Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Após fim da evacuação em Cabul, EUA farão revisão de operação para encontrar culpados

    Tomada rápida da capital do Afeganistão, supostos avisos do comitê de inteligência e caos no aeroporto durante evacuação entrarão na pauta da investigação; congressistas pressionam Biden

    Jeremy HerbNatasha Bertrandda CNN

    Com a retirada dos Estados Unidos do Afeganistão oficialmente concluída, a Casa Branca está pronta para iniciar o difícil processo de revisão da operação de evacuação caótica e mortal feita em alta velocidade depois que Cabul caiu nas mãos do Talibã, forçando as autoridades americanas a confrontar como eles erraram suas projeções sobre Afeganistão – a avaliação pode intensificar o jogo da culpa dentro do governo.

    A avaliação interna, conhecida como “hotwash”, examinará “tudo o que aconteceu em toda a operação do início ao fim e as áreas de melhoria, onde podemos fazer melhor, onde podemos encontrar buracos ou pontos fracos e tapá-los à medida que avançamos”, disse o conselheiro de segurança nacional, Jake Sullivan, no mês passado.

    Mas funcionários do governo e membros do Congresso não estão esperando que essa análise comece a apontar o dedo para os culpados. A própria Casa Branca culpou publicamente muitos fatores externos pelo caos, incluindo o acordo de fevereiro de 2020 do ex-presidente Donald Trump com o Talibã e as próprias forças de segurança afegãs, que o presidente Joe Biden e seus assessores disseram ter se recusado a lutar por seu próprio país.

    Em particular, funcionários da Casa Branca e do Departamento de Estado reclamaram sobre por que estão recebendo a maior parte da culpa, e não a comunidade de inteligência, que já disseram não ter previsto que Cabul cairia nas mãos do Talibã de forma tão rápida. Muitos funcionários também estão irritados com as avaliações mais otimistas apresentadas pelo enviado dos EUA, Zalmay Khalilzad. Eles dizem que análises deveriam ter sido mais realista sobre as verdadeiras intenções do Talibã.

    Mas funcionários da inteligência e legisladores de ambos os partidos acusam a Casa Branca de tentar usar a comunidade de inteligência como bode expiatório. Eles argumentam que o Conselho de Segurança Nacional e o Departamento de Estado ignoraram as severas avaliações de inteligência durante a primavera e no verão que alertaram que o governo afegão poderia entrar em colapso rapidamente.

    Segundo estes membros da comunidade de inteligência, a Casa Branca rejeitou o desejo do Pentágono de manter as tropas dos EUA no Afeganistão antes que Biden anunciasse originalmente o retirada em abril.

    A disputa privada está prestes a se espalhar rapidamente para a visão pública dos legisladores de ambos os lados do corredor – eles estão enfurecidos após a morte de 13 militares e pelo menos 170 afegãos na semana passada nas mãos do ISIS-K. Eles têm se preparado para audiências públicas que tratarão da retirada pela administração a partir deste mês. Os republicanos martelaram a resposta de Biden à crise e as audiências darão a eles um fórum público para criticar o presidente à medida em que se aproximam das eleições de meio de mandato de 2022.

    “Tudo o que está acontecendo no Afeganistão agora está nas mãos de Joe Biden”, disse o deputado Mike Rogers, do Alabama, principal republicano do Comitê de Serviços Armados da Câmara, à CNN na semana passada. “Ele tomou a decisão final. Ele é a razão pela qual saímos do jeito que saímos.”

    Os principais oficiais de segurança nacional de Biden – Sullivan, o secretário de Estado Antony Blinken, o secretário de Defesa Lloyd Austin e o presidente do Estado-Maior Conjunto, general Mark Milley – também foram alvo de críticas, à medida que a situação no Afeganistão se deteriorava. Alguns republicanos pediram sua renúncia e a maioria, provavelmente, será levada ao Capitólio para testemunhar nas próximas semanas.

    Funcionários da Casa Branca descartam demissões

    Funcionários da Casa Branca dizem que não há conversas sobre demissões em reuniões com Biden, alguém que há muito é ferozmente leal a seus conselheiros mais próximos. Eles têm protegido Sullivan, focados mais em garantir que ele tivesse o apoio para fazer seu trabalho do que em tentar enfraquecê-lo, disseram duas autoridades à CNN.

    “Não somos a Casa Branca de Trump”, disse um funcionário. Vários funcionários disseram que sabem que as tentativas de apontar o dedo ou culpar as várias agências que participam da evacuação serão intensas nos próximos dias, à medida em que os funcionários se movem para proteger suas próprias ações.

    Mas a Casa Branca manteve um olhar atento sobre as críticas, especialmente dos setores democratas, disseram várias autoridades. Embora as autoridades digam que sabem que as audiências e investigações do Congresso estão ocorrendo, eles também sabem que, pelo menos por enquanto, os democratas controlam esses comitês em ambas as câmaras.

    Em meio ao escrutínio intensificado, a Casa Branca tem telefonado para legisladores democratas nos últimos dias – incluindo o presidente do Comitê de Inteligência do Senado, senador Mark Warner, da Virgínia – e instando-os a defender publicamente a resposta do governo, dizem fontes. A porta-voz de Warner não quis comentar.

    Até agora, entretanto, esse apoio tem sido difícil de obter. Warner e o senador democrata Bob Menendez, de Nova Jersey, presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado, criticaram fortemente a operação de evacuação e nenhum dos dois defendeu o presidente publicamente.

    Até o aliado mais próximo de Biden no Senado, o democrata Chris Coons, de Delaware, indicou seu apoio a “uma revisão completa após a ação sobre a queda surpreendentemente rápida dos militares e do governo afegãos, o planejamento e coordenação para uma evacuação.”

    Alguns democratas defenderam Biden, como o senador Chris Murphy, de Connecticut, que disse à CNN no último domingo que o caos em torno da evacuação provavelmente ocorreria –independentemente de quando o governo afegão caísse.

    “Quando o Congresso fizer essa supervisão, quero ter certeza de que isso aconteceu nos últimos 20 anos, não apenas nos últimos dois meses”, disse Murphy. “Porque acreditar que havia uma forma de fazer essa evacuação de uma forma que não tivesse pânico no solo, que não houvesse risco de morte, acho que é o mesmo tipo de pensamento fantasioso que nos levou ficar no Afeganistão por 10 anos a mais, mesmo quando sabíamos que as forças afegãs não poderiam se defender sozinhas.”

    Em seu discurso marcando o fim da guerra de 20 anos, Biden defendeu a decisão de retirada e a caótica operação de evacuação que se seguiu, dizendo que “não iria estender esta guerra para sempre”.

    O presidente disse que a retirada dos EUA foi conduzida sob o pressuposto de que 300 mil homens das forças de segurança afegãs seriam um “adversário forte” para lutar contra o Talibã.

    “Essa suposição, de que o governo afegão seria capaz de aguentar por um período de tempo além da retirada militar, acabou não sendo precisa”, reconheceu Biden.

    Sinais de alerta da tomada de Cabul não foram percebidos?

    O tratamento da evacuação e as ameaças terroristas agudas que resultaram no atentado suicida mortal na última quinta-feira serão examinados em profundidade.

    Mas a questão maior será como o governo foi pego tão desprevenido pela completa tomada do país pelo Talibã, a ponto de os militares americanos serem forçados a confiar em seus antigos inimigos para fornecer aos americanos uma passagem segura para o aeroporto de Cabul.

    Oficiais de inteligência, por sua vez, dizem que não têm culpa. Um oficial sênior da inteligência observou que uma rápida tomada de controle do Talibã foi consistentemente apresentada aos formuladores de políticas como uma possibilidade real. Ainda no mês passado, disse outra fonte, a comunidade de inteligência avaliou que o Talibã estava buscando uma tomada militar total do país, em vez de um acordo político negociado.

    Mas Biden e o Conselho de Segurança Nacional optaram por dar mais crédito às avaliações mais otimistas que o governo afegão seria capaz de suportar por pelo menos um ano, disseram outras autoridades. Este seria o tempo suficiente para que os EUA concluíssem uma retirada e evacuação antes do Talibã tomar o poder.

    “Identificamos consistentemente o risco de um colapso rápido do governo afegão. Também ficamos mais pessimistas sobre a sobrevivência do governo à medida que a temporada de combates avançava”, disse um alto funcionário da inteligência à CNN.

    A desconexão com a inteligência se manifestou publicamente. Depois que o Talibã assumiu o controle de Cabul, Milley comentou sobre a avaliação da inteligência em uma entrevista coletiva no Pentágono, dizendo que o prazo do colapso do governo afegão “foi amplamente estimado e variou de semanas a meses e até anos após nossa partida”.

    “Não houve nada que eu ou qualquer outra pessoa tenha visto que indicasse um colapso deste exército e deste governo em 11 dias”, disse Milley.

    Mas um ex-oficial de inteligência com experiência no Afeganistão argumentou que a avaliação do governo caindo dentro de semanas “avisa qualquer pessoa de que é provável um colapso iminente”. “Isso é o oposto de uma falha de inteligência”, disse o ex-funcionário.

    Por que as evacuações não começaram mais cedo?

    Mesmo com avaliações mais otimistas em mãos, a situação no local se deteriorou rapidamente com o avanço do Talibã pelo Afeganistão nas semanas antes de invadir Cabul. Como resultado, uma questão que os legisladores farão é por que as evacuações de americanos e afegãos que ajudaram os militares dos EUA por duas décadas não começaram antes – quando ficou claro que o Talibã estava vencendo.

    “Havia vários indicadores de que isso era possível”, disse o deputado Jason Crow, democrata do Colorado e ex-membro do Exército no Comitê de Inteligência da Câmara.

    “Na verdade, vários membros do Congresso, incluindo eu, desde abril, alertaram que poderíamos estar em uma situação como esta, e é por isso que temos pressionado pela evacuação por meio do SIV [Programa de Visto de Imigrante Especial] começar há meses.”

    Joe Biden discursa na Casa Branca
    Joe Biden discursa na Casa Branca sobre a crise no Afeganistão / Getty Images

    Em meados de julho, um grupo de diplomatas americanos escreveu um telegrama confidencial para Blinken alertando que uma ação rápida precisava ser tomada porque eles acreditavam que a situação poderia se deteriorar rapidamente e temiam uma catástrofe.

    Uma força-tarefa para ajudar os candidatos a vistos de imigrantes especiais ​​só foi iniciada em julho, semanas antes do colapso do governo afegão.

    A Casa Branca disse que o governo não queria criar a impressão, por meio de evacuações em massa desde o início, de que o presidente afegão Ashraf Ghani era incapaz de manter o governo unido enquanto o Talibã avançava.

    Mas mesmo com o Talibã ganhando mais território, a retirada das tropas dos EUA continuou acelerada, deixando as forças de segurança afegãs cada vez mais vulneráveis. O general afegão Sami Sadat rebateu a afirmação de Biden de que “as tropas americanas não podem e não devem estar lutando em uma guerra e morrendo em uma guerra que as forças afegãs não estão dispostas a lutar por si mesmas”. Os pilotos de helicópteros foram efetivamente aterrados quando os militares americanos que partiam, por ordem do Pentágono, removeram seus sistemas de defesa antimísseis.

    A remoção desses sistemas foi confirmada à CNN por uma fonte com conhecimento direto do assunto. O deputado Mike Quigley, democrata de Illinois, no Comitê de Inteligência da Câmara, disse que havia sinais de longo prazo de que as forças de segurança afegãs não conseguirão operar por conta própria.

    “Acho que a principal coisa que você vê é uma avaliação honesta” do Pentágono sobre os militares afegãos, disse Quigley. “Eu falaria com os generais.”

    Em vez disso, várias autoridades dos EUA sugeriram que grande parte da culpa pelo que está acontecendo em Cabul é de Sullivan e do Conselho de Segurança Nacional, que, apesar de realizar um grande volume de reuniões sobre o Afeganistão nos últimos meses, muitas vezes careceu de determinação quando se tratava da implementação de recomendações de políticas.

    Um oficial caracterizou o processo de deliberação do conselho sobre o Afeganistão, incluindo a evacuação, como “paralisante”, acrescentando que a atual confusão e incerteza política é semelhante à “angústia e indecisão do governo Obama”.

    “Eles tiveram uma avaliação muito sombria durante todo o verão que antecedeu a isso, e simplesmente a ignoraram e decidiram seguir com este sonho otimista do Departamento de Estado de que chegaríamos a um acordo com o Taleban no último minuto, adivinhe, não funcionou”, disse o deputado Mike McCaul, do Texas, principal republicano no Comitê de Relações Exteriores da Câmara.

    Briga pública e depoimentos do alto escalão do governo Biden

    As explicações contraditórias e acusações nos bastidores são apenas o começo do que provavelmente se tornará uma luta pública em audiências sobre o tema no Congresso.

    O presidente da Câmara de Relações Exteriores, Gregory Meeks, um democrata de Nova York, disse na semana passada que está considerando trazer seu comitê de volta mais cedo do recesso de um mês da Câmara para ouvir Blinken publicamente. Vários comitês do Senado estão se preparando para audiências com altos funcionários do governo Biden.

    “Não sei quem disse o que ao presidente ainda”, disse o deputado Jim Langevin, um democrata de Rhode Island, que criticou a evacuação do governo.

    Langevin disse que gostaria de ouvir os assessores de segurança nacional de Biden “para realmente fazer aquelas perguntas pontuais sobre quem disse ao presidente o quê, e quem no final das contas tomou a decisão, apesar de outras opiniões talvez contrárias que possam ter sido oferecidas”.

    Muitas das questões remontam à decisão original de Biden de partir em abril, quando o presidente foi contra os líderes militares que defendiam a manutenção das tropas americanas no Afeganistão por mais tempo.

    Os legisladores também devem pressionar sobre o ritmo lento das evacuações antes que o Talibã assumisse o controle no mês passado, por meio da decisão de contar com a segurança do Talibã no aeroporto de Cabul e terminar a retirada – apesar dos americanos ainda presos no Afeganistão que queriam partir.

    Os republicanos acusam Biden de ser o principal responsável pelo que está acontecendo no Afeganistão. O líder da minoria na Câmara, Kevin McCarthy, realizou várias coletivas de imprensa e eventos públicos na semana passada com os principais legisladores de segurança nacional do Partido Republicano para atacar o presidente.

    Os membros do GOP estão se preparando para questionar a equipe de Biden em várias frentes. Eles solicitaram que o governo Biden entregasse seu “plano de evacuação” e convocasse funcionários de alto escalão para testemunhar.

    O deputado republicano Michael Waltz, da Flórida, que faz parte do Comitê de Serviços Armados da Câmara, disse nesta segunda-feira que Khalilzad, o líder dos EUA nas negociações de paz com o Talibã, “deveria ser o primeiro a ser convocado pelo Congresso”.

    Vendo o caos que se desenrolou em Cabul, muitos oficiais voltaram sua ira contra Khalilzad, dado seu papel central na elaboração do acordo da administração Trump com o Talibã no ano passado, que exigia que as tropas dos EUA saíssem do Afeganistão até 1º de maio de 2021 – um acordo que a Casa Branca disse que amarrou as mãos de Biden e não deixou ao governo nenhuma escolha a não ser retirar as forças dos EUA sem exigir quaisquer concessões reais do Talibã.

    Um alto funcionário ocidental que esteve envolvido nas negociações, no entanto, observou que Biden há muito estava determinado a retirada as tropas americanas do Afeganistão. O funcionário disse que alguns no governo consideram, portanto, manter Khalilzad em seu papel como uma forma de ter um “caçador” que poderia arcar com grande parte da culpa se as coisas dessem errado.

    O Departamento de Estado disse nesta quarta-feira que Khalilzad havia retornado a Washington partindo de Doha, no Catar, para onde os EUA estão realocando sua presença diplomática no Afeganistão.

    “Por que mantê-lo envolvido quando tudo deu tão errado?” disse o oficial. “Uma das razões é porque, fundamentalmente, você simplesmente não quer mudar a política de rendição e retirada.”

    Phil Mattingly, Zachary Cohen, Katie Bo Williams e Kevin Liptak, da CNN, contribuíram para esta reportagem.
    (Este texto é uma tradução. Para ler o original, em inglês, clique aqui)

    Tópicos