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    Análise: Putin viu ameaça existencial em Navalny, o opositor cujo nome ele não diz

    Crítico do Kremlin representou um futuro alternativo e otimista para a Rússia, bem diferente do governo autoritário de Vladimir Putin

    Líder ativista da oposição ao governo russo, Alexei Navalny
    Líder ativista da oposição ao governo russo, Alexei Navalny Foto: Reuters

    Nathan Hodgeda CNN

    Alexey Navalny representou uma vez um futuro alternativo para a Rússia: um lugar otimista e focado no futuro, livre do governo de um homem só do presidente russo, Vladimir Putin.

    Com a morte do líder da oposição em uma prisão ao norte do Círculo Polar Ártico, o obscuro cenário político da Rússia é agora muito mais sombrio.

    Seria difícil exagerar o quão profundamente Navalny simbolizou o esforço incansável de Putin para apagar os últimos resquícios de oposição política da Rússia.

    Durante os seus muitos anos de ativismo, Navalny e os seus apoiadores viram as suas manifestações de protesto serem encerradas pela polícia; seus escritórios invadidos; e inúmeras prisões que levaram ativistas à prisão ou forçados a sair do país.

    O próprio Navalny pagou um preço extraordinariamente alto pelo seu ativismo.

    Sob vigilância constante dos serviços de segurança de Putin, Navalny sobreviveu a um envenenamento quase letal pelo agente nervoso Novichok, mas desafiadoramente voltou à Rússia, em vez de permanecer em um exílio confortável.

    Ele foi imediatamente preso ao retornar a Moscou.

    O que se seguiu foi uma paródia da justiça criminal, à medida que os procuradores russos acumulavam acusações contra Navalny, que continuava a criticar Putin.

    Em uma audiência no tribunal por videoconferência, Navalny magro – por uma greve de fome – desprezou o presidente, dizendo: “Gostaria de dizer que o seu rei está nu e mais de um garoto está gritando sobre isso – é há agora milhões de pessoas que já estão gritando sobre isso. É bastante óbvio. Vinte anos de governo incompetente chegaram a este ponto: há uma coroa escorregando de suas orelhas”, disse Navalny.

    “Seu rei nu quer governar até o fim, ele não se preocupa com o país, está agarrado ao poder e quer governar indefinidamente”.

    Mas mesmo durante uma visita brutal ao sistema penal da Rússia, Navalny manteve a sua compostura – e o seu extraordinário sentido de humor.

    Em um post no Telegram em janeiro, ele brincou sobre a música horrível da estrela pop pró-guerra Shaman sendo tocada nos alto falantes da prisão na colônia penal IK-3 em Kharp, na região de Yamal-Nenets.

    “Imagine a imagem: Okrug autônomo Yamalo-Nenets”, escreveu ele. “Noite polar. No quartel para ser punido em uma colônia de regime especial, A. Navalny, condenado a 19 anos de prisão, que a propaganda do Kremlin vem enxaguando há anos por participar em protestos russos, tem de fazer exercícios ao som da canção ‘Eu sou russo’, que é tocado para ele como um trabalho educativo com o propósito de correção”, escreveu.

    “Para ser honesto, ainda não tenho certeza se entendi corretamente o que são pós-ironia e meta-ironia. Mas se não é isso, então o que é?”, completou.

    Alexei Navalny em uma cama de hospital, em Berlim, na Alemanha, com a esposa e seus dois filhos durante seu tratamento após ser envenenado.
    Alexei Navalny em uma cama de hospital, em Berlim, na Alemanha, com a esposa e seus dois filhos durante seu tratamento após ser envenenado. / Handout/Anadolu Agency via Getty Images

    O mais comovente é que Navalny postou uma foto sua com sua esposa Yulia no Dia dos Namorados, sua última postagem no Telegram.

    “Querida, com você tudo é como uma música: entre nós há cidades, luzes de decolagem de aeródromos, tempestades de neve azuis e milhares de quilômetros”, escreveu ele. “Mas sinto que você está perto a cada segundo e amo você cada vez mais”.

    A morte de Navalny ocorre no momento em que Putin, que está no poder desde a véspera de Ano Novo de 1999, se dirige para um quinto mandato.

    As eleições presidenciais de março serão um ato de teatro político: Boris Nadezhdin, o único candidato que se opõe à guerra de Putin contra a Ucrânia, foi impedido de concorrer, e a votação enviará uma mensagem aos russos e ao mundo: o povo russo está por atrás Putin e por trás da guerra na Ucrânia.

    Não há espaço para dar voz a Navalny na mídia estatal no período que antecede o carnaval eleitoral.

    A morte do líder da oposição também marca o fim de uma era para a Rússia. Navalny emergiu como o líder mais proeminente da oposição russa após o assassinato do crítico declarado de Putin, Boris Nemtsov, em 2015, à vista do Kremlin.

    Esse assassinato também abalou profundamente a sociedade russa, mas foi uma época muito diferente.

    No momento do seu assassinato, Nemtsov e a sua equipe estavam investigando o envio de tropas russas para a região de Donbass, no leste da Ucrânia, algo que o governo russo negou oficialmente.

    Agora a guerra está aberta, após a invasão em grande escala da Ucrânia em fevereiro de 2022. E a Rússia introduziu novas leis draconianas que tornam ilegal criticar os militares.

    Os massivos protestos anticorrupção que Navalny conseguiu mobilizar antes da invasão parecem agora improváveis de se repetirem durante a vida de Putin.

    Os artigos e vídeos investigativos que Navalny e a sua equipe publicaram online – alcançando milhões de russos – enfrentam uma censura digital cada vez mais sufocante.

    A resposta do Kremlin à morte de Navalny será, portanto, reveladora. É notório que Putin se recusou a pronunciar o nome de Navalny, insinuando o profundo desconforto sobre a legitimidade que Navalny comandava como líder da oposição.

    Questionado em uma conferência de imprensa em 2017 sobre a razão pela qual o seu governo temia a concorrência de Navalny, Putin recusou novamente pronunciar o nome de Navalny, contornando o assunto referindo-se “às figuras que mencionou” e “aqueles que você nomeou”.

    E deixou claro que via a oposição democrática da Rússia como uma ameaça existencial.

    Na sua narrativa distorcida, Putin disse que Navalny era o equivalente ao ex-presidente da Georgia Mikheil Saakashvili – ou o equivalente aos ucranianos que se reuniram na Praça Maidan, em Kiev, para se oporem ao presidente pró-Rússia da Ucrânia, que fugiu do país no início de 2014.

    “Sobre as figuras que você mencionou”, disse ele. “Já foi feita uma pergunta sobre a Ucrânia. Você quer dezenas de pessoas como Saakashvili correndo por aqui? Aqueles que você mencionou são uma versão russa de Saakashvilis. Você quer que esses Saakashvilis desestabilizem o seu país? Você quer que vivamos de um Maidan em Maidan? Para sobreviver a tentativas de golpe? Já passamos por isso. Você quer que tudo isso volte?”

    A resposta de Navalny, mais uma vez, mostrou o seu potente sentido de humor. “À minha coleção de ‘palavras usadas para não dizer Navalny’ acrescenta-se ‘aqueles que você nomeou’”, brincou ele no Twitter.

    Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

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