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    Analistas russos criticam proposta de acordo de paz sem retirada de tropas da Ucrânia

    Em visita ao Brasil, representantes de instituições russas defendem que os crimes de guerra cometidos pelas forças de Vladimir Putin sejam julgados e punidos

    Lourival Sant'Anna

    Dois representantes de instituições russas que ganharam o Prêmio Nobel da Paz e um analista vieram ao Brasil explicar a situação na Rússia e por que a proposta de paz do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como está formulada, não tem como prosperar.

    Eles rejeitam a ideia de um acordo de paz sem precondições, ou seja, sem exigir que a Rússia retire suas tropas da Ucrânia ou que os crimes de guerra cometidos por russos sejam julgados e punidos.

    “Não entendo essa posição de que os dois lados têm responsabilidade”, disse à CNN Kirill Martynov, do jornal “Novaya Gazeta”, que ganhou o Nobel em 2021.

    “Apresentem evidências de que a Ucrânia provocou, começou ou quis essa guerra. É estúpido querer jogar real politik e assumir que a Rússia é tão importante que temos que dizer que a Ucrânia também tem responsabilidade.”

    “Considerando os crimes de guerra, temos que querer a paz com precondições”, argumentou Martynov.  É preciso julgar esses crimes. O único modo sustentável de paz é a Rússia se retirar dos territórios ocupados. Mas é importante um país grande como o Brasil dizer que não está contente com a guerra.”

    A “Novaya Gazeta” teve de encerrar suas operações na Rússia por causa da censura, que já existia antes, mas foi intensificada depois da invasão, em fevereiro do ano passado.

    Martynov, assim como grande parte da redação do jornal, está exilado em Riga, na Letônia. Eles mantêm um site de notícias e conseguem furar o bloqueio da censura por meio de VPN (rede privada virtual), do Telegram e do YouTube, a única rede social que não foi banida na Rússia.

    Segundo Martynov, o regime não quer entrar em conflito com o Google, dono do YouTube, porque 80% dos russos usam a plataforma Android, que pertence à empresa, e se ela se retirasse da Rússia a internet entraria em colapso.

    Pavel Andreev, que faz parte do conselho da organização de defesa dos direitos humanos Memorial, ganhadora do Nobel da Paz de 2022, disse, sobre a posição brasileira: “Entendo que [a questão dos] direitos humanos é um argumento que não funciona para a China, mas deveria ser importante para o Brasil. O Brasil deveria se perguntar o que quer”.

    A Memorial continua operando dentro da Rússia, graças à sua estrutura de rede, com centenas de colaboradores independentes espalhados pelo país. Mas a Justiça ordenou o fechamento de sua
    matriz, a pedido da Procuradoria-Geral, em dezembro de 2021, quando as forças russas cercavam a Ucrânia e preparavam a invasão.

    “Não conseguimos mais trabalhar de forma normal”, disse Andreev, que vive no interior da Rússia. “Para trabalhar como instituição, temos que chamar a guerra de ‘operação especial’.” Ele compara o ambiente na Rússia ao descrito no livro “1984”, de George Orwell, em que o “Grande Irmão” procurava controlar o pensamento da população.

    “A sociedade civil vive como um celular no modo de economizar bateria”, observa Andreev. “A primeira prioridade é proteger a si mesmo. A segunda, salvar as instituições independentes. E a terceira, tentar ajudar o máximo de pessoas possível. Muitos russos ajudam refugiados ucranianos.”

    “Eu não acho que essa mediação [do Brasil] vai funcionar porque qualquer coisa que permita a [Vladimir] Putin [presidente da Rússia] manter o que ele ocupou o beneficiará e é exatamente o que ele quer”, avalia o jornalista e analista russo Konstantin Eggert.

    “Acho que, por agora, nenhum dos lados aceitará uma mediação. Os ucranianos acham que os russos
    deveriam sair da Ucrânia e voltar para suas fronteiras de 1991.”

    Eggert elogia o fato de o Brasil ter votado na ONU pela condenação da Rússia. “Mas francamente um país membro fundador das Nações Unidas, que escreveu a Carta da ONU, incluindo o artigo sobre autodefesa, deveria entender o sofrimento da Ucrânia. Ela é vítima de agressão não-provocada. É uma guerra que não vemos na Europa há 80 anos.”

    O jornalista russo se exilou em Vilna, Lituânia, depois da primeira invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2014, porque diz que percebeu o que viria depois.

    Ele afirma: “Na Europa pagamos o preço de mais de 100 milhões de mortos em duas guerras mundiais para entender uma coisa: não existe paz a qualquer preço. A paz sempre tem um preço. E a única paz durável é a paz com justiça, dignidade e respeito pelas vítimas. Acho que qualquer mediação que não seja baseada nisso vai fracassar”.

    Os três se reuniram com o embaixador Carlos Cozendey, secretário de Assuntos Multilaterais Políticos do Ministério das Relações Exteriores, com a chefe da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do Ministério dos Direitos Humanos, Carla Martins Solon, com André Mendonça, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e com Carlos Alberto Coelho, procurador-federal de Direitos do Cidadão.

    A CNN apurou que os representantes dos ministérios assumiram uma posição de ouvir, dando a entender que a iniciativa brasileira de mediação ainda está em fase de elaboração. Eles conversaram
    com os russos em um almoço em Brasília, na segunda-feira (13).

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