Análise: Negociação de paz entre Rússia e Ucrânia é improvável no futuro próximo
Mesmo com afirmações do presidente Vladimir Putin de que estaria disposto a dialogar, especialistas esperam que o conflito se prolongue
À medida que um ano marcado pela guerra da Rússia na Ucrânia chega ao fim, Vladimir Putin fez questão de sugerir que está aberto a negociações de paz, apesar das evidências apontarem o contrário.
Os comentários foram categoricamente rejeitados por Kiev e pelo Ocidente, em um momento em que a perspectiva de conversas no futuro próximo parece extremamente remota.
Dias depois de dizer que queria o fim de sua guerra, o presidente russo repetiu, no domingo (25), a afirmação de que estava pronto para “negociar com todos os envolvidos neste processo sobre soluções aceitáveis”, informou a agência de notícias estatal TASS.
A observação ocorreu em meio ao bombardeio incansável da Rússia à rede de energia da Ucrânia com foguetes e mísseis, à medida que a Europa entra nos meses frios de inverno.
Seus comentários foram rejeitados pela Ucrânia e pelos EUA e é improvável que sejam vistos como mais do que um espetáculo secundário pelo Ocidente. Mas isso não significa que a Ucrânia não esteja aberta a negociações de paz.
O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, disse à Associated Press na segunda-feira (26) que deseja que as discussões mediadas pela ONU comecem em fevereiro, mas somente depois que a Rússia enfrente um tribunal de crimes de guerra.
Mas o cálculo simples permanece inalterado: um conflito que muitos especialistas pensavam que terminaria em dias ou semanas tornou-se uma guerra extenuante que a Ucrânia pode vencer, então qualquer acordo que diminua as fronteiras do país ou represente alguma forma de vitória para Putin seria inaceitável para Kiev.
Discurso russo
Os comentários de Putin no dia de Natal não marcaram, entretanto, um afastamento de sua retórica durante a guerra.
Mesmo aparentemente indicando vontade de negociar, o líder russo se recusou no domingo a mencionar a própria Ucrânia como parte relevante e continuou a apresentar sua oferta com o falso pretexto de que é Moscou que está se defendendo com o que ele chama de “operação militar especial”.
“As discussões de negociações de Putin se concentraram em discussões com o Ocidente, e não com a Ucrânia, e refletem suas acusações contínuas de que a Ucrânia é apenas um peão ocidental”, escreveu o instituto de estudos do Instituto para o Estudo da Guerra (ISW).
“Esta declaração não foi um afastamento dessa linha retórica”, acrescentou o ISW.
Como sempre aconteceu durante o conflito, o tom vagamente conciliatório de Putin foi rapidamente contrariado por uma mensagem pesada de um de seus principais subordinados.
Sergey Lavrov, ministro das Relações Exteriores, destacou na segunda-feira que a Ucrânia deve cumprir as exigências da Rússia para a “desmilitarização e desnazificação” de seu território, repetindo a velha e falsa acusação de Moscou sobre nazismo na Ucrânia, usada na tentativa de justificar a invasão.
Lavrov também pediu “a eliminação de ameaças à segurança russa de lá, incluindo nossos novos territórios” – uma referência a quatro regiões ocupadas que a Rússia anexou ilegalmente após referendos falsos. Caso contrário, os militares russos entrariam em ação, de acordo com a agência de notícias TASS.
“Resta apenas uma coisa a fazer: cumpri-los antes que seja tarde demais. Caso contrário, o exército russo fará justiça com as próprias mãos”, advertiu Lavrov.
“No que diz respeito à duração do conflito, a bola está agora no campo de Washington e seu regime”, acrescentou, referindo-se novamente à Ucrânia como uma marionete dos EUA.
As autoridades ucranianas não se comoveram com a menção de Putin às negociações.
“Putin precisa voltar à realidade”, publicou no Twitter Mykhailo Podolyak, assessor do presidente Volodymyr Zelensky no domingo.
“A Rússia atacou sozinha a Ucrânia e está matando cidadãos. A Rússia não quer negociações, mas tenta evitar responsabilidades. Isso é óbvio, então estamos nos movendo para o Tribunal”, adicionou.
E os EUA estão de acordo: O porta-voz da Casa Branca, John Kirby, disse a repórteres na semana passada que Putin “não mostrou absolutamente nenhuma indicação de que está disposto a negociar” o fim da guerra, segundo a Reuters.
“Pelo contrário. Tudo o que ele está fazendo no solo e no ar indica um homem que deseja continuar a aplicar violência ao povo ucraniano”, avaliou Kirby.
Reais objetivos da Rússia
É improvável que o Kremlin veja as negociações de paz como um caminho genuíno para sair da guerra em um futuro próximo — mas pode ser um bom presságio para Putin se a Rússia conseguir fazer o Ocidente falar sobre esse assunto, dizem os especialistas.
“A declaração de Putin em 25 de dezembro faz parte de uma campanha de informação deliberada com o objetivo de enganar o Ocidente para forçar a Ucrânia a fazer concessões preliminares”, destacou o ISW, acrescentando que Moscou intensificou esses esforços no último mês do ano.
Alexander Rodnyansky, consultor econômico do presidente Zelensky, afirmou à CNN que os comentários do líder russo provavelmente tinham como objetivo ganhar tempo no conflito.
“A blitzkrieg [tática de guerra rápida] deu terrivelmente errado para eles e eles sabem disso, então precisam de mais tempo para se reagrupar e reconstruir suas tropas”, observou Rodnyansky.
Ele também ressalta que era estratégia do Kremlin dissuadir o mundo de enviar mais ajuda militar à Ucrânia.
Durante os primeiros dez meses de guerra, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) permaneceu amplamente unida no apoio à resistência da Ucrânia, com as nações ocidentais despachando bilhões de dólares em armas e outras ajudas.
Reduzir esse apoio continua sendo um objetivo fundamental para Putin, cuja posição seria fortalecida se os líderes estrangeiros confiassem em Zelensky para considerar um acordo com a Rússia.
Qualquer impulso hipotético em direção a um acordo pode resultar em uma redução da ajuda militar ocidental a Kiev. Isso também apresentaria uma possível rota de saída para salvar Putin, cuja reputação seria severamente prejudicada internamente se ele voltasse de uma guerra cara sem ganhos territoriais significativos.
Discurso ucraniano
Desde o final do verão, a guerra terrestre no leste e sul da Ucrânia foi definida por uma série de contra-ataques decisivos que repeliram as forças russas e cristalizaram o otimismo ocidental de que podem vencer a guerra.
Portanto, faz pouco sentido para a Ucrânia ou para o Ocidente cogitar a possibilidade de um acordo que divida suas terras ou recompense Putin por sua invasão.
Mas Zelensky e seus subordinados disseram que continuarão sondando a possibilidade de negociações, sem alimentar esperanças de que conseguirão uma trégua.
“Toda guerra termina de forma diplomática. Toda guerra termina como resultado das ações tomadas no campo de batalha e na mesa de negociações”, ressaltou Kuleba à AP.
O ministro das Relações Exteriores pontuou que a ONU seria o intermediário mais natural para essas negociações. “As Nações Unidas podem ser o melhor local para a realização desta cúpula, porque não se trata de fazer um favor a um determinado país. Trata-se realmente de trazer todos a bordo”, avaliou.
Zelensky apresentou a proposta de paz de 10 pontos da Ucrânia aos líderes mundiais na cúpula do G20 em Bali, na Indonésia, em novembro.
As etapas incluem um caminho para a segurança nuclear, segurança alimentar, um tribunal especial para supostos crimes de guerra russos e um tratado de paz final com Moscou.
Ele também pediu aos líderes do G20 que usem todo o seu poder para “fazer a Rússia abandonar as ameaças nucleares” e implementar um teto de preço para a energia importada de Moscou.
Durante seu discurso ao Congresso na semana passada, Zelensky informou que o presidente dos EUA, Joe Biden, endossou esse plano.
Mas seria necessária uma grande concessão do Kremlin para que Putin aceitasse esses termos. E Zelensky não considerou a possibilidade de ceder território ucraniano, nem de abandonar seus esforços para ingressar na Otan e na União Europeia.
E enquanto o apoio ocidental permaneça forte, há pouca pressão para que ele mude de ideia.
Por que as negociações permanecem improváveis
Dado o sucesso das forças armadas da Ucrânia nos últimos meses, o posicionamento imutável da Otan e a natureza inequívoca do desejo de Kiev de recuperar e manter o controle de suas fronteiras anteriores a 2014, há poucos sinais de que as negociações possam trazer um fim à guerra em sua fase atual.
Uma reviravolta decisiva no campo de batalha no Ano Novo pode forçar uma mudança no cálculo, mas ambos os lados estão envolvidos no que muitos observadores acreditam que pode se tornar um conflito ainda mais longo e desgastante.
E a visita de Zelensky aos EUA – sua primeira viagem ao exterior em dez meses – mostra sua intenção de manter seus aliados focados na batalha e unidos em seu apoio.
“Para mim, como presidente, uma paz justa é sem concessões quanto à soberania, liberdade e integridade territorial de nosso país, a responsabilização por todos os danos infligidos pela agressão russa”, disse o presidente durante coletiva de imprensa conjunta com Biden na Casa Branca.
O chefe de Estado americano afirmou aos repórteres que ele e Zelensky “compartilham exatamente a mesma visão” para a paz. Ele também pontuou que os Estados Unidos e seus aliados se concentrarão em continuar “ajudando a Ucrânia a ter sucesso no campo de batalha”.
“Ele pode ter sucesso no campo de batalha com a nossa ajuda e a ajuda de nossos aliados europeus e outros, de modo que, se e quando o presidente Zelensky estiver pronto para conversar com os russos, ele também poderá ter sucesso, porque terá vencido no campo de batalha.”
*Josh Pennington, Hira Humayun e Xiaofei Xu, da CNN, contribuíram para esta reportagem