Análise: tensão política aumenta em Israel, revelando novo perigo a Netanyahu
Divisões e divergências dentro do gabinete de guerra israelense sobre a condução e prioridades dos combates em Gaza transbordaram após mais de sete meses de conflito, diz analista
As divisões e divergências dentro do gabinete israelense sobre a condução e as prioridades da guerra contra o Hamas aumentaram desde o início da crise.
Agora elas transbordaram, revelando um novo nível de acidez pública – bem como um ultimato de um dos três membros do gabinete de guerra – à medida que o conflito de sete meses entra potencialmente em uma nova fase.
No sábado (18), Benny Gantz, o líder do Partido da Unidade Nacional, que se juntou ao gabinete de guerra após o ataque do Hamas em outubro, exigiu até 8 de junho a adoção de um plano de seis pontos. Esse plano garantiria o retorno dos reféns israelenses, a desmobilização do Hamas e a desmilitarização da Faixa de Gaza.
E também levaria à criação de um governo alternativo para Gaza, “uma administração americana-europeia-árabe-palestina” que “estabeleceria as bases para uma alternativa futura que não seja o Hamas ou [Mahmoud] Abbas”, o presidente do Autoridade Palestina.
O plano de Gantz também garantiria o retorno dos residentes deslocados pelos ataques do Hezbollah, a milícia apoiada pelo Irã no Líbano, e medidas para garantir que os judeus ultraortodoxos possam ser convocados para o serviço militar tal como qualquer outro cidadão. Esta tem sido uma linha vermelha para a direita religiosa no gabinete israelense.
Em um ataque direcionado ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, Gantz, que é amplamente visto como um dos principais candidatos a ser o próximo líder israelense, acrescentou que “considerações pessoais e políticas começaram penetrar no santo dos santos da segurança de Israel”.
“Se decidirem levar a nação ao abismo, nos retiraremos do governo, voltaremos para o povo e formaremos um governo que possa trazer uma verdadeira vitória. A unidade não pode ser uma folha de parreira para a estagnação na gestão da campanha”, acrescentou Gantz.
Em poucas horas, as acusações começaram a surgir, revelando as fissuras na política israelense e as animosidades pessoais que permeiam o governo.
O gabinete do primeiro-ministro reagiu. “As condições estabelecidas por Benny Gantz são palavras fracassadas cujo significado é claro: o fim da guerra e uma derrota para Israel, o abandono da maioria dos reféns, deixando o Hamas intacto e o estabelecimento de um Estado palestino”, afirmou em nota.
Um membro de extrema direita do gabinete, o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, disse que Gantz era “um pequeno líder e um grande trapaceiro, que, desde o primeiro momento em que ingressou no governo, tem tentado principalmente desmantelá-lo”.
Ele acrescentou: “Quem quer que ofereça aos ultraortodoxos uma lei de recrutamento em troca da dissolução do governo e agora grita slogans sobre responsabilidade, é um hipócrita e um mentiroso”.
De um ponto de vista muito diferente, o líder da oposição Yair Lapid disse que Gantz deveria agir agora.
“Chega de coletivas de imprensa, chega de ultimatos vazios, saiam! Se você não estivesse no governo, já estaríamos na era pós-Netanyahu e Ben Gvir”, disse ele.
O ataque de Gantz não veio de forma isolada. Na semana passada, o terceiro membro do gabinete de guerra, o ministro da Defesa, Yoav Gallant, falou de decisões que, segundo ele, deveriam ter sido tomadas no início da guerra. Ele também disse: “Não concordarei com o estabelecimento do regime militar israelense em Gaza. Israel não deve estabelecer um regime civil em Gaza”.
Ilusão de unidade destruída
É nesse contexto de guerra destruidora que as tropas israelenses continuam lutando em Gaza, sem saberem como terminará a sua missão e sobre qualquer plano para o dia seguinte após o fim do conflito.
O próprio Gantz fez referência a isso no sábado, dizendo que “embora os soldados israelenses demonstrem suprema bravura no front – algumas das pessoas que os enviaram para a batalha se comportam com covardia e irresponsabilidade”.
Comentaristas israelenses disseram no domingo (19) que a ilusão de unidade dentro do gabinete que foi promovida na fase inicial do conflito foi destruída.
O Jerusalem Post informou no domingo que os comentários foram notáveis porque, pela primeira vez, “Gantz acusou publicamente o primeiro-ministro de priorizar a sua sobrevivência política em detrimento dos interesses da nação. Pela primeira vez, ele estabeleceu um prazo claro para permanecer no governo”.
Escrevendo no Haaretz, Anshel Pfeffer disse que quem quer que tenha escrito o discurso de Gantz “nada mais fez do que reciclar as dezenas de vazamentos de informações sobre as divisões dentro do gabinete de guerra nos últimos meses”.
Pfeffer, autor da biografia não autorizada “Bibi: The Turbulent Life and Times of Benjamin Netanyahu” (“Bibi: A Vida e os Tempos Turbulentos de Benjamin Netanyahu”, na tradução livre), diz que o resultado, no final de uma semana de turbulência política, é que “dos três membros do gabinete de guerra, dois acusaram agora publicamente o terceiro membro, Netanyahu, de não ter uma estratégia para uma guerra que já dura sete meses e meio”.
Apesar de tudo isso, Pfeffer e outros analistas afirmam que o status quo pode persistir, porque para Netanyahu, a presença de Gantz e Gallant no gabinete de guerra de três homens proporciona proteção contra os membros de direita do gabinete maior.
Alguns deles querem que Israel reconstrua os assentamentos em Gaza e uma abordagem muito mais agressiva no norte. O ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, que deseja que os militares israelenses assumam o controle de Gaza após a liquidação do Hamas, também pediu no domingo que as forças israelenses entrem e estabeleçam uma zona de segurança no sul do Líbano caso os ataques com foguetes do Hezbollah continuem.
Na noite de sábado, Gantz disse a Netanyahu: “Essa noite olho nos seus olhos e te digo: a escolha está nas suas mãos”. Ele disse que o momento da verdade havia chegado.
Chegou mesmo? Durante as próximas três semanas, o compromisso poderá ainda manter intacto o gabinete de guerra. E Gantz não faz parte do governo de coligação mais amplo, o que significa que a sua potencial retirada do gabinete de guerra não desencadearia automaticamente o colapso do governo de Netanyahu.
No entanto, deixaria o primeiro-ministro mais exposto às exigências dos membros da extrema direita do seu gabinete.
Tudo isso acontece em um momento de protestos diários em Israel, desde aqueles que pedem eleições imediatas até aqueles que exigem a garantia que a libertação dos reféns seja a prioridade absoluta, e aqueles que querem o fim da entrada de mais ajuda humanitária em Gaza.
E em um momento em que os militares israelenses estão combatendo no norte, centro e sul de Gaza, e se preparando para aquela que poderá ser a fase mais difícil da campanha até agora.