Como o prestígio diplomático da China pode afetar o papel dos EUA na política global
Líder chinês tem recebido desde o último mês diversos chefes de Estado e de governos como da Espanha, Singapura, Malásia, França, União Europeia e, mais recentemente, o presidente do Brasil
Xi Jinping tem tido algumas semanas muito ocupadas. Desde o final do mês passado, o líder chinês recebeu chefes de Estado e de governo da Espanha, Singapura, Malásia, França e União Europeia – um ritmo incomum de atividade diplomática que ocorre quando os países olham para Pequim enquanto a economia global vacila após a pandemia e a guerra na Ucrânia.
Na sexta-feira (14), essa lista cresceu para incluir o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que assina uma série de acordos bilaterais com Xi – e, como vários dos líderes antes dele, chega com a esperança de fazer progressos para acabar com a guerra da Rússia na Ucrânia.
Mas para Xi, esta fila de líderes visitantes, que viajaram mesmo após a China se recusar a condenar a invasão russa, também é uma oportunidade de afirmar sua visão de uma ordem global não ditada pelas regras americanas – e recuar contra ameaças percebidas.
Isso é especialmente urgente para o líder chinês agora, dizem observadores.
Três anos de diplomacia reduzida devido aos rígidos controles da Covid-19 instalados na China, juntamente com os desafios econômicos, a competição acirrada com os Estados Unidos e as crescentes preocupações europeias sobre a política externa de Pequim, deixaram Xi sob pressão para agir.
“(Os líderes chineses) acreditam que agora é hora de a China fazer seus planos estratégicos”, disse Li Mingjiang, professor associado de relações internacionais da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Singapura.
“Um resultado potencialmente bom é enfraquecer as alianças americanas […] é por isso que estamos vendo esforços bastante árduos feitos por Pequim para tentar estabilizar e melhorar as relações com os países europeus, e também para tentar melhorar e fortalecer a cooperação com economias emergentes”, disse ele.
Causando divergências
Enquanto os líderes mundiais retornam a Pequim, apesar das preocupações internacionais sobre o crescente relacionamento China-Rússia e a intimidação de Pequim a Taiwan, Xi aproveitou a oportunidade para trazer em suas conversas críticas veladas aos EUA e palavras-chave que sinalizam a visão do próprio Xi sobre como remodelar o poder global.
Falando a Lee Hsien Loong, de Singapura, no final do mês passado, Xi enfatizou que os países asiáticos juntos devem “se opor firmemente à intimidação, dissociação ou corte das cadeias industriais e de suprimentos”, enquanto instou o primeiro-ministro da Malásia, Anwar Ibrahim, a “resistir resolutamente à mentalidade da Guerra Fria e ao confronto em bloco”.
Ao primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sanchez, naquele mesmo dia, ele alertou que o “desenvolvimento sólido das relações China-União Europeia exige que a UE mantenha a independência estratégica”, de acordo com leituras do lado chinês.
Pequim tem assistido com inquietação à medida que a guerra na Ucrânia aproxima os EUA e seus aliados europeus. Agora, os analistas dizem que é fundamental enfatizar suas parcerias econômicas e explorar as diferenças entre os países dos dois lados do Atlântico.
Quando o presidente francês Emmanuel Macron chegou a Pequim na semana passada, Xi fez comparações entre a China e a França: ambos “países importantes com uma tradição de independência”, disse Xi, e “defensores firmes de um mundo multipolar” – ou um mundo sem superpotência dominante.
Depois de um dia de reuniões em Pequim, Xi se encontrou com Macron no centro comercial do sul de Guangzhou para continuar uma conversa “informal” – tomando chá e ouvindo as melodias dedilhadas da música tradicional chinesa antes de um jantar oficial.
Macron, que há muito defende que a Europa desenvolva uma política geopolítica independente e capacidades de defesa que não precisem depender de Washington, parecia receptivo.
Ele divulgou uma declaração conjunta de 51 pontos com a China descrevendo a cooperação em áreas de energia nuclear à segurança alimentar e disse aos repórteres que viajavam com ele que, quando se trata da rivalidade EUA-China, a Europa não deve se “envolver em crises que não são nossas, o que a impede de construir sua autonomia estratégica”, segundo uma entrevista ao Politico.
Os comentários de Macron provocaram reação na Europa e nos Estados Unidos, mas analistas dizem que provavelmente foram vistos como um triunfo em Pequim.
“Tudo o que pode enfraquecer os EUA, dividir o Ocidente e aproximar os países da China é bom para Xi”, disse Jean-Pierre Cabestan, professor de ciência política da Universidade Batista de Hong Kong. “Portanto, a viagem de Macron é vista em Pequim como uma grande vitória”.
Retorno e apoio de Lula
Xi se prepara para outra potencial vitória diplomática ao se encontrar com Lula na sexta-feira.
O líder esquerdista brasileiro, que deu início a um boom nas relações comerciais China-Brasil durante sua primeira passagem pelo poder há cerca de duas décadas, viaja com uma delegação de empresários, governadores, deputados e ministros, e deve fechar uma série de acordos bilaterais, desde agricultura e pecuária até tecnologia.
A volta de Lula ao poder já muda a dinâmica da relação Brasil-China, que viveu momentos tensos sob o governo do ex-líder Jair Bolsonaro, que abraçou a retórica anti-China.
Lula já iniciou sua visita de Estado em Xangai com um aceno à cooperação entre Brasil e China, participando da posse da ex-presidente brasileira, Dilma Rousseff, como chefe do Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, o bloco de economias emergentes do Brasil, Rússia, Índia, China e a África do Sul, que oferece um agrupamento de poder alternativo ao G7, que é centrado no Ocidente.
“Xi encontrará em Lula um entusiasta dos BRICS, abertura para reformas no sistema de governança global e o desejo de evitar o alinhamento automático com os EUA”, disse Luiza Duarte, pesquisadora do Centro de Estudos Latino-Americanos e Latinos da American University, em Washington.
Enquanto isso, a esperada recepção calorosa de Lula em Pequim “aumenta a comparação com sua frustrante visita de menos de 24 horas a Washington”, disse ela, referindo-se à visita do líder brasileiro à Casa Branca em 10 de fevereiro.
A reunião foi vista na época como um importante contato do recém-empossado Lula com os EUA.
Mas Pequim pode aproveitar a “falta de resultados” dessa reunião “para se posicionar como uma alternativa mais apelativa para a cooperação bilateral”, disse Duarte.
Questão da Ucrânia
Pairando sobre a diplomacia em Pequim está o ataque russo na Ucrânia. Alguns líderes – como Macron – veem Xi, um amigo próximo e parceiro diplomático do presidente russo Vladimir Putin, como um potencial aliado que pode ajudar a empurrar Putin para a paz.
Mas o relacionamento deles também levantou preocupação, com autoridades americanas alertando no início deste ano que a China estava considerando fornecer ajuda letal ao Kremlin – uma alegação que Pequim negou.
Enquanto a França e a China concordaram com vários pontos relacionados à guerra em sua reunião – incluindo a oposição a ataques a usinas nucleares e a proteção de mulheres e crianças – Macron não pressionou Xi a se comprometer no papel com qualquer posição que a China ainda não tenha publicamente dito.
O Brasil, antes da viagem de Lula, ofereceu outra visão: criar – como disse o chanceler do país – “um grupo de países mediadores”, incluindo a China.
Mas a maneira como Pequim conduz essas iniciativas, dizem os observadores, se resume a um resultado que está integralmente relacionado às ambições globais e à visão de mundo de Xi.
“Será difícil para a China responder positivamente a alguns dos pedidos feitos por americanos ou europeus, porque isso produziria o risco de irritar os russos”, disse Li, em Singapura.
“A Rússia é a única grande potência que compartilha muitas das visões (da China) sobre como o mundo e o sistema global devem ser e como várias questões políticas devem ser tratadas. A Rússia é insubstituível para a China”, disse ele.
Esse ponto foi destacado em outro momento da recente agenda diplomática de Xi: sua viagem a Moscou em março para sua própria visita de Estado – a primeira desde que assumiu um terceiro mandato presidencial naquele mesmo mês.
E embora a diplomacia da China – e os acordos – na semana passada possam não ter sido fortemente impactados pela ótica desse relacionamento, analistas dizem que a maneira como Pequim lida com o conflito continuará afetando as opiniões sobre a China globalmente.
As percepções sobre a influência potencial de Xi sobre Putin forneceram “alavancagem que permite (a Xi) obter muita atenção e talvez obter milhagem e apoio que de outra forma não teria”, disse Chong Ja Ian, professor associado da Universidade Nacional de Singapura.
“Em última análise, o teste será se Xi é realmente capaz de exercer qualquer influência real sobre Putin, especialmente em termos de cessar a guerra”, disse ele.
*Com informações de Tatiana Arias, da CNN.