito próximo do Bolsonaro em alguns aspectos”.
Reis destaca o estilo discursivo de Berlusconi como inspiração para essa nova direita: populista, com discurso mais radical e uma linguagem peculiar, “sem papas na língua” e marcada por declarações, no mínimo, controversas. “Ele era um político com táticas bastante vulgares e sensacionalistas para atrair a atenção do público, incluindo a sua propensão por piadas de cunho sexual e uma demagogia que trabalhava diretamente a desilusão e a falta de esperança dos eleitores sobre política na Itália”.
O especialista em Direito Constitucional Contemporâneo Cesar Beck destaca que Berlusconi ficou tanto tempo no poder porque conseguiu captar e responder à onda de insatisfação do povo italiano com os políticos tradicionais.
“Sua liderança foi marcada por uma abordagem populista e carismática. Conseguiu ler as fraquezas e aspirações da nação italiana, estabelecendo uma conexão com a população e apelando para os sentimentos e valores tradicionais”, afirma.
O resultado, aponta Beck, foi tornar palatável o populismo à direita na Europa. “Ele abriu caminho para líderes como Viktor Orbán, da Hungria, e Boris Johnson, no Reino Unido, e até mesmo a própria Giorgia Meloni, atual primeira-ministra [da Itália]”.
Emanuel Pessoa, advogado especializado em Direito Econômico Internacional, entende que Berlusconi também abriu caminho para a esquerda radical. “Ele personificou a descrença do eleitorado com a política”. O analista lembra que Berlusconi foi o primeiro premiê a concluir seu mandato após 50 anos, o que reforçou sua personalidade condutora. “Como uma figura polarizadora, ele se valeu de sua posição de poder para mudar leis e influenciar o eleitorado contra as instituições”.
As semelhanças entre Berlusconi e o brasileiro Jair Bolsonaro também estão claras na forma como os dois alçaram ao poder: no vácuo de poder surgido depois de uma grande operação judiciária anticorrupção. “Ele soube aproveitar a queda do establishment político, após a operação Mãos Limpas”, explica Leonardo Leão, especialista em direito internacional.
![](https://preprod.cnnbrasil.com.br/wp-content/uploads/sites/12/Reuters_Direct_Media/BrazilOnlineReportWorldNews/tagreuters.com2022binary_LYNXMPEI9K0EP-FILEDIMAGE.jpg?w=1024)
Eduardo Ludugel, especialista em Direito internacional, frisa que Berlusconi também esteve amparado em uma qualidade que fez diferença: a habilidade para lidar com finanças: “Para muitos italianos seu governo representa uma idade de ouro na economia. Deixou sua marca. O magnata sempre teve tato com o dinheiro e lidar com a política econômica do país foi mais um braço o qual desempenhou bem”.
Legado para o futuro
Após abrir caminho para uma direita mais radical, Berlusconi emprestou seu prestígio para lideranças mais jovens na Itália. Seu apoio a Giorgia Meloni, do partido Irmãos da Itália, foi fundamental para sua vitória.
“Ele deixou um legado no país. A vitória de Giorgia Meloni nas últimas eleições na Itália teve o peso significativo de Silvio Berlusconi e seu partido, Forza Italia”, explica Beck. “Ele foi uma figura influente na formação da coalizão de centro-direita, que incluía Meloni e Matteo Salvini. Sua participação e apoio foram importantes para a unificação da coalizão e para a conquista de votos”.
“Berlusconi foi chave, na realidade, para possibilitar que a extrema-direita pudesse ascender na política italiana”, pondera Reis. “Ele foi responsável pela aliança com o partido separatista Liga do Norte e também com o partido pós-fascista Aliança Nacional, do qual o partido da atual primeira-ministra descende”.
Pessoa destaca a importância de Berlusconi na eleição de Meloni: “Ele apoiou Meloni, ajudando a conferir legitimidade à mesma e a obter votos com eleitores de centro-direita”. Mas destaca que a atual premiê deve ser a figura de renovação dessa corrente de direita mais radical. “Como o partido de Meloni foi o único a não integrar o governo [antecessor] de Mário Draghi, ela acabou por se tornar a principal força de oposição”.
“Sem dúvidas o falecimento de Berlusconi abala as estruturas políticas italianas. Era um nome forte da direita italiana”, confirma Leão. “Conseguiu implementar algumas ideias liberais e desestatizantes na Itália, considerado um dos países mais inflexíveis da Europa. Aprovou reformas que liberalizaram parcialmente o sistema previdenciário e trabalhista”.
O especialista em Relações Internacionais Manuel Nabais da Furriela destaca a importância que personagens populistas como Berlusconi têm em tempos de polarização. “Figuras fortes atuais como Meloni são subproduto de sua escola polícia, onde o populismo de Direita foi construído. Sendo que Meloni e a Força do Fratelli levaram a direita de Berlusconi a ser ainda mais extremada, ou seja, houve uma repaginação das propostas anteriores”.