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    Análise: Por que Gorbachev é lembrado como gigante no Ocidente e pária em casa

    Último líder da União Soviética foi um dos principais articuladores do fim da Guerra Fria, confronto que ameaçava destruir o mundo com arsenal atômico

    Stephen Collinsonda CNN

    A tragédia de Mikhail Gorbachev é que ele sobreviveu além do fim da Guerra Fria entre Moscou e os Estados Unidos, depois de fazer mais do que qualquer pessoa por esse objetivo.

    O último líder da União Soviética morreu na terça-feira (30) aos 91 anos, com Washington e o Kremlin em lados opostos da guerra quente do presidente russo, Vladimir Putin, na Ucrânia, lançada em parte para vingar o colapso soviético precipitado pelo governo de Gorbachev.

    É difícil resumir o que Gorbachev significou para o público ocidental na década de 1980, após um dos períodos mais perigosos do impasse entre Oriente e Ocidente. Depois de gerações de líderes severos, hostis, radicais e idosos do Kremlin, ele era jovem, moderno e novo –um visionário e reformador.

    Gorbachev inspirou uma esperança repentina de que o confronto nuclear que assombrou o mundo na segunda metade do século 20 não acabaria destruindo a civilização. O então presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan e sua alma gêmea britânica, Margaret Thatcher, foram os mais ferozes guerreiros da Guerra Fria. Mas, para seu crédito, eles realizaram um momento de promessa –como a primeira-ministra britânica disse sobre o líder soviético: “podemos fazer negócios juntos”.

    Todo mundo se lembra do dia em que Reagan foi a Berlim e, com o cenário do Portão de Brandemburgo –que havia sido desfigurado pela feia e desumana barreira de concreto entre o Oriente e o Ocidente– disse: “senhor Gorbachev, derrube este muro”.

    Foi um dos momentos mais emblemáticos da história moderna dos EUA. Na época, poucas pessoas achavam que isso era possível. Na verdade, alguns assessores da Casa Branca acharam os comentários excessivamente provocativos e tentaram persuadir Reagan a não dizê-los. Mas no fim, em um ato de grande humanidade, Gorbachev efetivamente derrubou aquele muro.

    Após uma série inebriante de conversas sobre redução do controle de armas nucleares e reuniões com líderes ocidentais, Gorbachev tornou-se um herói no Ocidente. Mas foi sua decisão de não intervir com força militar quando as rebeliões populares eclodiram contra os regimes comunistas nas nações do Pacto de Varsóvia, em 1989, que levaram à libertação da Europa Oriental, à queda da Cortina de Ferro, ao fim da Guerra Fria e à reunificação da Alemanha.

    Essa explosão de liberdade deixou como legado 30 anos de relativa paz na Europa.

    Idolatrado no Ocidente, um pária em casa

    Mas enquanto era idolatrado no Ocidente, Gorbachev passou a ser visto como um pária em casa. É muitas vezes esquecido que seu objetivo não era necessariamente desmantelar a União Soviética comunista. De muitas maneiras, sua mão foi forçada por décadas de decadência econômica no sistema comunista e o impacto desgastante de uma corrida armamentista nuclear com o Ocidente.

    Mas ao tentar salvar o sistema, ele desencadeou forças que o destruíram. Longe de anunciar o “fim da história” como se dizia na época, sua influência causou consequências que ainda podiam ser sentidas no dia de sua morte, com Moscou e o Ocidente novamente em desacordo em um frio ao estilo da Guerra Fria.

    Em casa, Gorbachev tinha duas ideias abrangentes: glasnost (abertura) e perestroika (reestruturação). O rápido colapso da União Soviética, fragmentada pela perestroika, trouxe condições econômicas extremas, desordem e um golpe no orgulho nacional. Tudo isso somado às circunstâncias que eventualmente tornaram um homem forte como Putin atraente para muitos russos.

    No momento em que Gorbachev se recusou a enviar o Exército Vermelho à Europa Oriental para salvar o bloco comunista, Putin estava estacionado com a KGB na Alemanha Oriental e sentiu a dor da deserção de Moscou. Ele passou a ver o fim do Império Soviético como um desastre da história; e uma vez que Putin ganhou o poder, ele começou a restaurar o prestígio nacional russo ferido.

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    Agora o mundo tem um líder no Kremlin que, ao contrário de Gorbachev, está pronto para refazer o mapa da Europa à força –mesmo que a restauração do Pacto de Varsóvia esteja além de seu alcance, com milhões na Europa Oriental agora vivendo efetivamente o legado de Gorbachev em sociedades democráticas e livres.

    O governo de Gorbachev não foi isento de manchas do ponto de vista ocidental. Ele enviou tanques para a Lituânia para esmagar as esperanças de independência nos estados bálticos em 1991, meses antes de deixar o poder. E ele foi banido da Ucrânia por cinco anos depois de dizer que apoiava a anexação da Crimeia por Putin.

    Mas até o fim de seus dias, Gorbachev denunciou os excessos de Putin e viajou pelo mundo alertando sobre o perigo da queda nas relações entre as duas maiores potências nucleares do mundo. Ele ser lembrado como um gigante no Ocidente e um pária em casa representa o abismo de compreensão e experiência que novamente envenena as relações Leste-Oeste.

    Gorbachev nunca deixou de lamentar sua amada esposa, Raisa, que morreu de leucemia em 1999. Agora, ele a acompanha e a seus contemporâneos desde um momento marcante da história –Reagan, Thatcher, o presidente George W. Bush, o chanceler alemão Helmut Kohl e o presidente francês François Mitterrand– para o túmulo.

    Em todos os lugares, menos na Rússia, ele será lembrado como uma daquelas raras figuras da história que, por caráter e visão, realmente mudaram o mundo.

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