Análise: Trump aproveita morte de militares dos EUA no Oriente Médio como discurso eleitoral
Ex-presidente colocou toda a culpa em Biden e na sua aparente falta de força; republicano alegou que as guerras atuais nunca teriam acontecido se ele estivesse no Salão Oval
O principal argumento do ex-presidente dos EUA Donald Trump para as eleições gerais de novembro é que o presidente Joe Biden é fraco e incapaz à medida que os acontecimentos saem do controle no país e no estrangeiro.
E ele está se apresentando como o homem que o país precisa para salvá-lo.
O ex-presidente passou a noite de sábado (27) no estado de Nevada criticando as políticas de seu sucessor na fronteira sul, que ele retratou como um desastre de segurança nacional prestes a acontecer.
“Há 100% de probabilidade de que haja um grande ataque terrorista nos Estados Unidos, tantos ataques, talvez, e tudo por causa do que aconteceu nos últimos três anos”, disse ele.
Ainda assim, Trump também tenta derrubar um acordo do Senado que pode aliviar a situação na fronteira – um sinal do seu crescente poder no Partido Republicano e da sua tendência para exacerbar o tipo de caos que usa como justificativa para sua própria eleição.
O ex-presidente também foi rápido em explorar outra crise para obter ganhos políticos neste domingo.
Depois da trágica notícia vindo do Oriente Médio, que três soldados dos EUA foram mortos em um ataque de drone na Jordânia, Trump colocou toda a culpa em Biden e na sua aparente falta de força.
O republicano alegou que as guerras atuais nunca teriam acontecido se ele estivesse no Salão Oval. “(Nós) teríamos agora paz em todo o mundo. Em vez disso, estamos à beira da Terceira Guerra Mundial”, disse Trump em comunicado.
Os seus ataques representam simplificações grosseiras de problemas complexos e uma percepção inflacionada da sua própria política externa, que se caracterizou principalmente por aproximar-se de ditadores e criticar os aliados dos EUA ao mesmo tempo que transformava os Estados Unidos – uma fonte de estabilidade global durante décadas – numa força de perturbação.
Mas os ataques de Trump destacam o verdadeiro perigo político que Biden enfrenta nacionalmente, enquanto luta com a possibilidade de que uma guerra em expansão no Oriente Médio possa arrastar os EUA de volta para um conflito regional.
As descrições demagógicas de Trump de uma fronteira sitiada e de um mundo que se ri da fraqueza dos EUA surgem num momento em que muitos americanos estão preocupados com os fluxos migratórios na fronteira sul – e quando os desconcertantes acontecimentos mundiais e os desafios ao poder dos EUA se multiplicam.
A atmosfera de desordem que Trump tenta promover também coincide com um sentimento entre alguns eleitores de que o país está no caminho errado – especialmente porque os elevados preços dos alimentos e as taxas de juro desafiam muitos orçamentos familiares.
Portanto, a imagem de Trump de um mundo em desordem enquanto Biden permanece impotente pode ter alguma potência política.
O objetivo também é abordar as preocupações sobre a idade de Biden e a ansiedade entre muitos americanos de que o homem de 81 anos não esteja apto para liderar os EUA em um segundo mandato.
Biden tentou devolver isso a Trump, levantando questões sobre seu temperamento e aptidão mental após a recente série de gafes de campanha do ex-presidente, algumas aparições desequilibradas fora dos tribunais e um discurso de vitória auto-absorvido após as primárias de New Hampshire na semana passada.
Como os acontecimentos no exterior impactam a campanha de Biden
As notícias das mortes dos militares dos EUA na Jordânia atingiram Biden durante um fim de semana na Carolina do Sul, que incluiu a campanha mais enérgica da sua candidatura à reeleição até agora e os seus ataques mais intensos ao seu antecessor e possível sucessor.
No sábado, Biden zombou de Trump chamando-o de “perdedor”, aparentemente tentando arrastá-lo para o tipo de reações indignadas que poderiam alienar os eleitores indecisos críticos.
Ele foi a uma barbearia, duas igrejas e um jantar antes das primeiras primárias democratas do estado, que acontecem no próximo fim de semana, enquanto tentava reforçar o apoio dos eleitores negros – uma parte crítica de sua base.
Mas as terríveis notícias do Oriente Médio ofuscaram imediatamente a viagem. Biden pediu um momento de silêncio antes de um almoço de domingo com uma congregação batista para as “três almas corajosas” que os EUA perderam no Oriente Médio.
“Nós responderemos”, ele prometeu.
A trágica interrupção destacou como os presidentes que procuram a reeleição devem equilibrar os seus deveres com as suas prioridades políticas e a forma como as crises externas podem ameaçar a sua sorte política.
A posição de Biden é especialmente grave, uma vez que a crise em expansão na região acontece ao mesmo tempo da incômoda crise interna na fronteira sul.
Trump compreende bem a exposição do presidente. Depois de declarar que ofereceu “profundas condolências” às famílias dos mortos e orações pelas cerca de 30 pessoas feridas, ele rapidamente partiu para a ofensiva.
“Este ataque descarado aos Estados Unidos é mais uma consequência horrível e trágica da fraqueza e rendição de Joe Biden”, disse Trump.
O último oponente republicano remanescente de Trump, a ex-embaixadora dos EUA nas Nações Unidas Nikki Haley, também usou o ataque para criticar Biden como fraco.
Haley, cujo marido é militar no estrangeiro, exigiu ação imediata para dissuadir o Irã.
“Isso mostra que eles não estariam atacando nossas tropas se Joe Biden não fosse tão fraco no tratamento que dispensou ao Irã. Deveríamos retaliar com toda a força americana”, disse Haley.
A senadora republicana Lindsey Graham, da Carolina do Sul, foi ainda mais longe – exigindo um ataque dos EUA ao próprio Irã, uma opção que, se seguida, poderia mergulhar os EUA numa guerra desastrosa com um adversário poderoso e incendiar a região.
Trump está de volta como uma grande força política
A intensificação da campanha para as eleições gerais confirma o retorno de Trump como uma grande força política após as suas duas primeiras vitórias na corrida às nomeações republicanas.
Mas a sua posição linha-dura em relação à imigração também expõe as divisões no Partido Republicano, à medida que um grupo de senadores pressiona por um acordo de fiscalização da imigração que possam vender aos eleitores em novembro.
Na noite de sábado, no Nevada – um campo de batalha importante – Trump descreveu os migrantes, muitos dos quais fogem da perseguição política e da crise econômica enquanto procuram asilo político, como “criminosos, assassinos, terroristas”.
Ele também fez o seu esforço mais público para inviabilizar o acordo que está sendo finalizado no Senado que permitiria ao presidente fechar a fronteira quando as travessias ilegais atingissem níveis elevados, para encurtar o processo de asilo e para agilizar as autorizações de trabalho.
“Como líder do nosso partido, não há nenhuma chance de eu apoiar esta traição horrível e de fronteiras abertas à América. Não vai acontecer. Vou lutar contra isso até o fim”, disse Trump.
Ele também elogiou o presidente da Câmara, Mike Johnson, como “muito duro” e apoiou a advertência do republicano da Louisiana de que o projeto estaria morto ao chegar à Câmara.
Biden, depois de meses na defensiva em relação à imigração, também procurou explorar a questão no fim de semana.
Ele pressionou os republicanos para que aprovassem o projeto de lei em repúdio ao ex-presidente, dizendo que isso lhe daria “autoridade de emergência para fechar a fronteira até que ela possa voltar a ser controlada.
“Se esse projeto fosse lei hoje, eu fecharia a fronteira agora mesmo e consertaria isso rapidamente.”
Um dos aliados do presidente no Senado previu no domingo que o acordo fronteiriço poderia ficar pronto esta semana.
“Fiquei feliz em ouvir o presidente se manifestar e falar vigorosamente a favor deste projeto de lei. Tenho esperança de que ainda teremos republicanos suficientes no Senado que queiram resolver o problema na fronteira, em vez de apenas cumprir as ordens de Donald Trump, mas veremos nas próximas 24 a 48 horas se isso é verdade”, disse o senador democrata Christopher Murphy, de Connecticut, disse a Dana Bash da CNN.
O confronto também reviveu o longo antagonismo entre o ex-presidente e os principais líderes do Senado, como o líder da minoria Mitch McConnell, e pode prenunciar a desordem que poderá acontecer em um segundo governo Trump.
Dado o poder dos congressistas pró-Trump na Câmara e a pressão que Trump exerce sobre Johnson, é quase impossível ver um caminho no Congresso para o acordo.
Isso seria uma notícia terrível para a Ucrânia, uma vez que o pacote de imigração está ligado ao último pedido de Biden de 60 bilhões de dólares em ajuda para o esforço de Kiev para repelir a invasão da Rússia.
Trump também se opõe a essa medida – em outro sinal de como o seu retorno ao centro do universo político de Washington já possui ramificações globais.
Biden dá início à campanha em alta velocidade
Os ataques mais contundentes de Biden a Trump ficaram evidentes quando ele mencionou a recusa do ex-presidente em visitar uma cerimônia militar na França enquanto ele estava no cargo.
Trump negou ter chamado os militares mortos na guerra de “otários e perdedores”, mas Biden aproveitou a controvérsia em um estado onde os militares e os veteranos desempenham um papel enorme.
“O único perdedor que vejo é Donald Trump”, disse Biden, “isso me deixa com raiva”.
O presidente também destacou a aparente confusão recente de Trump entre Haley e a ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi, ao levantar questões sobre a aptidão mental do ex-presidente, retomando as afirmações de Trump de que ele é incapaz contra seu rival de 77 anos.
“Ele está um pouco confuso atualmente”, disse Biden.
E na noite de domingo, a campanha de Biden emitiu uma resposta sarcástica a um discurso do ex-presidente nas redes sociais criticando o presidente da United Auto Workers, Shawn Fain, depois que o sindicato apoiou o atual presidente na semana passada.
“Então aparentemente, perder o apoio do UAW para Joe Biden deixou o ego de Donald Trump ferido”, disse um comunicado.
Resta saber se os eleitores aceitarão a imagem que Biden e a sua equipe tentam pintar de Trump. Mas o seu ressurgimento como provável candidato do Partido Republicano também realça as responsabilidades extraordinárias que ele carregaria numa eleição geral.
O espetáculo impressionante na sexta-feira, por exemplo, de um júri decidindo que ele deveria pagar US$ 83 milhões por difamar a escritora E. Jean Carroll, de quem ele já foi considerado responsável por abuso sexual e difamação em outro caso civil, exemplificou as ameaças legais extremas que o “ex-presidente e as questões de caráter que alienaram os eleitores periféricos em 2020 durante sua derrota eleitoral”.
Esse caso chegou a uma conclusão com Washington ainda aguardando a decisão de um tribunal de recurso sobre as amplas reivindicações de imunidade presidencial de Trump, que poderá ajudar a decidir se o seu caso de interferência nas eleições federais – um dos quatro julgamentos criminais iminentes – prosseguirá antes do dia das eleições, em Novembro.