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    Análise: presidência do G20 dá ao Brasil rara oportunidade para influenciar agenda global

    País enfrentará grandes desafios para liderar grupo dividido e polarizado, mas terá chance de sucesso caso use bem seus dois pontos fortes diplomáticos: boas relações com todas as nações e liderança no debate climático

    Ricardo Stuckert/PR

    Américo Martinsda CNN

    Nova Delhi, Índia

    O Brasil assumiu simbolicamente a presidência do G20 neste domingo (10), numa rara oportunidade de protagonismo na agenda global.

    Pela primeira vez na liderança do grupo das maiores economias do mundo, o país terá uma chance inédita de definir as agendas de discussões e ações relacionadas aos grandes desafios do planeta – como mudanças climáticas, segurança internacional, endividamento das nações, transição digital e combate à pobreza.

    Não será tarefa fácil, especialmente para um país que ainda tem mais aspirações do que peso real no tabuleiro geopolítico e que só agora está emergindo de um hiato isolacionista.

    Além disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva costuma fazer declarações polêmicas que desagradam a vários outros dirigentes, especialmente americanos e europeus.

    A última delas foi dada justamente na véspera de o Brasil assumir a presidência simbólica do G20, quando Lula disse em Nova Delhi, na Índia, que o presidente russo Vladimir Putin não seria preso se fosse ao Brasil.

    “O que eu posso dizer é que, se eu for presidente do Brasil e se ele for para o Brasil, não há porque ele ser preso”, declarou.

    O país, no entanto, é signatário do Estatuto de Roma e reconhece a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, que expediu uma ordem de prisão contra Putin por crimes cometidos na guerra da Ucrânia.

    Assim, o Brasil estaria descumprindo um importante acordo internacional se Putin visitasse o país e não fosse preso.

    Mas, mesmo com todas as dificuldades, o governo brasileiro decidiu apostar numa agenda ambiciosa para o ano em que vai liderar o G20.

    O presidente Lula já definiu essa agenda e a dividiu em três eixos:

    • O combate à pobreza, à fome e às desigualdades;
    • A adoção de novas medidas de proteção ao meio ambiente, promoção de câmbios na matriz energética e combate às mudanças climáticas;
    • E a reforma do sistema de governança global, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a ONU e seu Conselho de Segurança.

    Avanços em qualquer um desses temas dependem de uma grande capacidade de articulação da diplomacia brasileira e de apoios sólidos das potências que lideram as diferentes tendências dentro do próprio G20.

    Desafio

    Mas o momento não poderia ser pior para isso, já que o bloco está rachado entre o G7 e a aliança antiocidental que une a China e a Rússia.

    Dois fatores, em especial, são responsáveis por isso: a guerra na Ucrânia e a disputa geopolítica de fundo entre os projetos hegemônicos dos Estados Unidos e da China.

    A cisão chegou a colocar em risco a Cúpula de Líderes em Nova Delhi, na Índia.

    Em determinado momento, houve um impasse entre os dois lados sobre o conflito que quase impediu o encontro de ter uma declaração final – um documento importante que detalha as discussões dentro do grupo e suas decisões e metas futuras.

    Russos e chineses ameaçaram vetar o texto caso o ocidente insistisse em condenar o Kremlin pelo conflito na Europa. O G7, por outro lado, queria incluir um parágrafo forte no texto para tentar isolar ainda mais a Rússia.

    No final, a aliança antiocidental levou a melhor e a declaração sequer mencionou a palavra “invasão”. Além de ter deixado explícito que existem “opiniões diferentes sobre o tema” dentro do G20, algo inédito na história do grupo.

    Outro problema durante a Cúpula de Delhi foi a ausência do presidente Xi Jinping, a primeira vez na qual um líder chinês esnoba o grupo.

    Apenas esse fato já demonstra que Pequim aposta num enfraquecimento do G20, preferindo dar prioridade a outros blocos onde tem muito mais peso relativo, como o BRICS ampliado.

    Por fim, o Brasil pode enfrentar ainda um empecilho específico: alguns protagonistas europeus e norte-americanos acreditam que o país também tem uma agenda antiocidental, por não apoiar claramente a Ucrânia na guerra e por insistir em todas as oportunidades na mudança da atual ordem global.

    Esse sentimento acaba sendo provocado justamente pelas declarações polêmicas do presidente Lula.

    Ao receber a presidência do grupo, por exemplo, ele disse que o G20 não pode “deixar que questões geopolíticas sequestrem a agenda de discussões das várias instâncias” do bloco, replicando justamente a posição da aliança sino-russa.

    E, mais uma vez, desagradando o ocidente.

    Embora a diplomacia brasileira esteja seguindo sua tradição de independência e multilateralismo (foi o único representante dos BRICS, por exemplo, que condenou a invasão nas reuniões da ONU), os países do G7 prefeririam um alinhamento mais automático com eles.

    Oportunidade

    Apesar de todos esses importantes obstáculos, no entanto, o Brasil tem uma oportunidade real de conseguir alguns avanços nas agendas que defende.

    Mas para conseguir isso, o governo e o Itamaraty vão precisar usar com muita sabedoria e estratégia os dois verdadeiros pontos fortes da diplomacia brasileira: o fato de o país ter boas relações com todas as nações do mundo e a potencial liderança na questão ambiental.

    O Brasil já vem tentando usar o apelo do primeiro ponto.

    Apesar das declarações de Lula sobre Putin e a questão “geopolítica” no G20, o país foi um ator que ajudou a articular o texto da declaração final que evitou o fracasso total da Cúpula de Líderes de Nova Delhi.

    Justamente por ter proximidade com todos os envolvidos, direta ou indiretamente, no conflito ucraniano: Estados Unidos, China, União Europeia e Rússia.

    Usar essa carta permite que o país tenha diálogos abertos com todos os players do G20.

    O segundo ponto depende de resultados.

    A questão ambiental potencialmente dá muito crédito ao Brasil, mas isso depende fundamentalmente de conseguirmos estancar os ainda vergonhosos números de desmatamento da Amazônia e destruição do meio ambiente.

    Quanto mais o Brasil conter o desmatamento na mais importante e icônica floresta do mundo, mais credibilidade terá para propor mudanças nesse tema.

    Imaginando que os diplomatas brasileiros consigam usar essas cartas da forma mais favorável possível, podemos imaginar pelo menos algum progresso na Cúpula de Líderes do G20 programada para acontecer na cidade do Rio de Janeiro em novembro de 2024.

    Diante do cenário da cizânia atual, qualquer avanço em algum dos temas propostos pelo presidente Lula já vai significar uma vitória da diplomacia brasileira.

    E vai justificar a aposta numa agenda ousada. Um movimento correto para quem pretende conquistar um espaço cativo na mesa das grandes decisões globais.