Apoio à Ucrânia opõe líderes da América Latina e Europa em negociação para cúpula Celac-UE
Encontro ocorre entre os dias 17 e 18 em Bruxelas, na Bélgica, reunindo representantes dos 60 países-membros dos dois blocos; documento final do encontro não deve declarar apoio abertamente à Kiev
A guerra na Ucrânia vem mobilizando grandes debates entre lideranças internacionais nas principais cúpulas ao redor do mundo desde o início do conflito. Na próxima semana, o apoio ou não aos ucranianos deve opor os países da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) aos da União Europeia (UE) durante encontro em Bruxelas, na Bélgica.
Assim como os Estados Unidos, os países da UE vêm demonstrando forte apoio à Ucrânia, enviando armamentos e recursos, e também impõem sanções econômicas à Rússia. Simultaneamente, o bloco e os norte-americanos vêm cobrando que outros países do mundo se alinhem a eles e à Kiev em oposição Kremlin.
Do outro, no entanto, os países da América Latina, de forma geral, têm se negado a declarar apoio abertamente, principalmente com envio de recursos e armas, ao país invadido no Leste Europeu.
Segundo o cientista político e gerente do Programa de Democracia e Tecnologia da Universidade de Oxford, Egerton Neto, isso ocorre porque o alinhamento à Ucrânia é visto como pouco estratégico para os países da América Latina.
“A divergência entre os dois blocos não é de agora. Desde o início da guerra na Ucrânia, tanto a União Europeia quanto os Estados Unidos têm a postura de pressionar o resto dos países do mundo a construir um grande bloco que fosse unânime contra a Rússia, o que acabou não ocorrendo. Muitos países optaram por não se alinhar porque há pouco ganho para eles em tomar uma posição, em bloquear economicamente a Rússia, por exemplo”, comenta Egerton.
“Na última década, nos últimos anos, a América Latina tem diversificado suas parcerias. Os Estados Unidos já não são o maior parceiro comercial. Para a maioria dos países [da região], o maior parceiro comercial, hoje em dia, é a China — o que traz como consequência uma parceria com menos restrições e exigências, do ponto de vista político e democrático. Tudo isso acaba dando à América Latina mais flexibilidade na hora de escolher suas estratégias”, completa.
Após a guerra e a grande quantidade de sanções aplicadas, a Europa ocidental percebeu que ainda é muito dependente da Rússia em commodities agrícolas e, principalmente, gás. Por isso, vem tentando recuperar sua influência em determinados territórios e fortalecer suas relações com outros países do mundo, dentre eles aqueles que compõem a Celac.
O acordo de livre comércio Mercosul-UE, em negociação, é um exemplo da tentativa dos europeus de diversificar seus parceiros econômicos e fontes limpas de energia com foco na América Latina.
No entanto, mesmo que aumentar as relações com a Europa seja positivo para esses países, não chega a ser um motivo para se posicionarem mais fortemente diante da guerra.
O cientista político Egerton Neto pondera que a necessidade da UE de diversificar seus parceiros econômicos e sua matriz energética “é um imperativo”.
“Isso está posto. A União Europeia vai precisar diversificar isso, independente se eles [os novos parceiros] apoiam a Ucrânia ou não. Ela [a UE] vai precisar de apoios na América Latina para uma transição energética verde, acesso a depósitos de minerais raros”, explica.
Sendo assim, para ele, “há pouco a se ganhar em um conflito como esse, que é visto como um conflito europeu. Conflitos semelhantes estão ocorrendo em outras partes [do mundo], e não mobilizam tanto apoio político”, completa o gerente da Oxford.
Além da questão estratégica, há ainda questões políticas importantes para alguns países ao não declarar apoio à Kiev. Com 33 países-membro, a Celac é um grupo muito diverso do ponto de vista político e econômico, mas, entre eles, há alguns que se alinham ao Kremlin abertamente.
“Eles divergem muito, nas posições políticas. Há nações mais democráticas e outras com institucionalidade mais baixa. Nesse segundo subgrupo estão Nicarágua, Venezuela, El Salvador, Honduras, todos com laços mais estreitos com a Rússia e que não têm interesse em se alinhar [à Ucrânia]. Alguns, inclusive, têm votado junto à Rússia na Assembleia Geral da ONU, por exemplo, muito por questões políticas, porque não são democracias completas, mas falhas, e buscam apoio em países onde isso importa menos”, finaliza Egerton Neto.
O consultor de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) Alexandre Leal ressalta que, diante da questão política para tomar uma posição diante do conflito, alguns países da América Latina deixam de declarar apoio à Ucrânia por considerar o especto político do governante, Volodymyr Zelensky, populista e ultradireitista.
“A América Latina, de forma geral, se opõe a seguir a narrativa internacional, que é muito maquiavélica, que considera que há um mau e um bom na guerra. E apoiar Zelensky, mesmo considerando o problema da invasão territorial pela Rússia, seria, para eles, apoiar um sistema populista de ultradireita. Eles consideram que apoiar abertamente um dos lados seria ter que escolher entre apoiar um governo autoritário ou outro, sendo um de direita e o outro um pouco mais à esquerda, então preferem não fazê-lo”, pondera Leal.
Para ele, no entanto, a questão estratégica vem em primeiro lugar: “Muitos países da América Latina não querem entrar na guerra por não possuírem poder bélico desse nível. É muita areia para o caminhão deles”.
Posição do Brasil sobre a Ucrânia na Cúpula Celac-UE
O Brasil está entre os países da América Latina que não querem declarar apoio aberto à Ucrânia em documento final do evento. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já foi criticado mais de uma vez por outros líderes por não responsabilizar a Rússia pela guerra e por equiparar os dois países no conflito.
No entanto, segundo o gerente do Programa de Democracia da Oxford, a posição de Lula não representa apoio ao Kremlin ou a Vladimir Putin.
“De modo geral, posições como a do Brasil, por exemplo, não significam apoio à Rússia de forma alguma. No caso do Brasil, ele [o presidente Lula] tenta ocupar um vácuo existente entre os dois polos. Se isso está funcionando ou não é algo que podemos debater mais, mas não pode ser lido como apoio à Rússia”, afirma Egerton.