Análise: Revolta do Cazaquistão demorou a chegar e é indesejável para Putin
Rússia mantém relações estreitas com o país da fronteira sul e manifestações são preocupantes, desviando o foco do presidente russo em relação à Ucrânia.
Para os motoristas no oeste do Cazaquistão, não foi um ano novo feliz quando o 1º de janeiro chegou e dobrou o preço do gás liquefeito de petróleo (GLP).
Apenas algumas dezenas de pessoas foram às ruas na cidade de Zhanaozen para protestar, mas em três dias a raiva delas foi ecoada por várias pessoas em todo o vasto Estado da Ásia central, rico em recursos e farto de tudo, desde de desemprego e inflação à corrupção.
As forças de segurança tiveram a vantagem no início, superando amplamente aqueles que enfrentavam prisões e temperaturas abaixo de zero para protestar. Mas em 4 de janeiro, a inquietação espontânea engolfou Almaty, a maior cidade deste ex-Estado soviético autoritário. As promessas do governo de reverter o aumento de preços e oferecer outros suportes econômicos foram insuficientes e tardias.
Agora, o presidente Kassym-Jomart Tokayev, que assumiu o cargo em 2019, enfrenta a escolha de oferecer um diálogo político real ou optar pela repressão.
Tokayev parece ter sido pego de surpresa pela rápida disseminação dos protestos. Em 2 de janeiro, ele postou no Twitter que “os cidadãos têm o direito de fazer demandas públicas às autoridades locais e centrais, mas isso deve ser feito de acordo com a lei”. Posteriormente, ele disse que “os manifestantes devem ser responsáveis e estar prontos para o diálogo” e prometeu que uma comissão “encontraria uma solução mutuamente aceitável para o problema que surgiu, no interesse da estabilidade”.
Mas as respostas a Tokayev expuseram a profundidade da raiva popular. Um disse: “Todos os dias, tudo sobe de preço. Quero dizer, os mantimentos e tudo mais. Impossivelmente ficando mais caro. Por favor, tome alguma atitude. Não é fácil para as pessoas comuns”.
Panela de pressão de queixas
As repetidas – e não cumpridas – promessas do governo de um futuro econômico melhor transformaram o Cazaquistão em uma panela de pressão de descontentamento, disseram analistas à CNN. As queixas de longa data sobre o desemprego e os baixos salários – especialmente nas indústrias pesadas do oeste do Cazaquistão – foram agravadas por uma recessão induzida por uma pandemia e uma grotesca desigualdade.
“Este é um governo altamente desvinculado da realidade do que acontece na sociedade. É um país onde não há instituições que possam protestar; a única rota é nas ruas”, disse à CNN Paul Stronski, do Carnegie Endowment for International Peace.
Stronski diz que as autoridades anunciaram muitos planos diferentes para melhorar a qualidade de vida e reprimir a corrupção, mas eles nunca foram implementados. “Disseram às pessoas que as coisas iam melhorar, mas a riqueza foi drenada”, disse ele.
A falta de diálogo e o assédio da oposição política deixaram o governo alheio e cego às queixas populares.
Os protestos no Cazaquistão estão longe de serem desconhecidos, mas eles raramente trouxeram mudanças. Katie Putz, da revista The Diplomat, escreveu no Twitter que “os protestos em 2016 e 2019 no Cazaquistão foram precursores e, para as autoridades, perderam as saídas de acesso”.
Stronski disse à CNN que as autoridades perderam oportunidades e sinais de alerta na última década, optando por mudanças superficiais em vez de mudanças reais.
Não são apenas as questões básicas que geraram protestos. De acordo com Diana Kudaibergenova, da Universidade de Cambridge, cada vez mais, as queixas econômicas e políticas se aglutinaram – impulsionadas pela corrupção endêmica e pelo ressentimento contra uma elite vista como guardando bilhões de dólares em paraísos offshore.
Marie Struthers, da Anistia Internacional, diz que não há saída para esta fúria silenciosa que se acumula. “Durante anos, o governo perseguiu implacavelmente a dissidência pacífica, deixando o povo do Cazaquistão em estado de agitação e desespero”, escreveu ela na quarta-feira (5).
Dividir e conquistar?
A questão agora é se Tokayev vai optar por expandir o espaço político do Cazaquistão ou tentar esmagar a dissidência.
Zachary Witlin, do Eurasia Group, diz que “tendo feito concessões à principal demanda original para reduzir os preços dos combustíveis, o governo agora está lutando para reassumir o controle pela força. Os protestos não são mais de natureza principalmente econômica, mas agora são abertamente políticos”.
A violência que estourou em Almaty na quarta-feira, encorajou Tokayev a adotar uma abordagem mais dura.
Ele disse que “elementos bandidos” espancaram a polícia e roubaram lojas. A manifestação havia se tornado “uma questão de segurança de nossos cidadãos”, e ele “agiria o mais duramente possível”.
Kudaibergenova vê um grande abismo entre os ativistas políticos do Cazaquistão e as multidões, principalmente de jovens de áreas mais pobres de Almaty, que foram às ruas na quarta-feira. Ela diz que os ativistas políticos “sabem que os manifestantes estão roubando deles o direito de protestar pacificamente”.
Mais significativamente, Tokayev pediu ajuda à Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO, na sigla em inglês), liderada pela Rússia. Seu apelo foi prontamente respondido pelo atual presidente do CSTO, o primeiro-ministro armênio Nikol Pashinyan, que disse que forças de paz seriam enviadas “em vista da ameaça à segurança nacional e à soberania” do Cazaquistão.
Dependendo de sua missão, a chegada das forças de paz estrangeiras pode agravar ainda mais as tensões.
Paul Stronski diz que o apelo de Tokayev vai custar a ele credibilidade em casa – e que o nacionalismo cazaque não deve ser subestimado. Em 2010, houve protestos contra os planos do governo de arrendar terras agrícolas para investidores chineses, planos que acabaram sendo abandonados.
Dilema da Rússia
Para o presidente russo, Vladimir Putin, os acontecimentos que estão ocorrendo na fronteira sul do país são preocupantes. A Rússia mantém relações estreitas com o Cazaquistão e depende do Cosmódromo de Baikonur como base de lançamento para todas as missões espaciais tripuladas pela Rússia. A nação da Ásia central também tem uma significativa minoria de etnia russa: cerca de 20% da população do Cazaquistão é etnicamente russa.
O ex-presidente autocrático Nursultan Nazarbaev, que liderou o Cazaquistão desde a independência, renunciou em 2019, mas permaneceu uma figura poderosa nos bastidores (até ser destituído de seu cargo no Conselho de Segurança, na quarta-feira). Esse modelo de transição pode ter atraído Putin na época, mas parece menos promissor hoje.
O Kremlin também está preocupado com o alto risco da diplomacia sobre a Ucrânia, e os eventos no Cazaquistão são uma distração potencialmente indesejável.
Witlin espera que “Moscou use suas fortes conexões pessoais com a elite cazaque, junto com suas conexões mais formais por meio das organizações econômicas e de segurança regionais, para exigir a supressão dos protestos”.
Para os investidores internacionais, os eventos dos últimos dias minaram a reputação do Cazaquistão como um lugar seguro para fazer negócios. Retirar o acesso à internet e colocar tropas nas ruas desestabilizará os setores de energia e mineração, o tipo de corporações que o Cazaquistão tanto precisa.
Um caminho a seguir?
Tokayev deixou em aberto a possibilidade de diálogo, prometendo “novas propostas para a transformação política do Cazaquistão”.
Kudaibergenova diz que há uma saída. Apesar do assédio, a sociedade civil no Cazaquistão manteve-se resiliente – concentrando-se em questões como desigualdade e serviços públicos. Existem ativistas respeitados, diz ela, especialmente entre a geração mais jovem.
Mas os protestos atuais carecem de liderança. “Sem negociadores representando os manifestantes, é difícil chegar a uma resolução rápida – mas da mesma forma, sem líderes, os manifestantes podem não ser capazes de se sustentar”, disse Witlin, do Eurasia Group.
Por enquanto, Tokayev parece ter a intenção de pintar a manifestação como obra de terroristas, alegando que “muitos deles receberam treinamento militar no exterior”.
Se isso é sustentável e se a raiva popular representa uma ameaça existencial ao seu governo, está longe de ser claro.