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    Análise: Venezuela está se aproximando de um modelo como o da Nicarágua?

    Segundo críticos, países se assemelhariam nas crises pós-eleitorais de repressão da dissidência

    Gonzalo Zegarrada CNN

    O governo do presidente Nicolás Maduro rejeita todas as críticas ao processo eleitoral na Venezuela e promove projetos de lei que avançam contra as organizações civis e a observação externa nas eleições, segundo os seus críticos, enquanto restringe e criminaliza a dissidência, um caminho que expõe cada vez mais paralelos com o que aconteceu na Nicarágua após os protestos de abril de 2018 sob o regime de Daniel Ortega.

    Com o Acordo de Barbados e a participação da aliança majoritária de oposição nas eleições presidenciais de 28 de julho (embora sem sua principal candidata, María Corina Machado), o chavismo parecia mostrar uma linha de “autoritarismo eleitoralmente competitivo”, termo utilizado pelo cientista político venezuelano John Magdaleno em suas análises. Nas últimas semanas, o Conselho Nacional Eleitoral evitou dar resultados detalhados das eleições após proclamar Maduro como vencedor, a repressão à oposição se intensificou e o Poder Legislativo, de maioria pró-governo, avançou com projetos de lei que restringem o espaço democrático.

    “Tudo o que Daniel Ortega fez em 2020, um ano antes das eleições na Nicarágua, sob um estado policial, Maduro está fazendo depois da fraude. O roteiro é idêntico”, disse o jornalista nicaraguense Carlos Fernando Chamorro, diretor do Confidencial, meio de comunicação que dirige no exílio na Costa Rica, à CNN.

    O que aconteceu na Nicarágua?

    Os protestos que eclodiram em abril de 2018 na Nicarágua contra as reformas da segurança social foram recebidos com extrema repressão. As manifestações e reivindicações cresceram para exigir a saída de Ortega e eleições antecipadas. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos reportou 317 mortes até o início de agosto do ano em questão, número superior ao que o governo contabilizou.

    “Depois de uma revolta social e de uma insurreição cívica que durou 100 dias, foi imposto um Estado policial, uma violação de todas as liberdades democráticas, de todos os direitos de reunião, de expressão, de associação, sem estabelecer um Estado de emergência: uma ditadura pura e dura ”, disse Chamorro, filho da ex-presidente Violeta Barrios (1990-1997).

    Em 2019, após um diálogo com a oposição, o governo se comprometeu a reforçar as garantias dos cidadãos, a rever a situação das organizações civis e dos meios de comunicação social (cujo estatuto jurídico foi cancelado) e a libertar parcialmente os detidos nos protestos.

    Com este contexto, o país seguiu para as eleições marcadas para 2021.

    “No período pré-eleitoral, o Estado policial continuou, sem nenhuma liberdade”, afirmou Chamorro. Depois da oposição ter decidido participar, vários pré-candidatos foram detidos entre junho e julho no âmbito da Lei 1055, aprovada em 2020, que invoca uma, alegada, “defesa dos direitos do povo à independência, à soberania e à autodeterminação para a paz”.

    Ainda em 2020, a Assembleia Nacional aprovou uma ‘lei de regulamentação de agentes estrangeiros’ (em tradução livre), que exige que as pessoas físicas ou jurídicas, sejam elas nicaraguenses ou de outras nacionalidades, que atuem como agentes estrangeiros se abstenham de intervir na política interna; e a ‘lei especial do cibercrime’, que pune a divulgação de “informações falsas” que incitem ao ódio, ponham em risco a estabilidade econômica ou a segurança soberana. A interpretação e aplicação de todos estes instrumentos jurídicos permaneceram ao critério exclusivo das autoridades e das suas forças de segurança.

    Diante da pouca concorrência e de uma oposição ilegal, Ortega conquistou seu quarto mandato consecutivo com mais de 70% dos votos, segundo o Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua.

    As leis do chavismo

    A maioria chavista na Assembleia Nacional aprovou na quinta-feira (15) uma lei que limitaria o trabalho de organizações não governamentais na Venezuela.

    O projeto, inicialmente discutido em janeiro de 2023, foi retomado nos últimos dias em meio ao conflito pós-eleitoral. O partido no poder argumenta que procura garantir a transparência e a prestação de contas destas organizações.

    Oscar Murillo, coordenador geral da ONG Provea, dedicada à promoção dos direitos humanos na Venezuela, acredita que a lei procura criminalizar o trabalho de ativistas de direitos humanos, entre outros.

    Ao mesmo tempo, o presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodríguez, promoveu uma proposta para impedir observadores internacionais em meio às críticas oficiais ao trabalho das recentes missões do Centro Carter e do Painel de Observadores da ONU, que questionaram as últimas eleições. Convidados pelo governo afirmaram que a votação “não pode ser considerada democrática” e que o processo de gestão de resultados do CNE “não cumpriu as medidas básicas de transparência e integridade”.

    Eugenio Martínez, diretor da Votoscopio – organização dedicada à divulgação de questões eleitorais -, disse à CNN que, ao contrário de uma missão de acompanhamento, que tem um destacamento limitado e uma presença “maioritariamente simbólica”, os observadores têm como objetivo “avaliar o processo eleitoral como um todo, de forma sistemática”.

    Segundo sua análise, a proposta de Rodríguez “pode tornar a presença de observadores ainda mais restritiva”.

    O Parlamento discute outro projeto de lei “contra o fascismo, o neofascismo e expressões similares”, com sanções que podem ser criminais (prisão), administrativas (multas) ou envolver a dissolução de organizações.

    Maduro usou várias vezes o termo fascismo para se referir aos seus oponentes. O projeto de lei define o fascismo como uma posição ideológica que, baseada em uma alegada superioridade moral, étnica, social ou nacional, “assume a violência como método de ação política”, degrada a democracia e promove a supressão dos direitos de alguns setores em benefício de outros. Além disso, ampliou o conceito ao apontar que “chauvinismo, classismo, conservadorismo moral, neoliberalismo, misoginia e todos os tipos de fobia contra seres humanos” também são “características comuns” desta posição citada.

    O projeto parece redefinir o que é o fascismo, pelo menos na Venezuela. Nos círculos acadêmicos e políticos de muitos países, o fascismo é reconhecido como a “ideologia política e movimento de massas que dominou muitas partes da Europa Central, Meridional e Oriental entre 1919 e 1945 e que também teve seguidores na Europa Ocidental, nos Estados Unidos, na África do Sul , Japão, América Latina e Oriente Médio”, de acordo com a Enciclopédia Britânica.

    Gilberto Aranda, especialista em estudos latino-americanos, disse no programa de conclusões que a proposta “é um mecanismo que visa sancionar, punir os oposicionistas políticos, em uma medida autoritária”, por isso prevê uma repressão que será cruel.

    Semelhanças e diferenças

    Sobre as semelhanças com a Nicarágua, o jornalista Chamorro indicou que “os procedimentos são parecidos, mas ocorrem em momentos políticos completamente diferentes”.

    “Existem duas grandes diferenças. Na Nicarágua nunca houve eleições, mas sim uma reeleição sem competição política. Os partidos foram proibidos e não havia possibilidade de saber quem liderava a oposição. E, o mais importante, na Nicarágua já vivíamos sob o Estado policial antes das eleições, não podíamos sair às ruas com a bandeira há três anos porque é um crime, não havia possibilidades de protesto”, comparou.

    Ele destaca que na Venezuela “além da repressão e do massacre, ocorreu uma megafraude, o que exige uma reação internacional”. No caso da Nicarágua, Chamorro disse que a crise de 2018 pegou de surpresa a comunidade internacional, que reagiu após a publicação de informações sobre as vítimas.

    “Há países da América Latina que, no caso da Nicarágua, nunca exerceram uma pressão efetiva contra a ditadura de Ortega e que no caso da Venezuela pelo menos exigem que ele apresente as atas”, destacou Chamorro.

    A região continua atenta ao processo, inclusive, pela possibilidade de uma nova onda migratória. Embora quase 8 milhões de pessoas tenham deixado a Venezuela desde 2014, segundo o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) em um inquérito realizado antes das eleições de julho, mais de 18% dos entrevistados pela ORC Consultores responderam que considerariam deixar a Venezuela se Maduro fosse reeleito.

    No caso da Nicarágua, o país enfrentou um êxodo devido à redução do espaço cívico. O ACNUR indicou que entre 2018 e 2020 mais de 100 mil pessoas foram “forçadas a fugir e procurar asilo devido a perseguições e violações dos direitos humanos relatadas no país”. Em 2021, outros 140 mil nicaraguenses deixaram o seu país, a maioria deles para a Costa Rica e outros também para o Panamá e o México.

    Desta forma, os habitantes da Venezuela (com um colapso econômico na última década) e da Nicarágua (com o segundo PIB per capita mais baixo da América Latina e das Caraíbas, segundo o Banco Mundial), dependem cada vez mais das remessas familiares. O Fundo Monetário Internacional estimou que até o final de 2023, os envios de migrantes chegariam a 28% do produto interno bruto, duplicando o seu nível no final de 2021.

    Outra diferença que aparece entre os dois processos é a relação com a Igreja Católica, que saiu em defesa daqueles que protestaram pacificamente em 2018 e procurou mediar um diálogo. Nos últimos dois anos, mais de 50 padres foram banidos, segundo o Coletivo ‘Nunca Más’ da Nicarágua, uma organização de defesa dos direitos humanos, com casos como o do bispo Rolando Álvarez, um crítico do governo que vive no exílio depois de ter sido condenado por acusações que incluem conspiração e traição. Além disso, o governo ordenou o encerramento de centenas de grupos religiosos.

    Na Venezuela, a Igreja também fez declarações contra as violações dos direitos humanos e a relação com o governo passou por episódios de tensão, mas não atingiu os níveis de confronto e repressão de Manágua. Há poucos dias, a Conferência Episcopal Venezuelana apelou ao respeito pelo voto popular nas eleições e manifestou solidariedade com aqueles que “vivem a angústia de não saber a localização dos detidos”.

    Quanto às possibilidades que Maduro está considerando, Chamorro disse que o presidente já está implantando um Estado policial na Venezuela, mas persistem as dúvidas sobre a sua viabilidade. “É claro que você pode impor isso, você tem o controle de todas as forças de segurança, mas será que consegue mantê-lo, torná-lo eficaz? Isso depende da capacidade de resistência”, pontuou.

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