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    Análise: o legado de 11 anos de governo Maduro na Venezuela

    Gestão de candidato à reeleição foi marcada por aumento da pobreza e processo inflacionário agudo

    Alfredo MezaLaura Weffer Cifuentesda CNN*

    Na primeira posse de Nicolás Maduro como presidente da Venezuela, em 19 de abril de 2013, vários líderes latino-americanos o acompanharam na primeira fila. Estiveram as então presidentes Cristina Fernández de Kirchner (Argentina); Evo Morales (Bolívia); Dilma Rousseff (Brasil) e Raúl Castro (Cuba). Naquela época, despontava uma nova era que prometia seguir os fundamentos de seu falecido antecessor Hugo Chávez, mas com promessas de melhorias para os tempos vindouros.

    Onze anos depois, esse grupo de líderes completou o seu ciclo. Apenas Maduro conseguiu manter-se no cargo e pretende prolongar o seu mandato por mais seis anos.

    Em janeiro de 2024, Nicolás Maduro apresentou sete pontos ao Poder Legislativo, sete transformações que, segundo ele, o país precisa para ser uma potência. É um plano resumido do que deve ser feito para alcançar uma versão melhor do país.

    A lista de propostas aborda temas amplos como economia, cuidado com o meio ambiente, respeito aos direitos humanos e recuperação do bem-estar.

    É uma oferta para o futuro que, vendo os resultados do passado em termos de desempenho econômico e violações dos direitos humanos, será difícil de alcançar.

    Colapso econômico

    A contração do Produto Interno Bruto (PIB) em 75% entre 2013 e 2021 revela o declínio da atividade produtiva, segundo o economista Pedro Palma, autor de vários livros, incluindo “Crônicas de uma História Vivida”.

    Palma explica que, apesar da queda dos preços do petróleo, Maduro não reduziu os gastos públicos; além disso, o acesso aos mercados internacionais foi fechado (em parte devido às sanções financeiras dos Estados Unidos – que em agosto de 2017 proibiram as emissões de dívida e obrigações – mas também devido à incapacidade de pagamento do Estado), o que gerou um défice quase impossível de cobrir.

    A situação saiu do controle a partir do final de 2017. Em dezembro daquele ano, segundo dados do Banco Central da Venezuela (BCV), a inflação mensal subiu para 55,6%, valor considerado pelos especialistas como o indicador do início da hiperinflação.

    A partir de então, os venezuelanos viram como o poder de compra do bolívar, a moeda local, foi diluído, como o dólar passou a ser usado informalmente como moeda de transações e se desencadeou uma crise humanitária que provocou uma enorme onda migratória que, até agora, segundo a ONU, levou mais de 7,7 milhões de venezuelanos ao status de refugiados.

    O país saiu da hiperinflação em dezembro de 2021, quando, segundo números do BCV, a Venezuela completou 12 meses com uma variação mensal inferior a 50%.

    E embora a partir de 2020 o Governo tenha priorizado a redução da inflação, conseguiu-o com o que Palma chama de “política regressiva muito severa”, com medidas como a eliminação do crédito bancário. Se não houver poder de compra, a inflação diminui.

    Em janeiro, durante o seu discurso anual na Assembleia Nacional, Maduro afirmou que a economia venezuelana tinha crescido 5% em 2023. Palma projeta que em 2024 poderá crescer 4%, mas alerta que esse crescimento estaria restrito a 25% da atividade produtiva, o que não reflete, na opinião do especialista, uma verdadeira melhoria nem para o Governo nem para o poder de compra da população.

    Pobreza generalizada

    Essa realidade se reflete nos níveis de pobreza medidos desde 2014 no Inquérito às Condições de Vida elaborado por três universidades e conhecido como Encovi. Em 2020, os resultados mostraram que a Venezuela era um dos países mais pobres do mundo.

    No relatório, os pesquisadores concluíram que 96% da amostra se enquadrava numa categoria a que chamaram “pobreza de rendimento”, que 54% dos inquiridos afirmaram estar na faixa da “pobreza recente” (54%) e que 41% estavam na pobreza crônica.

    A medição realizada em 22 dos 24 estados do país, com exceção de Delta Amacuro e Amazonas, revelou que entre novembro de 2019 e dezembro de 2020, 79,3% dos venezuelanos não tinham recursos para cobrir a cesta básica, situação enquadrada no que é chamado de pobreza extrema.

    Esses números melhoraram nas medições subsequentes, a tal ponto que nos relatórios de 2021 e 2022 o estudo determinou que a “pobreza de rendimento” diminuiu para níveis semelhantes aos de 2017. No entanto, essa melhoria estagnou na medição de 2023.

    A pobreza multidimensional registada pelo Encovi, ligada não só ao rendimento mas a condições como habitação, serviços públicos, proteção social, trabalho e educação, foi de 51,9% em 2023, quase 15 pontos menos que a registada em 2021, embora ainda 12 pontos acima de 2014.

    No dia 1 de maio, Maduro anunciou um aumento do “rendimento mínimo abrangente” para cerca de 130 dólares (pago em bolívares), embora o valor seja uma soma entre o salário mínimo e bônus que nem todos os trabalhadores recebem. Vários setores da oposição e dos sindicatos mobilizaram-se naquele Dia do Trabalho rejeitando o bônus do salário mínimo e exigindo que este fosse aumentado para 200 dólares por mês.

    Se houvesse um ranking que comparasse a renda mínima dos países latino-americanos, US$ 130 colocariam a Venezuela em último lugar.

    Mulher cozinha em fogão a lenha improvisado Caracas, na Venezuela / 21/07/2024 REUTERS/Gaby Oraa

    Impacto na saúde

    A crise econômica teve um impacto especial na saúde dos venezuelanos.

    Para a organização de direitos humanos Provea, a questão da saúde é uma das mais prementes. No relatório de 2023, que fizeram como uma revisão da década de Maduro no poder, elencaram a escassez de medicamentos que afetou a população no início daquela época e o aumento dos preços; depois, o desinvestimento em hospitais, que provocou o declínio da infraestrutura. Em 2013, foram registradas 1.976 denúncias de violação do direito à saúde. Em 2023, o número aumentou para 103.311.

    O governo Maduro reconheceu a gravidade da crise venezuelana, mas transferiu a culpa para os Estados Unidos pelas sanções impostas a numerosos funcionários e empresas, que remontam a agosto de 2017.

    Em 6 de janeiro de 2024, o presidente publicou no X: “Nestes anos de bloqueio, sanções e agressões aprendemos a parir, a inovar e a criar soluções. “Somos as pessoas que superam as dificuldades”, escreveu ele. O líder venezuelano Insistiu em sua publicação que o país tem o “Projeto Bolívar, do socialismo de Cristo, do socialismo bolivariano fundado pelo nosso Comandante Chávez. “Estamos do lado certo da história!”

    Queixas por violações dos direitos humanos

    Segundo a Anistia Internacional, entre 2014 e 2023, diferentes organizações da sociedade civil na Venezuela registaram quase 15.700 detenções arbitrárias.

    No contexto da revisão perante o Comitê dos Direitos Humanos, as autoridades venezuelanas sustentaram que o fato de uma pessoa passar horas ou dias detida sem que a sua família fosse informada do seu paradeiro não constituía desaparecimento forçado.

    No entanto, admitiram que entre 2015 e 2022, apenas 10 dos 455 alegados desaparecimentos forçados foram levados a julgamento, sem que o paradeiro das vítimas fosse informado ou ninguém fosse punido, conforme relatado pela Anistia.

    A organização Centro de Justiça e Paz (Cepaz) contabiliza pelo menos 12 detidos por motivos políticos que morreram sob custódia do Estado. Destacam também que as mulheres sofrem uma “forma mais grave de perseguição e criminalização”.

    Em alguns destes casos, o Ministério Público respondeu iniciando investigações. Em dois deles houve decisões judiciais.

    Em fevereiro de 2022, um tribunal penal de Caracas condenou um oficial e um tenente da Guarda Nacional Bolivariana a 30 anos de prisão pelo homicídio qualificado e pela tortura sofrida por Rafael Acosta Arévalo, tenente-capitão que estava detido na sede da Diretoria de Contrainteligência Militar (Dgcim). Meses antes, em dezembro de 2021, dois funcionários do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) foram condenados a cinco anos e dez meses de prisão por crimes de homicídio culposo.

    Mas a organização Programa Venezuelano de Educação-Ação para os Direitos Humanos (Provea) fala de pelo menos 1.652 vítimas de tortura e de pelo menos 10 mil pessoas que morreram nas mãos de agentes de segurança entre 2013 e 2023.

    Todas estas queixas transcenderam as fronteiras da Venezuela.

    Em 27 de setembro de 2019, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas estabeleceu a Missão Internacional Independente de Apuração de Fatos sobre a República Bolivariana da Venezuela para determinar alegações de violações de direitos humanos ocorridas no país sul-americano, mandato estendido até setembro de 2024. No último relatório, publicado em 2023, a Missão documentou “numerosos casos de graves violações dos direitos humanos contra pessoas que se opõem ao Governo ou são consideradas como tal”, incluindo 28 casos de tortura.

    Após a publicação do relatório, o Governo venezuelano qualificou as denúncias recolhidas pela Missão como “inusitadas, falsas e infundadas”, porque, na sua opinião, “não têm base metodológica nem conhecimento da realidade do país”. “Faz parte da política criminosa e intervencionista de ‘mudança de regime’ promovida pelo Governo dos Estados Unidos da América com a cumplicidade dos seus governos satélites no mundo.”

    Embora a ONU documente estes casos nos seus relatórios, o Tribunal Penal Internacional (TPI) está avançando com uma investigação própria sobre possíveis crimes contra a humanidade perpetrados durante os protestos antigovernamentais de 2017.

    Para o Governo da Venezuela, a investigação do procurador do TPI “responde à intenção de explorar os mecanismos de justiça penal internacional para fins políticos, tudo com base numa acusação de alegados crimes contra a humanidade que nunca ocorreram”.

    Mas os relatos de violações dos direitos humanos mal têm eco na televisão e na rádio locais. Os dois mandatos de Maduro foram uma verdadeira catástrofe para o jornalismo independente e para o pluralismo da informação, segundo Repórteres Sem Fronteiras.

    Para chegar a esta conclusão, a organização baseia-se num censo elaborado pela Provea, citado num relatório publicado no início de maio. Mostra que entre 2021 e 2023 houve uma redução de 38% no número de estações de rádio e uma redução de 45% no número de estações de televisão.

    E foi precisamente num evento público, transmitido nas redes sociais e no canal Estado, que Maduro emitiu o alerta apenas nove dias antes das eleições marcadas para 28 de julho. “O destino da Venezuela, no século 21, depende da nossa vitória em 28 de julho. Se não querem que a Venezuela caia num banho de sangue, numa guerra civil fratricida, produto dos fascistas, garantamos o maior sucesso, a maior vitória na história eleitoral do nosso povo”, disse o presidente durante um discurso numa área popular no oeste de Caracas.

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