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    Análise: quanto o público tem direito de saber sobre câncer do rei Charles III?

    Especialistas da realeza dizem que as intenções da família eram sinceras e nobres, mas que a lacuna de informações resultante deixou súditos preocupados

    Lauren Said-MoorhouseMax Fosterda CNN* , Londres

    O rei Charles III, do Reino Unido, foi visto na terça-feira (6) pela primeira vez desde o anúncio bombástico de seu diagnóstico de câncer, enquanto surgem dúvidas sobre a natureza exata de sua condição.

    A divulgação inesperada do Palácio de Buckingham ocorreu na noite de segunda-feira (5) e revelou que o monarca já havia iniciado o tratamento para um câncer não especificado que foi identificado enquanto ele estava sendo tratado separadamente de um aumento da próstata.

    Charles, de 75 anos, está se afastando das funções públicas durante seu tratamento por conselho dos médicos, mas o palácio enfatizou que ele continuaria lidando com a papelada e funções de Estado. “Ele permanece totalmente positivo sobre o tratamento e espera retornar ao serviço público o mais rápido possível”, disse o palácio.

    O palácio também acrescentou que o rei optou por divulgar o seu diagnóstico “para evitar especulações e na esperança de que possa ajudar a compreensão pública das pessoas em todo o mundo que são afetadas pelo câncer”.

    Embora o monarca britânico tenha sido extraordinariamente franco sobre a sua saúde, muito mais do que os seus antecessores, a declaração do palácio desencadeou uma tempestade de especulações e debates sobre o quanto exatamente o público tem o direito de saber.

    O tipo específico de câncer não foi revelado e não são esperados mais detalhes nessa fase. O câncer de próstata foi descartado à CNN por uma fonte real, que não forneceu mais detalhes.

    O primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, pareceu ter ido mais longe do que o palácio havia feito enquanto falava à BBC. Sunak disse que estava “como todo mundo, chocado e triste”, mas que o diagnóstico do rei foi “detectado precocemente”.

    Mas quando posteriormente pediram esclarecimentos, o porta-voz de Sunak disse aos jornalistas que o primeiro-ministro parecia ter se baseado na declaração do palácio, que referia “a uma rápida intervenção” da equipe médica do rei.

    A CNN entende que Sunak foi informado da condição do rei antes do anúncio público – assim como os irmãos e filhos de Charles, a quem ele contou pessoalmente.

    Rei Charles III e o Primeiro-Ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, participam da cerimônia de abertura da Cúpula Mundial de Ação Climática durante a COP28
    Rei Charles III e o Primeiro-Ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, participam da cerimônia de abertura da Cúpula Mundial de Ação Climática durante a COP28 /01/12/2023/ Chris Jackson/Getty Images

    Especialistas e comentaristas reais disseram que as intenções da família eram sinceras, nobres e bem intencionadas, mas que a lacuna de informações resultante deixou as pessoas preocupadas. “São águas desconhecidas. Não sabemos que câncer ele tem ou que tratamento está fazendo, nem também por quanto tempo ele ficará fora de ação”, disse a historiadora real da CNN, Kate Williams.

    Nas 48 horas desde então, houve uma onda de desejos de melhoras tanto no país como no exterior. O presidente dos EUA, Joe Biden, liderou mensagens de apoio dos líderes mundiais. Ele disse nas redes sociais que o rei estava em seus pensamentos.

    “Navegar por um diagnóstico, tratamento e sobrevivência de câncer exige esperança e coragem absoluta”, escreveu o presidente. “Jill e eu nos juntamos ao povo do Reino Unido na oração para que Sua Majestade tenha uma recuperação rápida e completa”.

    Muitas das instituições de caridade do Reino Unido para o tratamento de câncer também compartilharam palavras encorajadoras, incluindo a Macmillan Cancer Support, que acrescentou esperar que a franqueza do rei encorajasse o público a ser examinado. Charles é o patrono da organização desde 1997.

    De acordo com a Cancer Research UK, cerca de 375 mil novos casos de câncer são diagnosticados no Reino Unido a cada ano. A Macmillan Cancer Support estimou em 2022 que havia cerca de 3 milhões de pessoas vivendo com câncer no Reino Unido, prevendo que esse número aumentaria para 3,5 milhões até 2025.

    Especialistas em saúde sugerem que não é incomum que pacientes com câncer sejam diagnosticados quando procuram exames de imagem ou cuidados médicos por outros motivos.

    O rei Charles do Reino Unido deixa clínica em Londres após receber tratamento para aumento da próstata / 29/01/2024 REUTERS/Toby Melville

    “Você faz uma coisa, mas depois faz testes adicionais – seja como parte de uma avaliação geral ou influenciado por certos sintomas ou sinais ou exames de sangue que desencadeiam um procedimento ou imagem – o que leva ao diagnóstico de câncer em um sistema de órgãos diferente”, disse o Dr. Anil Rustgi, diretor do Herbert Irving Comprehensive Cancer Center do NewYork-Presbyterian/Columbia University Irving Medical Center, que não está envolvido nos cuidados médicos de Charles.

    “Depende muito do tipo de câncer e do estágio em que se encontra, mas às vezes, com o câncer em estágio inicial, não há sintomas”, disse Rustgi. “E é detectado no momento da triagem ou incidentalmente”.

    Embora o palácio possa não querer que surgisse um furor em torno do diagnóstico do rei, a ausência de detalhes significava que era algo inevitável. A biógrafa real Sally Bedell Smith disse que “é sempre complicado divulgar uma imagem parcial” porque as pessoas podem interpretar demais.

    Ela disse que os tempos eram “muito diferentes”, referindo-se às batalhas de saúde travadas pelo avô do rei.

    “Relembrando seu avô, George VI, que tinha arteriosclerose que não foi totalmente explicada ao público e, claro, ele tinha câncer de pulmão, e seu pulmão esquerdo foi removido. Os médicos nunca disseram que era câncer. Eles disseram que tinham que fazer isso para reparar alguns defeitos estruturais”, disse ela. “Eles não contaram à família; eles certamente não contaram ao público”.

    Com perguntas sem resposta sobre o que Charles está enfrentando, o público tenta preencher as lacunas. Ver o príncipe Harry parecer largar tudo e voar para Londres para visitar seu pai, sabendo que as relações entre os dois têm sido tensas nos últimos anos, sugeriu um senso de urgência para alguns.

    O rei George VI, a rainha Elizabeth e a princesa Margaret no aeroporto de Londres para se despedir da princesa Elizabeth e do duque de Edimburgo em 31 de janeiro de 1952 / Keystone/Getty Images

    Mas os especialistas reais dizem que há sinais positivos que não devem ser ignorados. Emily Nash, editora real da revista Hello!, disse à CNN:

    “Se o palácio tomar a decisão de nomear os conselheiros de estado, as pessoas poderão sentir a sua preocupação aumentar por Sua Majestade. São membros da família que podem substituí-lo nos assuntos constitucionais se estiver incapacitado ou se estiver no exterior para outras funções. Até agora ficou muito claro para nós que não há planos para colocar nenhuma dessas pessoas em jogo”.

    Dois conselheiros podem ser nomeados para agir em nome do monarca por meio do que é conhecido como cartas patentes e ajudar a manter o estado funcionando. A lista de membros da realeza que podem intervir inclui a rainha Camilla, os príncipes William, Harry, Andrew e Edward, bem como as princesas Anne e Beatrice. No entanto, é improvável que Andrew ou Harry sejam chamados, pois não trabalham mais na realeza.

    Nash disse que era “muito reconfortante” que o palácio não pretendesse instalar nenhum conselheiro nesse momento.

    “Isso realmente diz muito sobre a determinação do rei em continuar desempenhando seu papel da melhor maneira possível nesse momento”, disse ela. “Isso significa as reuniões do conselho privado, as audiências com o primeiro-ministro, as caixas vermelhas, a assinatura do seu parecer favorável sobre a legislatura – todas estas são partes fundamentais do seu papel que não são apresentadas ao público, e que ele pode continuar a fazê-lo nos bastidores”.

    Os acontecimentos dos últimos dias reacenderam o debate sobre o quanto o público merece conhecer a saúde do seu chefe de Estado.

    Príncipe William e Kate Middleton posam no exterior da catedral de St. Paul, em Londres / Getty Images

    Muitos acham que a família deveria ser mais transparente e que o público tem direito a mais informações, uma vez que a família real é financiada pelos contribuintes. Alguns afirmam que o público tem o direito de saber porque a realeza é uma figura pública e as liberdades pessoais são inevitavelmente comprometidas quando representam a coroa e o país. Outros argumentam que, ao não revelarem o câncer exato, estão inadvertidamente alimentando a fofoca.

    O público também sabe que a princesa de Gales, que recentemente passou por uma cirurgia abdominal, ainda se recupera em sua casa, em Windsor. Não se espera que ela retorne aos compromissos até pelo menos a Páscoa.

    Embora o público saiba que sua operação foi bem-sucedida, não foi revelado exatamente o motivo. O Palácio de Kensington tem sido ferozmente protetor com ela, com assessores cientes de quão popular ela é, ao mesmo tempo que querem oferecer alguma privacidade à mulher de 42 anos.

    “É com isso que a realeza tem lutado ao longo do século 20, desde que permitiram que as câmeras filmassem a coroação da rainha – quanta informação fornecer”, disse Williams. “Acho que, eventualmente, o rei nos dirá de que tipo de câncer ele está sofrendo”.

    Historicamente, condições médicas específicas raramente eram divulgadas ao público. Os assessores do palácio diriam que os membros da família têm direito a um certo grau de privacidade médica, apesar das suas posições como funcionários públicos.

    Contudo, a situação muda quando a sua condição afeta a capacidade de desempenhar funções públicas. Nesse momento, o palácio tem o dever de revelar o que se passa, razão pela qual foi emitido um comunicado na noite de segunda-feira.

    Veja também: Fotos oficiais da família real, Rei Charles III e Camilla

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    Kristina Kyriacou, ex-secretária de comunicações do rei, comentou a abordagem do palácio durante uma aparição no programa “Good Morning Britain” da ITV na terça-feira. “Devo dizer que não abriria mais a porta. Eles disseram que uma forma de câncer foi encontrada, e eu pessoalmente não teria aconselhado a ir mais longe e dizer que tipo de câncer. Acho que há muito tempo para isso”, disse.

    “O problema é que quanto mais informação você dá, mais as pessoas especulam. No momento em que eles sabem que tipo de câncer é, todo mundo começa a pesquisar, as pessoas começam a pesquisar no Google”, continuou ela.

    Kyriacou disse que interpretou a declaração do palácio de forma positiva e que significa que a condição é tratável.

    “Espero estar certa. Devemos lembrar, nesse momento, que a monarquia está tentando não se tornar a história; Eu sei que isso tem sido um pouco ridículo para alguns membros da família real nos últimos anos. Mas a rainha Elizabeth e o rei Charles não querem se tornar a história, eles ainda querem servir ao seu público. Com o passar do tempo, gostaria de pensar que o rei Charles falará sobre seu tratamento”.

    Entretanto, Estelle Paranque, especialista em estudos reais e professora associada de História Moderna da Northeastern University London, sugeriu que o tipo de câncer que o rei enfrenta é um tanto irrelevante.

    “Não acho que precisamos saber que tipo de câncer ele tem ou em que estágio. Acho que precisamos saber como os deveres reais serão administrados e por quem, e eles precisam nos informar sobre um plano caso as coisas deem errado para o rei, mas fora isso ele tem direito à privacidade. Ser diagnosticado com câncer muda muito a vida. Ele deve ser capaz de lidar com isso da maneira que precisa”.

    A historiadora acrescentou que as ações do palácio na segunda-feira mostram que Charles quer uma monarquia mais moderna. “Ele está se comprometendo ao revelar o resultado de sua consulta médica, mas não está revelando tudo para manter sua privacidade segura e isso é uma jogada inteligente”, disse ela.

    *Com informações de Catherine Nicholls, Jacqueline Howard e Claudia Rebaza, da CNN.

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