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    Ataques de Putin na Ucrânia são similares aos feitos contra Aleppo, avaliam sírios

    "Ninguém no mundo pode entender [os ucranianos] mais do que os sírios", diz sobrevivente de cerco de cidade síria atacada em 2015

    Civis tentam escapar do confronto na Ucrânia
    Civis tentam escapar do confronto na Ucrânia Getty Images

    Jomana KaradshehEyad KourdiKareem Khadderda CNN

    Abdel Kafi al-Hamdo não consegue tirar a Ucrânia da cabeça. O sírio de 36 anos passa os dias acompanhando as notícias, tuitando mensagens de solidariedade e ensinando sua filha Lamar, de cinco anos, a desenhar a bandeira ucraniana.

    Ele diz que poucos conseguem entender o que os ucranianos estão passando conforme imagens inimagináveis de guerra, morte e sofrimento são transmitidas ao redor do mundo.

    “Ninguém pode entender os ucranianos”, disse Hamdo à CNN. “Ninguém no mundo pode entendê-los mais do que os sírios”.

    Para Hamdo, professor de inglês, assistir à guerra da Rússia contra a Ucrânia trouxe de volta as lembranças dos dias mais sombrios de sua vida — o cerco de sua cidade, Aleppo, em 2016.

    A Rússia invadiu a Ucrânia no final de fevereiro. A guerra causou centenas de mortes de civis, incluindo dezenas de crianças, e forçou mais de três milhões de pessoas a fugir do país.

    Mas seis anos antes da guerra na Ucrânia, a Rússia iniciou outra impiedosa operação militar a milhares de quilômetros de distância, na Síria, para sustentar o regime de Bashar al-Assad. As vítimas dessa guerra dizem que as cenas da Ucrânia em suas telas de televisão parecem assombrosamente familiares.

    Com a ajuda da Rússia, o regime do presidente Bashar al-Assad e seus aliados transformaram o leste de Aleppo em uma caixa de morte. Trezentos mil de seus habitantes foram sitiados, tiveram comida cortada e sofreram bombardeios até sua submissão, em dezembro de 2016.

    Foi uma tática usada durante a guerra e em todo o país, incluindo com alegados ataques químicos, o que o governo da Síria negou. Aqueles que sobreviveram aos bombardeios tiveram que deixar para trás o que restava de suas casas.

    “Eles nos destruíram; eles destruíram nosso psicológico”, disse Hamdo. Ele se lembrou de ter ido a um hospital dias antes de deixar a cidade apenas para se encontrar caminhando sobre corpos para chegar até seu amigo.

    “Isto é o que vai acontecer na Ucrânia”, disse ele. “O que está acontecendo na Ucrânia é apenas o começo”.

    Veja imagens da invasão da Ucrânia pela Rússia

    Alguns na Síria dizem que seu país foi o “canário na mina” que o mundo escolheu ignorar. Foi um campo de testes para a máquina de guerra da Rússia e uma prévia de suas ambições mais próximas de casa.

    Hamdo estava entre um grupo de residentes de Aleppo que relatou sua vida sob cerco. Eles postaram vídeos diários nas mídias sociais, apelando para que a comunidade internacional os salvasse, e dizem que seus chamados foram ignorados.

    “O que me afeta muito é que o mundo está repetindo o mesmo erro [na Ucrânia]”, disse Hamdo, emocionado, à CNN. Ele disse que machuca ver a condenação da guerra da Rússia na Ucrânia como se “fosse a primeira guerra [da Rússia] ou a primeira matança”.

    “Não consigo nem imaginar por que as pessoas ficaram cegas por 10 anos”, disse ele.

    Em 2013, o governo Obama disse que o regime de Assad atravessou uma “linha vermelha” ao usar armas químicas contra o seu próprio povo. Mas os estados ocidentais decidiram contra a intervenção militar.

    Então, em 2015, os militares russos intervieram para apoiar um Assad enfraquecido, virando a maré da guerra a seu favor. Hoje, a Rússia mantém uma presença na Síria e Assad recuperou o controle da maior parte do país. Vários países árabes restabeleceram os laços diplomáticos com seu regime.

    Para a Rússia, a intervenção teve múltiplas vantagens. Solidificou o poder de seu aliado, deu-lhe uma base de apoio na região e uma experiência militar inestimável.

    O ministro da defesa russo até se vangloriou de usar a Síria como campo de teste para os militares.

    “Testamos mais de 320 [tipos de armas], na verdade, testamos todas as armas, exceto as versões fáceis de entender [na Síria]”, declarou o ministro da Defesa russo, Sergey Shoigu, segundo o relatado pela mídia estatal russa em agosto.

    Ismail al-Abdullah, membro do grupo de resgate voluntário White Helmets (Capacetes Brancos), testemunhou em primeira mão o impacto dessas armas sobre os civis. Ele estava entre o último grupo de residentes de Aleppo forçado a sair da cidade em 2016, tendo testemunhado o massacre da segunda cidade da Síria por ataques aéreos. “Aleppo era como o dia do juízo final”, disse ele à CNN.

    “Vi edifícios desmoronarem em cima de chefes de família e crianças”, disse ele. “Em um dos casos, 34 pessoas foram mortas sob um edifício desmoronado pelo bombardeio”. Abdullah disse que o edifício foi atingido por uma bomba de bunker buster.

    Ataques russos na Síria

    Durante sua intervenção militar na Síria, a Rússia desencadeou uma campanha indiscriminada de bombardeios nos centros populacionais, tendo atingido hospitais, mercados e escolas.

    A Comissão Independente de Inquérito das Nações Unidas sobre a Síria disse que as forças do regime e a Rússia bombardearam indiscriminadamente áreas densamente povoadas, tendo como alvo e matado civis.

    As partes beligerantes no país permitiram a violação de quase todos os direitos humanos fundamentais e quase todos os crimes de guerra, disse o presidente da Comissão, Paulo Sérgio Pinheiro, em Genebra, no início deste mês. “Só podemos esperar que os líderes mundiais estejam fazendo tudo o que podem para evitar um destino semelhante para a Ucrânia”.

    Apesar das provas coletadas por várias organizações e testemunhos, a Rússia nega ter cometido crimes de guerra na Síria.

    Muitos sírios sentem que a impunidade com que a Rússia agiu na Síria pode ter encorajado o presidente Vladimir Putin a invadir a Ucrânia.

    “O que aconteceu na Síria é como uma lição para o mundo que, se eles fizessem algo para ajudar o povo sírio a deter a Rússia, talvez isso não estivesse acontecendo”, disse Abdullah. “A Rússia teria parado, em primeiro lugar, na Síria, e não teria coragem de invadir a Ucrânia”.

    Os Capacetes Brancos, que conhecem muito bem o jogo da Rússia, expressaram preocupação com a situação na Ucrânia e ofereceram dicas aos socorristas ucranianos.

    “Não atendam a nenhuma cena de bombardeio até que o céu esteja livre de aviões de guerra”, disse Abdullah, avisando os ucranianos sobre os bombardeios de “toque duplo” da Rússia.

    Ele perdeu colegas em vários desses ataques, onde aviões de guerra lançam bombas sobre uma área e depois atacam a mesma área novamente em poucos minutos, matando frequentemente os socorristas e os feridos do primeiro ataque.

    “Não ande em estradas abertas”, acrescentou ele. “Haverá franco-atiradores que atirarão em você. Eles não se importam se você for um civil, um socorrista ou um paramédico”.

    Membros da equipe de Abdullah se reúnem em sua estação em Idlib, o último reduto de rebeldes na Síria. Eles estão em constante estado de alerta. O cessar-fogo que a Rússia e a Turquia negociaram lá em 2020 é frágil. Na segunda metade de 2021, a ONU documentou pelo menos 14 ataques de forças pró-governamentais que mataram crianças, inclusive as que estavam a caminho da escola.

    Em campos de refugiados próximos, nos quais ondas de sírios deslocados pelos ataques aéreos russos são agora pressionados contra a fronteira turca, eles observam a guerra na Europa de perto. Muitos sentem que seu destino está ligado ao da Ucrânia.

    “Estou acompanhando as notícias na Ucrânia e desejo que a Ucrânia vença a guerra, para que a Rússia não vá mais longe”, disse Umm Hussein, de 48 anos. “Aqui na Síria eles nos mataram, destruíram e deslocaram, fazendo de nós refugiados. Se a Rússia vencer [na Ucrânia], ela irá mais longe e nos atacará”.

    Apesar de seus temores, há empatia nos campos pelo sofrimento de uma guerra na longínqua Ucrânia.

    “Estamos muito emocionados e afetados pelas cenas da Ucrânia”. Ao vermos crianças morrendo, estamos chorando por elas. Sentimos por elas como se vivêssemos o mesmo sofrimento”, disse ela.

    Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

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